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Pelo saber do branco

OESP Grandes Reportagens Amazônia, nov-dez 2007, p. 92-93
31 de Dez de 2007

Pelo saber do branco
Indígenas querem formar seus médicos e mestres

Carlos Marchi
Alto Rio Negro (AM)

Não se sabe de que morreu o jovem Kutxu, da etnia culina-pano, no Vale do Javari, em fins de julho. Suspeita-se que tenha sido de febre amarela, um mal que poderia ser evitado pela vacina. Kutxu, de 22 anos, foi a 19ª morte por doença contagiosa na Amazônia no primeiro semestre de 2007, diz a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). "Os indígenas perceberam que, embora queiram viver na floresta, a sua cultura e tradição não bastam", disse, a respeito, o Conselho Indígena do Alto Javari. Líder de seu grupo, Bonifácio Baniwa diz mais: "Precisamos ter nossos médicos, nossos professores. Eles vão vacinar os povos indígenas, protegê-los da morte, ensiná-los a não morrer tão tolamente."

Ofertas para estudar não faltam. A cota da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) para indígenas em 2007 chegou a 174 vagas, mas não houve tantos pretendentes. Em 2006, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) ofereceu 120 vagas. Muitas delas não foram preenchidas. Os maku-hüpdas e os ianomâmis, por exemplo, não têm nenhuma pessoa com nível médio para pleitear um curso superior.

A Ufam e a UEA se preparam para formar professores índios. Bonifácio Baniwa sonha conjugar o conhecimento da medicina indígena com a dos brancos e acha que esse casamento científico acabará com o principal dos dilemas indígenas - a morte pela doença trazida pelo branco. Já o jovem líder André Baniwa, da mesma etnia, está mais preocupado em defender o conhecimento da medicina indígena contra a pirataria das multinacionais farmacêuticas. No conselho da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), ele cobrou providências para proteger o saber dos pajés.

Ele sabe do que está falando. Em 1992, o evento "A Amazônia vai Falar" reuniu 400 pajés para debater os segredos da medicina da floresta. Foi editado um glossário com 4 mil verbetes de plantas medicinais usadas pelos pajés. Pouco tempo depois, uma indústria farmacêutica européia pediu patente da copaíba e da andiroba, duas das plantas mais mencionadas no encontro, relata Marilene Corrêa, reitora da UEA.

Existem hoje na Amazônia 42 mil alunos nas 600 escolas indígenas de ensino fundamental e nas 13 de ensino médio. Há 800 professores formados no Normal Superior e mil em fase de formação. A Ufam quer transformar o seu pólo em São Gabriel da Cachoeira em uma pioneira Universidade dos Povos Indígenas; o Instituto Sócio-Ambiental (ISA) quer que a universidade indígena brote das suas "escolas diferenciadas".

O aprendizado será longo, suspira Jecinaldo Sateré, na sala de treinamento em informática do Centro Amazônico de Formação Indígena (Cafi), da Coiab. Ali, duas dezenas de jovens indígenas indicados por caciques e pajés das mais diversas etnias aprendem, desde agosto de 2006, os segredos da internet em computadores modernos, custeados pela The Nature Conservancy.

Construir escolas nas aldeias virou uma saudável mania. Ampliar o conhecimento dos índios é uma questão central para os líderes. Eles querem formar educadores, médicos, administradores de negócios e representantes políticos, para evoluir e não perder as terras conquistadas. Mas querem aprender os segredos da ciência e da cultura geral dos brancos em suas próprias línguas, para não diluir as tradições. Manter as tradições é essencial para evitar o constante êxodo de jovens para as cidades.

OESP Grandes Reportagens Amazônia, nov-dez 2007, p. 92-93

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