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Perfil

Folha de Boa Vista - http://www.folhabv.com.br/
15 de Mai de 2010

"Dou minha vida pela vida do meu povo.
Não me nego a lutar, seja pela saúde ou pela educação,
já que vencemos a luta pela terra".

Júlio José de Souza, mais conhecido como Júlio Macuxi, tem 31 anos e nasceu em Maturuca, o centro de resistência da luta em favor da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Ele é filho do líder Jacir José de Souza, vencedor do prêmio Chico Mendes. Está cursando Economia na UFRR e é um dos coordenadores do Conselho Indígena de Roraima (CIR) eleito por voto direto das comunidades indígenas. Participou ativamente da luta pela demarcação da Raposa Serra do Sol. Júlio foi o primeiro índio do Brasil a presidir um cerimonial da Presidência da República, quando o presidente Lula da Silva foi a Maturuca, no dia 19 de abril passado.

* Como você conseguiu fazer com que a Presidência da República aceitasse seu nome para presidir um cerimonial do presidente Lula?
Fazer o cerimonial do presidente Lula foi uma condição da nossa organização da comunidade de Maturuca. Sabemos que o pessoal da Presidência assume tudo quando eles vão para organizar um evento. Fui indicado pelas lideranças indígenas da região como articulador e chefe do cerimonial. Na primeira conversa, a equipe precursora não aceitava, por ser uma atividade institucional da Presidência. Mas dissemos que o presidente precisava respeitar a organização social dos povos indígenas. Houve divergências entre a comissão deles e a nossa, com vários impasses, mas eles aceitaram no final.

* Como o CIR realiza muitos eventos, há intenção oferecer curso de Cerimonial na TI Raposa Serra do Sol?
A faculdade dos índios foi na prática, da mesma forma que eu. Os índios coordenam as assembleias e eles já faziam cerimonial há muito tempo, coordenando a aprovação de propostas. Agora queremos qualificar os jovens para que eles tenham melhor proveito dos debates e passem a lidar com as autoridades não-indígenas. Queremos que respeitem o cerimonial indígena, mas precisamos aprender a como tratar as regras das autoridades não-indígenas.

* Que projetos o CIR possui para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, após a desocupação pelos não-índios?
Temos vários projetos em execução. Um deles é o de bovinocultura de melhoramento genético. O objetivo é garantir qualidade da carne bovina das comunidades, uma vez que só na Raposa Serra do Sol existem tem 30 mil cabeças de gado. Outro projeto é o resgate das sementes tradicionais, além de vários projetos comunitários. Repassamos para as comunidades as fazendas desocupadas pelos não-índios, onde as comunidades mantiveram infraestrutura para destinar a projetos de etnodesenvolvimento. Também estamos negociando com o BNDES o Projeto de Gestão Territorial e Ambiental de Desenvolvimento Sustentável e de Segurança Alimentar dos Povos Indígenas, para todos os povos indígenas, não só os da Raposa Serra do Sol.

* Como está a relação do CIR com os indígenas contrários a demarcação? Eles poderão participar do desenvolvimento de projetos?
As pessoas indígenas nas comunidades estão se relacionando muito bem. Muitas comunidades que pertencem a outras entidades estavam presentes na festa de Lula, convivendo com harmonia independente da organização a que pertenciam. Existem resquícios desse passado recente em algumas regiões, mas sempre com alguém de foram inflamando, mas 80% das comunidades estão caminhando na linha de conviver em paz, de usufruir da terra, de produzir. Agora que se passou um ano da confirmação da terra homologada e no mais tardar dois anos esse processo estará concluído, com tudo pacificado.

* Ser filho do grande líder indígena Jaci José de Souza, ajuda ou atrapalha?
Sempre ser um batalhador nunca atrapalha. Dou minha vida pela vida do meu povo. Não me nego a lutar, seja pela saúde ou pela educação, já que vencemos a luta pela terra. Meu pai me deixou esse legado muito forte e está no meu coração, na minha índole, independente de qualquer posição que eu esteja.

*Como você chegou ao CIR?
Sou de Maturuca, onde foi criado o embrião do CIR. Ao contrário do que as pessoas pensam, as comunidades indígenas estão organizadas e decidem a linha de ação que o CIR juridicamente acompanha por meio de sua organização social, principalmente na luta pelos seus direitos. Antes de assumir o Departamento de Projetos, meu primeiro trabalho foi na assessoria jurídica por seis anos, ajudando a advogada Joênia Wapichana. Conseguimos sete homologações de áreas indígenas, a mais recente foi a de Anaro. As pessoas pensavam que o CIR tinha muitos advogados, mas éramos só duas pessoas.

*O que os índios estão pensando para o futuro?
Hoje os povos indígenas ocupam 46% das terras do Estado e agora queremos participar ativamente do desenvolvimento de Roraima. Sempre as autoridades quiseram nos excluir desse processo, mas estamos nos preparando para isso, seja por meio da formação de lideranças ou pela educação, com o Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, onde os jovens estão sendo formados por meio de um ensino médio integrado ao ensino técnico. Nossa lógica é o do crescimento comunitário: se eu tenho, meu vizinho também precisa ter. A luta é para que todos tenham, inclusive acesso a políticas públicas.

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