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Pesquisa ganha um ar de turismo

GM, Fim de Semana, p.2
26 de Mar de 2004

Pesquisa ganha um ar de turismo
Aquidauana, Todos os dias o inglês Paul Shipton volta do campo suado, cansado e com as bochechas vermelhas. Em compensação, o sorriso vai de orelha a orelha. Aos 19 anos, ele escolheu o Brasil para passar férias e há dois meses está na Fazenda Rio Negro, no Pantanal, onde trabalha como voluntário em projetos de pesquisa. Um exemplo típico de um nicho de negócio que cresce a cada ano no Brasil, o turismo científico. "É uma oportunidade rara de ver tantos animais. No Reino Unido, só sobraram os bichos que interessam ao agronegócio, bois e vacas", diz Paul. Convenhamos, se ver um tamanduá-bandeira, "ao vivo", já é de deixar boquiaberto qualquer brasileiro, é fácil imaginar como ficam extasiados os estrangeiros. O chamado turismo científico é uma saída criativa para empreendimentos hoteleiros, principalmente na baixa estação; para os pesquisadores, que ganharam uma nova fonte de financiamento, e acima de tudo para os visitantes, que utilizam a natureza como laboratório ao ar livre e aumentam a consciência ecológica. Esta modalidade de visitação, que dá seus primeiros passos em solo nacional, também é nova no resto do mundo, embora seja mais difundida em outros países. O funcionamento é simples. O visitante compra um pacote e grande parte do que é pago - em torno de 70% - é revertido para a manutenção da pesquisa que ele irá acompanhar. Em função do preço, em torno de US$ 2 mil, o público ainda é basicamente estrangeiro. Para o Brasil, somente a organização não-governamental ambiental Earthwatch Institute oferece três opções este ano: pesquisas com golfinhos em Florianópolis (SC), com animais marinhos no Parque Estadual Ilha do Cardoso, em São Paulo, e ainda com diversas espécies, no Pantanal. Neste caso, o Earthwatch Institute fechou uma parceria com a ONG Conservação Internacional (CI), que em 1999 comprou a Fazenda Rio Negro e a transformou em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). São 7 mil hectares, onde são realizadas nove pesquisas científicas para entender a importância da maior área úmida contínua da Terra e as ameaças a sua biodiversidade. O visitante pode escolher projetos com pequenos animais (anfíbios e répteis), ou então com grandes bichos, como a onça-pintada, ou ainda com plantas. Todos os pesquisadores possuem mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Desde o início do projeto, em 2001, a fazenda recebeu cerca de 600 voluntários, em especial americanos. "Mas não é raro aparecer por aqui alguém de muito longe. No ano passado recebemos um turista da Mauritânia, país que fica no noroeste da África", conta Alexandre Curvelo de Almeida Prado, gerente de Ecoturismo da CI. Paul faz parte de um pacote diferente. Ele é voluntário da Conservação Internacional e, além de acompanhar de maneira informal algumas pesquisas, ajuda também nas tarefas da fazenda. Tanto serve mesas como acompanha o trabalho de outros guias. É uma espécie de intercâmbio. Estas tarefas, no entanto, não são feitas pelos voluntários que acompanham somente os trabalhos científicos. "A rotina é pesada", admite Paul, principalmente para quem não está acostumado ao clima e precisa ficar horas observando um animal específico ou empurrar jipes atolados na lama. "Mas vale a pena porque a gente começa a entender como funciona uma pesquisa científica e o quanto ela exige de paciência e meticulosidade na apuração dos dados", acrescenta. Para o inglês, o tempo no Pantanal também está servindo para que ele se dê conta "que pode viver com menos consumo e menor desperdício dos recursos naturais". Paul também destaca como "surreal" as pesquisas noturnas, que revelam uma percepção totalmente diferente do mundo animal. Uma delas envolve o levantamento do número e das espécies de morcegos que habitam a região (ver box). Neste caso, o visitante auxilia na coleta das espécies, colocando e retirando redes e na iluminação, por exemplo, mas não pode manipular o animal, a não ser que tenha sido vacinado contra raiva no país de origem, e esteja acompanhado de pesquisador licenciado pelas instituições competentes no País. Tudo é feito à noite, é claro, no meio da mata. Os animais são capturados, identificados segundo a espécie e a origem do habitat, e depois pesados e medidos. Logo em seguida, recebem um anilha, para que sejam reconhecidos em caso de nova captura. "É mágico", diz Paul. A quantidade de mosquitos durante o trabalho de campo é absurda, mas ele nem se importa. O turista também acompanha o trabalho no laboratório, a análise de dados propriamente dita. Almeida Prado informa que o mercado nacional começa a demonstrar interesse neste tipo de turismo e adianta que a Conservação Internacional já pensa em "nacionalizar" a proposta. Um dos entraves, neste caso específico, é o difícil acesso. Mas em outras localidades, como em Minas Gerais, onde a Conservação Internacional pesquisa o lobo-guará e os muriquis, isso seria mais viável. Na Fazenda Rio Negro, por exemplo, só se chega de monomotor durante o período de cheia, o que encarece os pacotes. Basta ver a taxa de ocupação, em torno de 40%. Mesmo assim, desse total, o turismo científico responde pela maior fatia, 25%, e o ecoturismo convencional pelo resto. O vice-presidente de comunicação internacional da CI, Haroldo Castro, diz que o fato de este não ser um turismo de massa, também eleva o custo da viagem. "Não temos o objetivo de atrair muita gente, pelo próprio bem da pesquisa", afirma. Além de turistas curiosos e voluntários do Earthwatch, a fazenda recebe alunos e pesquisadores de outras instituições de ensino e pesquisa, como a Embrapa Pantanal e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. "Pesquisadores estrangeiros na fazenda, em visita, fazem só observação. Pesquisar, só devidamente autorizados pelos órgão competentes", esclarece Almeida Prado. Além das pesquisas, a fazenda tem outros atrativos. É uma das mais tradicionais do Pantanal, construída em 1920, toda em adobe de carandá, e que até hoje conserva suas características originais. Foi também utilizada como cenário da novela Pantanal, em 1999. Para os estrangeiros, no entanto, isto não interessa. O que vale é o fato de o Pantanal ser a única região da América do Sul que compete com as savanas africanas em termos de concentração e possibilidade de observação de aves, mamíferos e répteis. O ecossistema abriga pelo menos 3,5 mil espécies de plantas, 432 de aves, 124 de mamíferos, 177 de répteis e 41 de anfíbios. GM, 26-28/03/2004, p. 2

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