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Patrimônio imaterial dos Wajãpi é selecionado pela UNESCO

Centro de Pesquisa Iepé
10 de Nov de 2003

"Nós queremos que os não-índios conheçam nossa cultura para respeitar nossos conhecimentos e nosso modo de vida. Se os não-índios não respeitam nossa cultura, até os nossos próprios jovens podem começar a desvalorizar nossos conhecimentos e modos de vida. Por isso, nós queremos apoio para continuar este trabalho com os nossos parceiros, de formação dos Wajãpi e também de formação dos não-índios para entender e respeitar os povos indígenas". (Trecho da carta que líderes e representantes do Conselho das Aldeias Wajãpi / Apina entregaram hoje às autoridades)

Unesco premia expressão indígena

Em 7 de novembro, o diretor geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, anunciou em Paris a seleção de 28 obras primas do patrimônio imaterial da humanidade, entre elas as "Expressões gráficas e orais dos índios Wajãpi", candidatura apresentada pelo Brasil.

Trata-se da segunda Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, que ocorre a cada dois anos, desde 2001. Ao selecionar espaços e expressões orais de excepcional valor, a UNESCO procura estimular os países membros a identificar, reconhecer e proteger a diversidade e a continuidade dessas manifestações culturais. É dada especial atenção à grupos étnicos e lingüísticos minoritários, cujos riquíssimos patrimônios culturais vêm sofrendo restrições no âmbito das interações que todos esses povos mantêm hoje com o mundo globalizado.

Espera-se, portanto, que a seleção de uma obra indígena brasileira - a dos Wajãpi que vivem no estado do Amapá - não se limite a um mero reconhecimento por parte da UNESCO e que implique, como declarou o Presidente da organização, num efetivo compromisso do estado brasileiro em pôr em prática um plano de promoção e salvaguarda das formas de expressão culturais deste e de outros povos indígenas do país.

Candidatura brasileira

A candidatura dos Wajãpi à seleção da UNESCO foi uma iniciativa do Museu do Índio / Funai e recebeu apoio técnico do Ministério da Cultura. Em dezembro de 2002, as expressões gráficas e orais dos Wajãpi foram registradas como Patrimônio Cultural Brasileiro, pelo Conselho do IPHAN, nos termos do Decreto n. 3551/2000, atendendo à solicitação expressa dos chefes tradicionais, dos líderes e dos professores indígenas, representados no Conselho das Aldeias Wajãpi / Apina.

A discussão do plano de ações proposto à UNESCO e a elaboração do dossiê, foram realizadas por pesquisadores do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo / NHII-USP, e pela ONG Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena - Iepé. O Governo do Estado do Amapá também apoiou a candidatura, no momento de sua submissão à UNESCO, em setembro de 2002.

Arte gráfica e arte verbal

Entre os múltiplos elementos de seu acervo de conhecimentos e de práticas tradicionais, os Wajãpi escolheram os padrões gráficos kusiwar e os saberes orais associados, como o aspecto de sua cultura que desejavam promover através da candidatura submetida à UNESCO. Essa forma de expressão cultural consiste na excepcional capacidade de compor padrões gráficos e de compor narrativas transmitidas oralmente, em forma sempre renovada, usando-se padrões e temas constantemente atualizados. Pois as expressões tradicionais não são feitas apenas de coisas do passado, o que demonstra claramente a contemporaneidade dessa cultura indígena.

Esse é o grande desafio que o prêmio atribuído aos Wajãpi coloca aos mais diversos setores culturais, indigenistas e políticos do país. Não se trata de parabenizá-los pela sua preocupação em guardar, intocados, ou de "eternizar", elementos de sua cultura, mas de parabenizar este grupo - assim como todos os grupos indígenas - pela sua capacidade de continuar percebendo o mundo à sua maneira, integrando objetos e reflexões novas que eles sabem transmitir em acordo com modos e valores de sua tradição.

Plano de valorização

Por isso, a expectativa dos Wajãpi é a de poderem executar o "Plano integrado de valorização dos conhecimentos tradicionais para o desenvolvimento socioambiental sustentável da comunidade Wajãpi do Amapá". Este plano deverá ser colocado em prática através de um conselho de instituições assessoras - entre elas as instituições que já são parceiras do Conselho das Aldeias Wajãpi / Apina, acima citadas. Prevê a implementação de campanhas de sensibilização e formação dirigidas aos múltiplos agentes que atuam direta ou indiretamente junto a essa comunidade, para que compreendam e respeitem a riqueza dos conhecimentos veiculados oralmente pelas sociedades indígenas. Prevê também um programa de múltiplas ações, visando a mobilização de todas as aldeias em atividades de fortalecimento interno das formas de transmissão oral. Por exemplo, está prevista a formação de jovens wajãpi para realizar o inventário e registro do amplo corpus de saberes tradicionais. Será dada continuidade à capacitação dos professores wajãpi, em acordo com os princípios da educação diferenciada já implementados pelo "Programa Wajãpi" do Iepé, em seus cursos de formação. O plano de ação também inclui a promoção da participação dos Wajãpi em todas as ações de gestão dos recursos naturais de sua terra, em acordo com seus modos de ocupação e práticas de manejo, ambientalmente e socialmente sustentáveis, que deverão ser valorizadas pelas agências de assistência e de desenvolvimento que atuam na área.

Se por um lado, organizações como a UNESCO se preocupam em promover o valor das tradições culturais de povos indígenas e se a legislação brasileira há muito tempo vem assegurando aos índios o devido respeito à suas formas de ocupação territorial, suas formas de organização sóciopolítica, além do seu direito à uma educação diferenciada, ainda é muito problemática a implementação de medidas efetivas nesse sentido.

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