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Paz e desenvolvimento no Atlântico Sul

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: HERZ, Mônica; SILVA, Antonio Ruy de Almeida
20 de Nov de 2016

Paz e desenvolvimento no Atlântico Sul

MÔNICA HERZ E ANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVA

A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, criada há 30 anos, enseja uma reflexão sobre a importância dos mares e seus reflexos para o Brasil, especialmente quando se discute a questão do pré-sal. Ela foi criada em 1986, unindo 24 países da América do Sul e da África para preservar a paz e incrementar o desenvolvimento econômico e social dos seus membros. Seu nascimento se deu quatro anos após a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que estabeleceu as normas para o ordenamento dos oceanos, especialmente em relação ao estabelecimento dos limites da Zona Econômica Exclusiva e da Plataforma Continental.
A evolução da conjuntura internacional sobre os oceanos desde aquela época mostra duas tendências: a crescente importância militar e econômica dos espaços marítimos e o incremento das tensões derivadas do processo de demarcação das fronteiras, exacerbado pela valorização crescente dos recursos marinhos.
No âmbito militar, os avanços tecnológicos incrementam a capacidade das forças navais de garantir o sistema global de comércio pelo mar e das potências navais de projetar poder em nível mundial. Ademais, a presença da criminalidade transnacional marítima tornou-se um tema crucial para a política internacional.
Em relação à importância econômica, a globalização tem produzido um crescimento extraordinário do transporte marítimo: cerca de 90% do comércio mundial, medido em peso e volume, é realizado pelos oceanos. Estes têm se tornado, também, uma importante fonte de recursos biológicos, energéticos e minerais, especialmente na produção de petróleo e gás natural.
Essa importância tende a crescer na medida em que pesquisas demonstram as potencialidades dos recursos do mar, e novas tecnologias possibilitam a exploração das riquezas. Tais fatores têm contribuído para a valorização das águas jurisdicionais, aumentando a fiscalização e a presença do Estado nesses espaços, gerando políticas públicas nacionais, como é o caso do Brasil em relação à denominada Amazônia Azul.
O Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac) é um dos projetos de maior envergadura nesse âmbito. Seu propósito é estabelecer, e submeter à Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, o limite exterior da plataforma continental sobre a qual o Brasil pode exercer direitos de soberania para a exploração e aproveitamento dos recursos naturais do leito e do subsolo marinho. Esse projeto, nos seus quase 30 anos de existência, com a participação da Marinha, Petrobras e pesquisadores de diversas universidades, já logrou incorporar ao patrimônio brasileiro uma área de 770 mil quilômetros quadrados a partir de um pleito feito em 2004. O Brasil está pleiteando outros 190 mil quilômetros quadrados.
A incorporação dessa imensa área é de extrema importância econômica para a exploração dos recursos naturais, especialmente do petróleo e gás onde algumas bacias se aproximam do limite de 200 milhas da zona econômica exclusiva. O conhecimento adquirido possibilitou a capacitação para cooperar neste campo com outros países, como Namíbia e Angola.
No âmbito regional, a atuação diplomática brasileira buscou promover a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul como um mecanismo que contribua para manter o espaço livre das armas de destruição em massa, num ambiente de paz e cooperação que permita o desenvolvimento socioeconômico dos países da região.
No âmbito doméstico, apesar de avanços como o Leplac, falta uma política marítima para o gerenciamento dos rios e do mar que realmente oriente o desenvolvimento integrado das atividades marítimas. Isso levando em conta que a regulação internacional e nacional e o investimento na produção de conhecimento devem ter como referência sua contribuição para um projeto de desenvolvimento nacional sustentável. Devemos debater o nosso acesso e uso das riquezas marítimas e garantir que decisões de hoje não impeçam o debate público no futuro.

Mônica Herz é professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e Antonio Ruy de Almeida Silva é professor da Escola Superior de Guerra

O Globo, 20/11/2016, Opinião, p. 19

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