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Perguntas para um novo ano

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: FAUSTO, Boris
30 de Dez de 2016

Perguntas para um novo ano

Boris Fausto

Atravessamos o ano alucinante de 2016 com o domínio das exclamações negativas nas vozes da rua: "Fora, Dilma", "Fora, Temer" e por aí vai.
É uma eloquente demonstração de algo que todos nós sabemos, por mais contrastantes que sejam as opiniões. As recusas são claras; os caminhos, obscuros. Seja como for, 2016 ficará na história como ficou 1992 -anos em que Fernando Collor e Dilma Rousseff foram apeados do poder.
Vamos ao quadro atual, começando por alguns traços da figura do presidente Michel Temer. Ao longo de muitos anos, ele se notabilizou como um político hábil na negociação parlamentar, mas que nunca se viu diante do comando do Executivo, a exigir outras virtudes.
Ao mesmo tempo, o bom trânsito no Congresso é um trunfo significativo nesta conjuntura. Apesar da péssima qualidade de muitos de seus membros, o Legislativo tornou-se um poder crucial na implementação de mudanças de toda ordem.
Foi esse homem -um bacharel à antiga- que o desastre do governo Dilma levou à Presidência da República. Suas tarefas são extraordinariamente complexas.
Ele tem de lidar com os problemas de sua entourage, atingida pela ação saneadora da Lava Jato; com os graves problemas da economia que exigem medidas a um tempo necessárias e impopulares; com as pressões dos movimentos sociais e a grita de uma oposição negativista. Consideradas essas circunstâncias, nada tem de surpreendente que a avaliação do governo registre altos níveis de rejeição; ninguém sai às ruas para gritar "Viva, Temer".
Mas, recusando a estreiteza do pensamento maniqueísta, cabe dizer que o governo combina acertos e erros. Entre os acertos, estão a fixação de um teto para os gastos públicos, que, esperemos, não precisará completar 20 anos; a proposta de reforma da Previdência, que precisa ser melhor explicada à população sob o ângulo da equidade de tratamento entre os contribuintes; a reforma do ensino médio, legislando numa esfera em que a enfadonha retórica não esconde a inoperância das ações; a mudança dos rumos da política externa, sobretudo na América Latina, pondo fim ao vergonhoso apoio do governo brasileiro a países como Venezuela.
Mais ainda, uma equipe credenciada superou o quadro de estagflação dos últimos tempos do governo Dilma e permite esperar uma inflação no centro da meta para o próximo ano. Se é possível criticar a timidez das medidas para induzir o crescimento, não é demais lembrar que as incertezas políticas têm papel relevante nas dificuldades para sair do quadro recessivo.
De outro lado, os retrocessos são visíveis, alguns deles como prolongamento do que já acontecia no governo anterior.
Alguns exemplos: as decisões na área rural que vão no sentido de reduzir fortemente as áreas de proteção ambiental; a proposta de mudança no processo de demarcação das terras indígenas que equivale, na prática, ao fim das demarcações; a inoperância do setor de saúde, cujo ministro desacredita do SUS e está longe de enfrentar, sem hipocrisia, a questão do aborto.
No balanço geral, é preferível que o governo Temer complete seu mandato, dados seus aspectos positivos e, quando mais não fosse, porque o país não está em condições de sofrer novos sobressaltos.
Do ponto de vista jurídico, sua queda é improvável. Não acredito que o TSE atinja a chapa Dilma-Temer. Quanto à turbulência proveniente das delações da Odebrecht, é bom recordar que os presidentes da República só respondem, no poder, pelos atos praticados no curso de seu mandato.
Todavia, do ponto de vista político e da opinião pública, quem garante que Temer resistirá aos sobressaltos sociais e à multiplicação de denúncias a seu redor?
Essa pergunta e muitas outras desafiam 2017. Afinal, como diz um verso do poeta Drummond em "Passagem do Ano", "O último dia do ano/ não é o último dia do tempo".

BORIS FAUSTO, historiador, é professor aposentado do departamento de ciência política da USP. É autor de "História do Brasil" (ed. Edusp) e "O Crime do Restaurante Chinês" (ed. Companhia das Letras)

FSP, 30/12/2016, Tendências/Debates, p. A3

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/12/1844828-perguntas-para-um-…

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