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Pavana pelos indios mortos

CB, Opiniao, p.12
Autor: LIMA, Rubem Azevedo
14 de Mar de 2005

Pavana pelos índios mortos
Rubem Azevedo Lima
0 governo do presidente Lula festeja, com razão, a ultrapassagem da barreira de US$ 100 bilhões nas exportações do país, ocorrida graças à produção industrial e aos agronegócios, que incluem soja, carne, frangos e frutas. É o Brasil vendendo o conforto de automóveis, geladeiras, fogões e televisores, das indústrias aqui instaladas, e, ao mesmo tempo, alimentando outros países, com produtos que, infelizmente, nem sempre vão à mesa dos brasileiros.
Sob esse aspecto, a promessa do candidato Lula de garantir a cada pobre três refeições diárias, com o programada Fome Zero, ainda não se realizou. Deu-se o pior: os brasileiros mais carentes, os indígenas, ex-donos de nosso território - do qual sai tanto alimento para o mundo -, estão subnutridos. E, no caso, as maiores vítimas são crianças, cujas tribos, em geral hostilizadas, não podem resistir à pressão de quantos as julgam obstáculo a seus negócios.
Numa aldeia guarani morreram onze indiozinhos de fome. É um fato vergonhoso para qualquer governo. Para Lula - que prometeu resolver tal problema "sem erro" -, a vergonha é maior e atinge o calcanhar de sua imagem política.
Essas crianças não morreram todas num dia e pouco ou nada se fez para salvá-las desde a primeira morte. 0 desrespeito aos direitos de qualquer ser humano, apto a defender-se, é uma indignidade. Que dizer do descaso pela sobrevivência de indiozinhos indefesos, se a repartição obrigada a protegê-los deixa, burocraticamente, que o Estado se omita, como se a morte deles fosse melhor do que a vida que o governo deve proporcionar-lhes? As famílias dessas crianças perderamnas para sempre, impondo-se a apuração de responsabilidades, no caso, e a revisão de nossa política indigenista. À memória dos indiozinhos imolados pela burocracia ou miopia econômica, a homenagem da indignação dos brasileiros, em forma de pavana a esses mortos por injustiça social, no país da Fome Zero, algo que soa como hipocrisia estridente do governo Lula.

CB, 14/03/2005, p. 12

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