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Pesquisa sobre conservação na Amazônia 3: o Código Florestal e a mudança do poder político

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/
Autor: FEARNSIDE, Philip M.
13 de Abr de 2015

Os esforços do Brasil para proteger as florestas e a biodiversidade são restringidos por uma mudança na base econômica de poder político do País. Isso ficou claro com a evisceração do "Código Florestal," do Brasil que é um conjunto de normas promulgadas em 1965 (Lei no 4.771/1965) restringindo o desmatamento e outras atividades que afetam as florestas do País.

Em 24 de maio de 2011, um projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, e o processo de aprovação do Senado, as alterações e a aprovação final presidencial duraram até outubro de 2012 (Lei n.o 12.651/2012).

A "reforma" do Código Florestal removeu a proteção de morros e encostas íngremes, reduziu bastante a largura da área a ser protegida ao longo de cursos d'água por redefinir o nível de água a partir do qual é estabelecida a margem a ser protegida e reduziu a área de cada propriedade a ser protegida por "incorporar" a "Área de Proteção Permanente" (APP) na "Reserva Legal" (RL) que cada propriedade deve manter (e.g., [1, 2]).

Mais importante ainda, a reforma criou uma expectativa de impunidade no futuro, perdoando a maior parte das violações anteriores do Código Florestal [3]. As contribuições da comunidade científica foram completamente ignoradas, incluindo um relatório conjunto pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) [4].

A votação inicial na Câmara dos Deputados foi em uma proporção de sete para um contra o meio ambiente. Isto é difícil de explicar pela lógica da política normal, dado que a representação na Câmara dos Deputados é proporcional à população e 85% da população brasileira vive em cidades, significando que a grande maioria do eleitorado não teria qualquer interesse financeiro direto em permitir desmatar nas margens dos rios e em encostas íngremes.

Pelo contrário, seu interesse é do outro lado: durante o próprio debate sobre o Código Florestal, mais de 200 pessoas morreram em deslizamentos de terra na zona serrana no Estado do Rio de Janeiro, e inundações ao longo dos rios no nordeste do Brasil deslocaram muitos milhares de famílias. As pesquisas de opinião pública, poucos dias após a votação em 2011, indicaram que 85% do público eram contra a "reforma" do Código Florestal [5].

A explicação para a notável falta de conexão entre a votação na Câmara dos Deputados e os interesses e opiniões do eleitorado encontra-se em uma mudança nos centros de poder econômico do País. O setor manufatureiro declinou acentuadamente, com fabricação brasileira sendo substituída pelas importações chinesas, tanto nos mercados nacionais como nos mercados estrangeiros para os quais o Brasil exportava tradicionalmente ([6], p. 106; [7]).

O poder econômico e a influência política mudaram, deslocando dos sindicatos e industrialistas urbanos para os "ruralistas" - o bloco de votação e lobby que representa o agronegócio e grandes proprietários de terras. As exportações de soja (agora predominantemente para a China) colocam os centros de produção em Mato Grosso e outros Estados como a fonte de influência política [8]. Essa mudança afeta muitos problemas no Brasil além do ambiente, mas seu efeito sobre o meio ambiente é fundamental.

Além do Código Florestal, os ruralistas têm empurrado para as restrições que exigirão a aprovação do Congresso para poder criar áreas protegidas, incluindo terras indígenas (PEC 215/2000). Isso efetivamente bloquearia qualquer futura criação de áreas protegidas, já que a história do Código Florestal mostra o controle da influência ruralista no Congresso. A alteração está progredindo rapidamente em direção à aprovação final [9].

Os ruralistas também estão se movendo para revogar a resolução do Banco Central (BACEN no 3.545/2008) que proibe aos bancos públicos concederem financiamento para atividades agropecuárias se o proprietário tiver qualquer pendência ambiental junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Isto removeria uma medida contra o desmatamento que tem "dentes verdadeiros", em contraste com as multas, que podem ser objeto de recursos jurídicos ao longo de muitos anos, e que, muitas vezes, nunca são pagas.

Esta resolução do Banco Central de 2008 é considerada o principal fator no contínuo declínio nas taxas de desmatamento na Amazônia brasileira depois de 2008, quando os preços das commodities começaram a se recuperar.

Existem outras interpretações: o Governo brasileiro atribui toda a diminuição da taxa de desmatamento ao programa de repressão com multas [10], enquanto Nepstad e colaboradores [11] enfatizam um esverdeamento das cadeias de produção de carne e soja. A pressão geral para enfraquecer os sistemas de licenciamento e os regulamentos ambientais é uma ameaça constante. O fato do impedimento de qualquer possibilidade de reforçar os controles ambientais é incapacitante. Qualquer proposta de legislação para reforçar os controles seria alterada com emendas para ter o efeito oposto [12, 13].

NOTAS

[1] Metzger, J.-P.; Lewinsohn, T.; Joly, C.A.; Verdade, L.M. & Rodrigues, R.R. 2010. Brazilian law: Full speed in reverse. Science 329: 276-277.
[2] Soares-Filho, B.S.; Rajão, R.; Macedo, M.; Carneiro, A.; Costa, W.; Coe, M.; Rodrigues, H. & Alencar, A. 2014. Cracking Brazil's forest code. Science 344: 363-364. doi: 10.1126/science.1246663
[3] Fearnside, P.M. 2010. Código Florestal: As perdas invisíveis. Ciência Hoje 46(273): 66-67.
[4] Silva, J.A.A.; Nobre, A.D.; Manzatto, C.V.; Joly, C.A.; Rodrigues, R.R.; Skorupa, L.A.; Nobre, C.A.; Ahrens, S.; May, P.H.; Sá, T.D.A.; Cunha, M.C.; Rech Filho & E.L. 2011. O Código Florestal e a Ciência: Contribuições para o Diálogo. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), São Paulo, SP & Academia Brasileira de Ciências (ABC), Rio de Janeiro, RJ. 124 p. Disponível em: http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-547.pdf
[5] Barrionuevo, A. 2012. In Brazil, fears of a slide back for Amazon protection. The New York Times, 24 de janeiro de 2012.
[6] Bittencourt, G.; Peters, E.D.; Hiratuka, C.; Castilho, M.; Bianco, C.; Carracela, G.; Cunha, S.; Doneschi, A.; Lorenzi, N.R.; Sarmento, D.M.K.; Sarti, F.; Bazqueet, H. 2012. El Impacto de China en América Latina: Comércio y Inversiones. Serie Red Mercosur No 20, Red Mercosur de Investigaciones Económicas, Montevideo, Uruguai. 318 p. Disponível em: http://www.redmercosur.org/amenaza-y-oportunidad-china-y-america-latina…
[7] Cintra, M.R.V.P. 2013. A presença da China na América Latina no século XXI - suas estratégias e o impacto dessa relação para países e setores específicos. Dissertação de mestrado em economia política internacional. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-IE), Rio de Janeiro, RJ. 119 p.
[8] Fearnside, P.M.; Figueiredo, A.M.R. & Bonjour, S.C.M. 2013. Amazonian forest loss and the long reach of China's influence. Environment, Development and Sustainability 15(2): 325-338. doi: 10.1007/s10668-012-9412-2.
[9] Brasil, Câmara dos Deputados. 2014. PEC 215/2000. Proposta de Emenda à Constituição. Câmara dos Deputados, Brasília, DF. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=…
[10] Brasil, MMA (Ministério do Meio Ambiente). 2013. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) 3ª Fase (2012-2015). MMA, Brasília, DF. http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80120/PPCDAm/_FINAL_PPCDAM.PDF
[11] Nepstad, D.C.; McGrath, D.; Stickler, C.; Alencar, A.; Azevedo, A.; Swette, B.; Bezerra, T.; DiGiano, M.; Shimada, J.; da Motta, R.S.; Armijo, E.; Castello, L.; Brando, P.; Hansen, M.C.; McGrath-Horn, M.; Carvalho, O. & Hess, L. 2014. Slowing Amazon deforestation through public policy and interventions in beef and soy supply chains. Science 344: 1118-1123. doi: 10.1126/science.1248525
[12] Fearnside, P.M. & Laurance, W.F. 2012. Infraestrutura na Amazônia: As lições dos planos plurianuais. Caderno CRH 25(64): 87-98. doi: 10.1590/S0103-49792012000100007
[13] Isto é uma tradução parcial atualizado de Fearnside, P.M. 2014. Conservation research in Brazilian Amazonia and its contribution to biodiversity maintenance and sustainable use of tropical forests. p. 12-27. In: 1st Conference on Biodiversity in the Congo Basin, 6-10 June 2014, Kisangani, Democratic Republic of Congo. Consortium Congo 2010, Université de Kisangani, Kisangani, República Democrática do Congo. 221 p. http://congobiodiversityconference2014.africamuseum.be/themes/bartik/fi…. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).

Philip M. Fearnside fez doutorado no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM) desde 1978. Membro da Academia Brasileira de Ciências, também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis através de http://philip.inpa.gov.br.

http://amazoniareal.com.br/pesquisa-sobre-conservacao-na-amazonia-3-o-c…

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