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Percursos da agenda ecológica

GM, Fim de Semana, p. 4
03 de Dez de 2004

Percursos da agenda ecológica

E cologia e meio ambiente são palavras mágicas. Também, são palavras que exigem vastas ações práticas e concretude de propósitos para que o País possa fugir do efeito paralisante da inércia, passando a percorrer a estrada retilínea dos resultados positivos. O livro "Meio Ambiente no século XXI", escrito por 21 autores de reconhecido prestígio , como Gilberto Gil, Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis, Washington Novaes e Carlos Minc, traz à luz a atualidade do tema não só pela profundidade das análises, mas também porque toca no nervo sensível da educação. Mais exatamente, o conceito de sustentabilidade, cunhado por Lester Brown, fundador do Worldwatch Instituto, que o definiu como a capacidade de construir o progresso material e tecnológico sem ameaçar as oportunidades de realização das gerações futuras.
Logo nos primeiros capítulos, o itinerário a seguir é apontado por uma série de temas práticos e atuais. A alfabetização ecológica, a integrar o ensino das artes ao currículo escolar como forma de reforçar a sensibilidade das crianças. Uma radiografia do pensamento do brasileiro em torno do tema da ecologia, enfatizando que "o ambientalista ou simpatizante, homem ou mulher, tem entre 22 e 45 anos, possui alta escolaridade (superior incompleto ou mais) , mora nos centros urbanos e vê televisão, seu principal veículo de informação. "Um quadro da evolução do tema na mídia, cada vez mais empenhada em perceber a realidade, de forma abrangente, tendo como centro das atenções a qualidade de vida no planeta. Aliás, a nossa casa. Soma-se uma discussão a propósito dos compromissos do empresariado com o meio ambiente, com uma informação preciosa: mais de 2 mil companhias no mundo já apresentam rotineiramente relatórios de sustentabilidade, o que significa ir além dos tradicionais relatórios financeiros. E muitos outros temas que vão do direito às negociações internacionais, do desafio das cidades ao mundo do trabalho, sempre com foco na ecologia.
Segundo os autores, há uma autêntica revolução em marcha. Nas escolas americanas, por exemplo, o ensino da vida sustentável começa a fazer parte da rotina a partir do Centro para Alfabetização Ecológica e a Second Nature, uma organização educional com sede em Boston. Curriculos ganham novas feições na escola primária e secundária. Os diferentes aspectos da vida são ensinados em termos de "redes, fluxos e ciclos" por meio da prática do cultivo e consumo de alimentos. E os ciclos dos alimentos, como assinala o autor, "interagem com esses ciclos maiores - o ciclo da água, o ciclo das estações, e assim por diante -, que são todos filamentos da rede planetária da vida".
Tudo é muito filosófico e muito prático. Muito real e sensível. Em lugar da oposição radical ao progresso ou ao progresso predatório, aprende-se a pensar no progresso com cuidado, sem destruição. Trata-se de um passo à frente da educação ambiental. Trata-se de uma abordagem sistêmica que abre caminhos para uma reforma escolar ampla e transformadora.
Busca-se criar alicerces genuínos de comportamentos e valores para o exercício da cidadania no mundo moderno. Busca-se mais. Busca-se a integração em redes mundiais de conhecimento e a indispensável relação de vasos comunicantes entre professores e alunos. Todos aprendem juntos. Todos ensinam juntos. Há troca de experiências, troca de conhecimentos, troca de sensibilidades. Um exemplo de rara utilidade, uma referência a ser discutida e adaptada ao ambiente brasileiro.
Por coincidência ou não, "Meio Ambiente no Século XXI" chega às livrarias num momento em que uma questão implacável se impõe: como integrar a ecologia e o meio ambiente a um novo modelo de desenvolvimento brasileiro?
É uma leitura que enriquece pela multiplicidade de informações. Em âmbito mundial, o tema da ecologia-meio-ambiente-desenvolvimento sustentado hoje é considerado tão importante quanto a questão do terrorismo.
No Brasil, a ecologia-meio ambiente ainda não figura no ranking das grandes preocupações nacionais, liderada pelo desemprego e pela violência, mas é certo que breve passará a merecer a ser tratado de forma diferente. Um primeiro indicador dessa evidência é a questão da Amazônia. A persistir o atual ritmo de devastação, fruto de uma visão meramente econômica e extrativista, a última grande floresta tropical do planeta tende a ser o motor de graves crises nas relações internacionais brasileiras. Pois da sua preservação depende, e muito - só para citar um exemplo - o ciclo de chuvas e a agricultura na América do Sul e no sul dos Estados Unidos.
Outro fato relevante é o desempenho da economia no conjunto. Pela terceira vez consecutiva, o Brasil caiu no ranking da competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. Passou da 54ª para a 57ª posição na lista que é liderada pela Filândia. Pode-se recuperar as posições perdidas sem voltar os olhos para o desenvolvimento ecologicamente sustentado? Claro que não. Somente com uma população educada e com padrão de vida digno é que a virada poderá ser feita com êxito. Isto porque aqui uma das primeiras causas, senão a primeira, dos dramas ambientais é a pobreza. Basta olhar a recente pesquisa divulgada pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas para constatar o alcance do drama: 47 milhôes de brasileiros não têm dinheiro para consumir o mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde.
Engajamento coletivo
"Meio Ambiente no século XXI" soa como uma proposta e uma advertência. A proposta é que o futuro da Humanidade está intimamente associado aos cuidados com a ecologia. É um desafio coletivo que se sobrepõe a questões políticas, ideológicas ou raciais. No Brasil, "exigirá o empenho dos empresários e de todos os outros setores. Exigirá o engajamento de cada cidadão. Isto vale para a construção da Agenda em todos os níveis - sejam eles agendas estaduais, municipais, ou mesmo de algum setor ou comunidade específica. Lembrando que as decisões em uma área afetarão as outras. Por isso, não haverá cidades sustentáveis sem agricultura sustentável, nem redução das desigualdades sociais sem as duas primeiras".
As palavras são do jornalistas Washington Novaes, no capítulo intitulado "Agenda 21: um novo modelo de civilização". Em síntese, sua tese é: o capital social é um fator-chave do processo. A advertência é que a poluição da pobreza, como desdobramento do analfabetismo e da ignorância, precisa ser combatida. Pois esta vitória é decisiva para um desenvolvimento sustentado que transborde das fronteiras econômicas para abarcar todo o infinito, e frágil, universo da existência. Trata-se, portanto, de um livro para ler, reler, discutir e, sobretudo, levar as suas idéias à prática.

Sidney Dutra - Reitor da Universidade de Santo Amaro

GM, 03-05/12/2004, Fim de Semana, p. 4

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