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'Pente-fino' de ministério paralisa ao menos 24 projetos do Fundo Amazônia

Valor Econômico, Brasil, p. A2
Autor: CHIARETTI, Daniela; VASCONCELOS, Gabriel
26 de Jun de 2019

'Pente-fino' de ministério paralisa ao menos 24 projetos do Fundo Amazônia

Daniela Chiaretti e Gabriel Vasconcelos

O Fundo Amazônia não teve nenhum projeto aprovado em 2019. O rigoroso processo de escolha de novas iniciativas, encaminhado durante o ano passado, está paralisado. Estão represados pelo menos R$ 350 milhões que financiariam programas de aumento de produtividade e renda de agricultores familiares na Amazônia e monitoramento do desmatamento.
Um dos projetos que aguardam há seis meses o fim do processo de análise pelos técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que gerencia o Fundo Amazônia, busca aumentar a produtividade dentro de assentamentos rurais no Pará. A primeira etapa do projeto do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) foi concluída em 2017 e beneficiou 3 mil famílias. Resultou na diminuição de 75% no desmatamento dentro dos lotes e no aumento de 120% na renda das famílias.
"Damos assistência técnica aos agricultores. Se o assentamento produzir melhor, com mais acesso à tecnologia e técnicas agroflorestais, consegue-se mais produção em espaço menor, diminuindo a pressão sobre a floresta", diz André Guimarães, diretor-executivo do Ipam. O instituto aguarda a análise final dos técnicos e a liberação de R$ 30 milhões, em cinco anos, para a segunda fase da iniciativa.
A paralisia nos processos de aprovação de projetos do Fundo Amazônia ocorre em momento de alta no desmatamento. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou em maio 1.102 km2 de áreas de alerta de desmate e degradação na Amazônia Legal.
Segundo o monitoramento feito pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) em maio foram desmatados 797 km2 de floresta, aumento de 26% em comparação a maio de 2018. A tendência de alta se revela também no acumulado entre agosto e maio: 22% de aumento em comparação ao ano anterior.
Nada acontece no Fundo Amazônia desde que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, decidiu, em março, solicitar um pente-fino nos contratos geridos pelo BNDES. "Não houve determinação de paralisar nada", diz uma fonte, embora o efeito tenha sido este. A equipe técnica de 18 pessoas ficou sobrecarregada, e a análise dos projetos foi comprometida.
Em maio, Salles reuniu a imprensa para dizer que os projetos patrocinados pelo fundo têm pouca eficácia e sugeriu irregularidades em sua execução, sem contudo apontar claramente as falhas.
Representantes do governo norueguês, o maior financiador do Fundo Amazônia, e do governo alemão, o segundo maior doador, pediram o relatório com os resultados da auditoria de Salles, mas até agora não o receberam. Os países doadores já aportaram mais de R$ 3,3 bilhões no fundo desde o início da operação em 2009.
Está em curso uma negociação entre doadores e o Ministério do Meio Ambiente. Salles quer reformar a governança do mecanismo e dar mais voz ao governo federal. Os doadores, por seu turno, não querem que o Fundo Amazônia, criado para preservar e desenvolver de forma sustentável a região, se transforme em um projeto de governo. Na carta-resposta à proposta de Salles de modificar o órgão executivo do fundo, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), os embaixadores de Alemanha e Noruega disseram esperar que o BNDES continue a aprovar projetos "em consonância com os acordos e diretrizes existentes".
Na média histórica são aprovados dez novos projetos por ano. Uma fonte familiarizada com a gestão do fundo diz que há 24 projetos na fila à espera por análises.
Os projetos de dois editais lançados há dois anos pelo BNDES estão em compasso de espera. Um deles mira projetos de recuperação da cobertura vegetal, prevê desembolso de R$ 200 milhões e parou na primeira fase, de verificação de documentos dos candidatos. O resultado nem sequer foi divulgado.
Trata-se do primeiro edital do Fundo Amazônia para projetos de restauração da floresta. "É política importante para que o país possa cumprir a meta climática de restaurar 12 milhões de hectares até 2030", diz um especialista.
A paralisação dos processos de análise do outro edital, que trata do fortalecimento de cadeias de valor e está orçado em R$ 150 milhões, prejudica agricultores familiares e extrativistas que vivem na floresta. A criteriosa seleção de projetos tem quatro fases. No caso do edital das cadeias de valor, as duas primeiras foram encerradas em dezembro. Foram seis os projetos pré-selecionados (ver quadro acima). Faltam apenas um último parecer e o aval da diretoria, mas o breque está puxado há seis meses.
"São pelo menos R$ 350 milhões que não estão indo apoiar atividades produtivas sustentáveis na Amazônia", diz um especialista. "Sem esses apoios, fica difícil competir com as atividades ilegais."
"Não temos nenhuma sinalização negativa de que o projeto não vai acontecer, mas é que atrasou muito. Passamos de janeiro até agora parados", diz Silvianete Matos Carvalho, secretária-executiva da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema), uma das seis organizações pré-selecionadas na chamada das cadeias de valor. "Isso atrapalha porque tira a credibilidade do projeto", continua Silvianete.
A Assema foi fundada há 30 anos por produtores rurais e quebradeiras de coco babaçu no Maranhão. Trabalha com agroecologia e recuperação de áreas degradadas. A entidade aguarda a nova etapa do projeto pré-aprovado no edital do fundo para promover o manejo florestal do babaçu.
É caso similar ao da Cooperativa de Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), que atua na produção de castanhas em Mato Grosso, Rondônia e Pará e já teve projeto com o Fundo Amazônia. Conseguiram certificação orgânica, infraestrutura para melhorar o beneficiamento, armazéns dentro da floresta. Na segunda fase, que aguarda o ponto final do banco, querem ampliar a ação do extrativismo. "Queremos incluir os seis povos indígenas que trabalham conosco, além dos agricultores", diz Paulo Cesar Nunes, coordenador de projetos da Coopavam.
No caso do Imaflora, o apoio do fundo seria para um projeto que apoia associações de agricultores familiares no Amazonas. Produzem guaraná e café. "O foco é aumentar a produtividade das famílias para que vendam às empresas da Zona Franca de Manaus, beneficiem seus produtos e os vendam nos mercados locais", diz Eduardo Trevisan Gonçalves, gerente de projetos do Imaflora.
O Instituto Socioambiental (ISA) tem projeto na mesma situação de espera, assim como o de desenvolvimento de iniciativas voltadas para a agroecologia do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê). "Queremos agregar valor aos produtos da Amazônia", diz Eduardo Ditt, secretário-executivo do Ipê. O projeto do instituto mira a produção de castanhas orgânicas, o manejo do pirarucu, a produção de mel e a fruticultura.
O setor do BNDES dedicado ao Fundo Amazônia vem sofrendo cortes e impacto na produtividade desde o governo Temer. A sensação de técnicos ouvidos pelo Valor é de "amordaçamento", uma vez que o banco não tem se posicionado oficialmente ao que tem dito Salles.
Procurado pela reportagem, o BNDES manifestou-se apenas em nota da assessoria de imprensa. Ali se diz que os trabalhos do Fundo Amazônia "transcorrem normalmente" e nega-se que existam projetos à espera de apreciação pela diretoria. A nota lembra que a equipe foi mobilizada para atender pedidos da Controladoria-Geral da União e do MMA, o que levou à extensão "do prazo de análise das operações em carteira" e indica que isso seria "comum em períodos de transição [de governo]".
Suspensão no processo de aprovação dos projetos ocorre em momento de alta no desmatamento

Valor Econômico, 26/06/2019, Brasil, p. A2

https://www.valor.com.br/brasil/6320145/pente-fino-de-ministerio-parali…

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