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Pesquisa brasileira revela o mistério das figueiras

O Globo, Sociedade, p. 28
11 de Ago de 2018

Pesquisa brasileira revela o mistério das figueiras
Gênero de árvores é uma das mais bem-sucedidas histórias de sobrevivência da Terra

ANA LUCIA AZEVEDO

RIO - Reza a tradição que foi sob a copa de uma figueira que Buda atingiu a iluminação. E sob a copa das figueiras, desde os tempos dos faraós, a Humanidade professava sua fé. Templos vivos e ecumênicos, são sagradas para budistas, cristãos (No Gênesis, Adão e Eva cobrem as partes íntimas com folhas de figueira), devotos de cultos africanos, como o candomblé, e para as antigas religiões do Egito e de Madagascar. Universalmente veneradas, surgiram antes dos primeiros ancestrais do homem caminharem sobre a Terra, revela uma pesquisa de cientistas brasileiros, que reconstituiu a origem e a dispersão das figueiras por todo o planeta, à exceção da Antártica.
O estudo conta uma das mais bem-sucedidas histórias de sobrevivência da Terra e ajuda a entender melhor as árvores que parecem estar por toda a parte. As figueiras prosperaram enquanto muitas outras plantas pereceram porque aprenderam a se apegar à vida e a germinar praticamente sobre o nada. Sua resistência é o que a religião chama de milagre e a ciência prova ser evolução.
Elas desenvolveram estratégias de sobrevivência, como capacidade de germinar em qualquer lugar, e parcerias com vespas polinizadoras que as tornaram vencedoras, explica o principal autor do estudo, Leandro Cardoso Pederneiras, do Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Baseados em análises moleculares de plantas vivas hoje e no estudo de fósseis, os cientistas concluíram que as primeiras figueiras floresceram às margens do extinto Mar de Tétis, na vasta região entre o leste da Europa e o sul da Ásia, num lugar onde hoje está o Afeganistão.
Entre 60 milhões e 70 milhões de anos atrás, o clima ali era mais úmido e as primeiras espécies, que já não existem, encontraram condições para se dispersar, diz Vidal de Freitas Mansano, também do Jardim Botânico, e que assina o estudo com Pederneiras em parceria com cientistas do Instituto de Botânica de São Paulo. A pesquisa foi publicada numa das revistas de botânica mais importantes do mundo, a "Botanical Journal of the Linnean Society".
Por eras e gerações, as figueiras tiveram suas sementes levadas pelo vento e por animais e se diferenciaram em 750 espécies, das quais cerca de 80 existem no Brasil. A maioria destas, cerca de 70, são os conhecidos mata-paus ou gameleiras. Outras oito são de um gênero amazônico com propriedades medicinais. Segundo a pesquisa, os mata-paus, chegaram ao Brasil, vindos da África, há cerca de 45 milhões de anos. As amazônicas se originaram de espécies oriundas da América do Norte.
O Rio Janeiro, salienta Vidal Mansano, é uma das cidades com maior número de figueiras que se conhece, graças em boa parte aos amores do botânico francês Auguste François Marie Glaziou, um dos pioneiros da arborização urbana no Brasil, e depois de Roberto Burle Marx por elas. Estão em quase todos os bairros e parques da cidade, a despeito de suas raízes causarem prejuízos a calçamentos e paredes.
- Aqui se encontram tanto espécies estrangeiras, como as de Buda (Ficus religiosa), que formam um corredor no canal da Visconde de Albuquerque, no Leblon, quanto as nativas da Mata Atlântica, bem comuns da Floresta da Tijuca - observa Pederneiras, um dos bolsistas do programa de pós-doutourado Nota 10 da Faperj, que financiou o estudo.
"Uma árvore é um maravilhoso ser vivo, dá sombra mesmo aqueles que a cortam com o machado", a frase é atribuída a Buda e está no portão da Reserva Florestal de Kandy, no Sri Lanka. É nesse país que se acredita estar uma das figueiras mais velhas do mundo, com mais de dois mil anos.
A figueira sob a qual Buda teria alcançado a iluminação no século VI a.C. foi chamada de Bhodi, existiu no norte da Índia, próximo ao Rio Ganges, e já morreu. Porém, acredita-se que uma princesa do Sri Lanka convertida ao budismo no século II a.C. conseguiu um galho da figueira quando essa ainda era vivia. A levou para sua terra natal e a plantou em Anuradhapura, onde se tornou reverenciada desde então por budistas de todo o mundo. Não há certeza, porém, se a figueira que existe no santuário é a mesma plantada pela princesa ou se descendente desta.
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- A verdade é que não sabemos o quanto vive uma figueira. Mas há figueiras com indícios documentados de dois mil anos - diz Pederneiras.
Vidal afirma que inexiste explicação para a figueira estar presente em tantas religiões. Uma possibilidade é o fato de intrigar por parecer dar frutos sem ter antes tido flores, diz o botânico. Na verdade, as flores da figueira são minúsculas, são os pontinhos escuros que vemos ao abrir um figo. Prodigiosa também é a capacidade de a partir de uma semente menor do que uma cabeça de alfinete se transformar numa árvore de 30 metros de altura, em relativamente pouco tempo - algumas décadas.
- Mas talvez a mais espetacular capacidade das figueiras seja aquela que explica seu sucesso, ela brota em qualquer canto. Onde a semente cai, ela germina. Pode ser o galho de outra árvore, a fresta de um muro, um tijolo quebrado. Ela cresce para baixo, mas também para cima, em busca de luz. Já nasce vitoriosa - destaca Mansano.

O Globo, 11/08/2018, Sociedade, p. 28

https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/pesquisa-brasileira-revela-m…

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