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Paulistano esquece crise hídrica, abre torneiras e volta a gastar mais água

OESP, Metrópole, p. A20-A21
09 de Ago de 2015

Paulistano esquece crise hídrica, abre torneiras e volta a gastar mais água
Pesquisa da Lello aponta afrouxamento de economia, cuja adesão caiu de 82% para 76% entre março e junho; Sabesp diz estar estável

Edison Veiga e Fabio Leite - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Bastou um aviso do síndico no elevador com a informação de que o abastecimento de água no prédio estava normalizado para que o designer Claudio Lopes, de 40 anos, relaxasse. Os banhos voltaram a durar 15 minutos, e a máquina de lavar a funcionar três vezes por semana. "Não quer dizer que eu esteja esbanjando água, mas, aos poucos, minha rotina acabou voltando ao normal", diz o morador da Vila Maria, na zona norte de São Paulo.
O relato de Lopes seria motivo para comemorar não fosse um detalhe: a crise hídrica está longe de acabar. O pior é que esse comportamento não é exceção. Pesquisa realizada pela administradora de condomínios Lello em 1,7 mil empreendimentos no Estado, dos quais 90% na capital, aponta uma queda sensível na economia.
A adesão dos condomínios ao programa de bônus da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) caiu de 82%, em março, para 76% em junho. O bônus beneficia contas cujo consumo fica abaixo da média aferida antes da crise, entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 - o desconto chega a 30%. Ou seja, cerca de cem condomínios voltaram a consumir mais água do que a média de gasto anterior à crise.
Para Angélica Arbex, gerente de Relacionamento com o Cliente da Lello, o relaxamento acontece nos apartamentos. "A maioria dos prédios segue fazendo um grande esforço na economia, mas a queda na adesão serve como um sinal amarelo. Os síndicos continuam rigorosos e economizam água na área comum, mas nas casas das pessoas entra o imponderável."
Velho hábito.No caso de Lopes, o aviso do síndico de que o racionamento de água feito pela Sabesp por meio da redução da pressão e do fechamento manual da rede não afetava mais o prédio, em maio, foi a senha para aposentar os baldes. "Tinha até montado um sistema, com um cano, para captar da sacada a água da chuva. Agora emprestei o cano para minha mãe, que mora em Guarulhos, onde a situação é mais crítica."
O resultado é visível na conta - o prédio tem medidores individualizados. Antes da crise, ele costumava pagar R$ 60 por mês. No auge da seca, a tarifa chegou a R$ 18, mas a última fatura já subiu para R$ 45.
O médico Francisco Domenici Neto, de 73 anos, levou um susto quando viu a conta do prédio onde é síndico, na Consolação, no centro. O consumo subiu 142 mil litros. "Passou de R$ 3,5 mil para R$ 6,9 mil. Houve um salto enorme, muito maior do que o reajuste da tarifa e a perda do bônus. Os moradores são muito conscientes do problema, mas não dá para descartar que houve relaxamento."
Pior. Para a arquiteta e urbanista Marussia Whately, uma das idealizadoras do grupo Aliança pela Água em São Paulo, as chuvas mais frequentes neste ano do que em 2014, que ajudaram a elevar um pouco o nível dos mananciais, a redução das campanhas de uso racional da água e a perda de espaço da crise hídrica no noticiário explicam o comportamento. "Somado a tudo isso, a forma como o governo vem comunicando a população, de que as obras estão sendo feitas e não vai haver racionamento, gera um mau entendimento. O fato é que temos menos água e as perspectivas de chuva não são boas", diz.
Na cabeça do bancário Mario de Faria, de 43 anos, porém, "o pior já passou" e "não vai mais faltar água como a gente temia". Assim, ele não enche mais o quintal de sua casa, na Vila Mariana, na zona sul, de baldes. "Cheguei a botar 20 baldes ao mesmo tempo, para captar a água da chuva", conta. "Depois, era essa água que usava para lavar o quintal, regar as plantas."
Moradora da Vila Carrão, na zona leste, a diarista Iraci Maria de Caires Pinheiro, de 52 anos, admite que voltou a ter uma vida mais confortável. Nos primeiros meses do ano, quando o Sistema Cantareira chegou a ter apenas 5% da capacidade, no seu segundo volume morto - hoje o nível está na faixa dos 18% -, ela desligava o chuveiro na hora de se ensaboar e usava a água do banho para a descarga. De maio para cá, a rotina voltou ao normal, e o consumo, que chegou a 8 mil litros, subiu para 10 mil. "Uso menos os baldes, tenho muita dor nas costas", diz
Mais água. Esse comportamento já obrigou a Sabesp a aumentar a produção de água na Grande São Paulo, que subiu quase 6% de fevereiro para agosto, chegando a 53 mil litros por segundo, patamar semelhante ao de janeiro. O aumento da retirada de água aconteceu até mesmo no Cantareira e no Sistema Alto Tietê.
Na minuta do plano de contingência elaborado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) e revelado pelo Estado em maio, a permanência da economia pela população é um dos pressupostos para que o rodízio de cinco dias sem água na região do Cantareira não seja adotado. Outro requisito é a entrega dentro do prazo das obras emergenciais, como a transposição da Represa Billings para o Alto Tietê, prometida para agosto, mas que só deve ser entregue em outubro.
Por causa do atraso e da seca no Alto Tietê, a Sabesp pediu aos órgãos gestores para tirar mais água do Cantareira do que o previsto até outubro e não ser obrigada a adotar rodízio. Com isso, o manancial deve voltar para o segundo volume morto.
Em nota, a Sabesp informa que a adesão ao bônus ficou estável em 83% dos clientes em julho, mas a economia de água aumentou de 6,2 mil l/s para 6,5 mil l/s, o que resultou em uma poupança de água superior a 180 bilhões de litros, mais do que a capacidade total do Sistema Guarapiranga (171 bilhões).
Segundo a companhia, a pesquisa da Lello "serve também de reforço para a importância do uso racional da água". Quanto ao aumento da produção, a estatal informa que "os números vêm se mantendo praticamente estáveis nos últimos meses, com um leve crescimento por causa da gradual entrega de obras que ampliam a capacidade de captação e produção".

A Sabesp informa que, desde o início da crise, técnicos já visitaram mais de 30 mil condomínios em 89 bairros da capital, passando orientações de como reduzir o consumo.

Reserva atual de água em São Paulo ainda é 19% menor que há 1 ano
Em agosto, tradicionalmente o mês mais seco, por exemplo, entrada de água nas principais represas ficou 50% abaixo do esperado

Edison Veiga e Fabio Leite - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Embora os mananciais paulistas tenham ensaiado uma recuperação após chegarem perto do fundo do poço em janeiro, a Grande São Paulo enfrenta seu mês mais seco, com um estoque de água 19% menor do que há um ano e diante de previsões climáticas pouco otimistas.
Juntos, os seis sistemas utilizados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para abastecer cerca de 20 milhões de pessoas na região metropolitana somavam, na última sexta-feira, 522 bilhões de litros, 24% da capacidade total. Em agosto de 2014, o volume armazenado era de 647 bilhões (30%). No fim de janeiro, o índice chegou a 13%.
Tradicionalmente, agosto é o mês mais seco do ano. O balanço da primeira semana mostra, contudo, que a estiagem pode ser muito mais severa neste ano. Até o dia 7, havia chovido menos de 1% da pluviometria esperada para todo o mês.
Segundo os boletins diários de monitoramento divulgados pela Sabesp, a quantidade média de água que entrou em todos os mananciais por meio das chuvas e dos rios neste início de mês foi quase 50% menor do que o esperado. Entraram 15,7 bilhões de litros, enquanto 32 bilhões saíram para abastecer a população. Resultado: seis dias consecutivos de queda generalizada no nível dos reservatórios.
Cantareira. O cenário voltou a ficar grave no Sistema Cantareira, cujo estoque de água hoje já é 35% menor do que há um ano. A vazão afluente às represas do manancial que ainda abastece 5,2 milhões de pessoas só na Grande São Paulo está 19% menor do que a média de agosto de 2014, que já havia sido a pior em 84 anos de registros.
O índice está próximo da vazão limite que o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, assegura que não haverá rodízio no abastecimento: até 20% pior do que a observada no ano passado. Enquanto a entrada de água do Cantareira caiu, a captação feita pela Sabesp subiu neste mês para compensar a seca no Sistema Alto Tietê e o atraso da principal obra emergencial, a transposição de 4 mil litros por segundo da Billings para a Represa Taiaçupeba, prevista para agosto, mas que só deve entrar em operação em outubro.
Segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não há previsão de chuva para o Cantareira até o dia 12./ COLABOROU FELIPE RESK

Economia de água é legado duradouro
Troca de peças, como torneiras, descargas e chuveiros, por modelos mais econômicos pode reduzir o consumo em até 40%

Edison Veiga e Fabio Leite - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Quem aproveitou a crise hídrica para substituir torneiras, descargas e chuveiros por modelos mais econômicos pode comemorar a redução de 40% no consumo sem precisar alterar seus hábitos. "Sem perder o conforto, a qualidade do uso e a propriedade de higienização", afirma o consultor Paulo Costa, CEO de empresa de projetos de racionalização do uso de água.
Costa é defensor da tese de que o País deveria regulamentar o setor de louças e metais sanitários. "Atualmente, existem bacias sanitárias que consomem 4,5 litros de água por descarga, mas as mais vendidas no Brasil gastam 6,8 litros", diz.
Ele cita a Califórnia, nos Estados Unidos, que também padece com problemas da crise hídrica, como exemplo bem-sucedido de regulamentação. "Lá, desde junho, torneiras não podem gastar mais do que 3,8 litros por minuto, seja de cozinha ou de lavabo", afirma. "Uma torneira comum aqui no Brasil gasta de 7 a 8 litros por minuto; as ditas econômicas consomem 6 litros por minuto."
Costa também acredita que a crise deixará um legado cultural. "As novas gerações já acham um absurdo alguém lavar carro com esguicho, por exemplo."
Rotina. Economizar água já virou hábito na família Ficarelli. "Já falei que só vou parar de economizar quando o Cantareira chegar a 80%", diz a arquiteta Lia Aquino Ficarelli, de 60 anos. Em janeiro de 2014, ela deu início a uma operação de guerra em sua casa, nos Jardins, zona sul. E conseguiu reduzir o consumo mensal de 19 metros cúbicos para 3 metros cúbicos - número mantido até hoje.
"Comprei dez baldes. E toda a água de casa é reaproveitada", conta. A que sai da máquina de lavar roupa, vira descarga; a usada para lavar louça, vai para a rega das plantas; e a da chuva é utilizada também. "O segredo é administrar as tarefas de casa de perto", conta ela. O economista Marcos Ficarelli, de 67 anos, foi obrigado a entrar no sistema da mulher. "Agora lavo o carro com meio balde de água", diz.

OESP, 09/08/2015, Metrópole, p. A20-A21

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