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Pesquisa emperrada

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
18 de Abr de 2005

Pesquisa emperrada
E mbora o PT tenha sempre contado com apoio da comunidade científica brasileira, nos tempos em que estava na oposição, suas relações com ela, após dois anos e três meses no poder, encontram-se virtualmente estremecidas. Além de não ter até hoje formulado uma política minimamente articulada para o setor, frustrando desse modo as expectativas de cientistas, o governo não conseguiu simplificar os procedimentos e a burocracia para que eles possam realizar suas pesquisas.
A tensão entre os principais centros de estudos em matéria de fauna e flora do País e a atual direção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), deflagrada por causa das novas regras propostas pelo órgão para autorizar coleta e pesquisa de material biológico, retrata bem esse estremecimento. Criticado pela rigidez das normas em vigor e pela inépcia com que as aplica, o governo decidiu informatizar o processo de licenciamento, com o objetivo de reduzir o tempo gasto por zoólogos e botânicos com o preenchimento de formulários e diminuir o prazo para a liberação das concessões. Para tanto, foram apresentados dois projetos de instrução normativa, que estão em fase de consulta pública até o dia 29 deste mês.
Contudo, o que parecia ser uma trégua entre as autoridades e a comunidade científica, resultou num embate aberto. "Queremos diminuir o cartório", afirma a analista Marília Marini, coordenadora-geral de Fauna do Ibama. Já os zoólogos e os botânicos acusam o governo de estar substituindo a burocracia convencional pela burocracia eletrônica.
"As normas em discussão multiplicarão exponencialmente o volume de trabalho desse órgão, bem como o dos pesquisadores, sendo que estes não terão mais tempo para pesquisar", critica o vice-diretor do Museu Nacional, Ruy Alves. "Estão tentando colocar uma camisa-de-força e normatizar coisas que a gente sempre fez", endossa a vice-diretora do Museu de Zoologia da USP, Eliana Cancello. "O Brasil precisa preservar sua biodiversidade, mas isso não significa cercear o direito do zoólogo de pesquisar", conclui o professor paranaense Olaf Mielke, que por oito anos presidiu a Sociedade Brasileira de Zoologia.
Não é difícil ver quem está com a razão nesse embate. Embora as regras propostas permitam a concessão de licenças permanentes, os pesquisadores não estão dispensados de pedir autorização e enviar relatórios sobre cada expedição que fizerem, o que é contraditório. Além disso, como as licenças são dadas para grupos taxonômicos específicos, zoólogos e botânicos também têm de esclarecer previamente o que vão coletar antes de sair a campo. E, se eventualmente recolherem uma planta ou um animal fora do previsto, terão de preencher uma guia de notificação. A exigência é irracional, pois um dos objetivos da realização de inventários biológicos é identificar espécies novas.
Estas, como lembram os zoólogos e os botânicos, são descobertas ao acaso, em expedições de rotina, e não por meio de planejamento centralizado por amanuenses lotados em Brasília. Além disso, mesmo que os pesquisadores cumprissem essa regra absurda, a burocracia brasiliense não dispõe de recursos humanos para processar as informações obtidas. Se hoje o pessoal do Ibama não consegue sequer tomar decisões corriqueiras em tempo hábil, que condições terá para ler criticamente todos os projetos e pedidos de autorização? "Parece que a gente vai passar o ano todo preenchendo formulários, em vez de coletar, pesquisar, trocar informações com colegas do Brasil e do exterior", protesta Eliana Cancello, do Museu de Zoologia da USP.
Na defesa de seus dois projetos de instrução normativa, o Ibama alega que está preservando a biodiversidade e coibindo a biopirataria. Mas, a exemplo do que já aconteceu com as tentativas de disciplinar as atividades jornalísticas e a produção audiovisual, o perigo dessa regulação é que ela pode esvaziar direitos e comprometer a liberdade de pesquisa. É por isso que a comunidade científica não esconde seu temor com o caráter centralizador e burocratizante das propostas de regulamentação do PT. Ao criticar o excesso de tutela estatal, em matéria de coleta e pesquisa de material biológico, zoólogos e botânicos não estão só lutando para manter suas condições de trabalho. Em primeiro lugar, estão defendendo garantias inerentes ao regime democrático.

OESP, 18/04/2005, p. A3

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