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Pastoral exige reacao rapida de Lula

JB, Pais, p.A3
17 de Fev de 2005

Pastoral exige reação rápida de Lula
Dom Tomás Balduino critica lentidão do governo na questão fundiária e compara intervenção militar no Pará à ditadura

BRASÍLIA - Com o apoio da Igreja, cresceu ontem em Brasília a pressão para que o governo Lula apresse o passo nas ações de regularização fundiária e federalize a investigação do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, morta a tiros na cidade de Anapu (PA), no último sábado. O presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduino, fez fortes críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aos dirigentes do estado do Pará e ao Poder Judiciário. O líder religioso pediu que o governo cumpra o artigo 51 das Disposições Constitucionais Transitórias, que determina a revisão das doações, vendas e concessões de terras públicas no Brasil.

Houve ainda mobilização dos parlamentares da CPI da Terra e do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, cujos representantes pediram ao vice-presidente, José Alencar, intervenção federal no Pará, retomada das terras griladas e federalização do crime.

Há um consenso entre as entidades de que a presença militar no Pará é bem vinda neste momento, mas não resolve a situação a longo prazo. De acordo com levantamento da CPT, 161 pessoas foram ameaçadas de morte no Brasil em 2004 devido a conflitos de terra. O Pará é o estado com o maior número de ocorrências, 40 no total. Além da freira morta, outros cinco religiosos e oito agentes pastorais estão na lista de ameaçados.

- As forças armadas são um paliativo, um cataplasma na ferida. É preciso ir à raiz do problema, que é conflito de terra, ausência do Estado e falta de infra-estrutura - atacou dom Balduíno.

O presidente da CPT afirmou que atualmente, no Brasil, o latifúndio está ''mascarado de agronegócio e modernidade''. Segundo ele, fazendeiros e plantadores de soja, acobertados pelo discurso da produtividade, promovem a grilagem de terras e a violência.

- Enquanto o Brasil é elogiado pelo Fundo Monetário Nacional, a morte da irmã Dorothy é uma severa profecia sobre a gravidade dos conflitos de terra - disse.

A Pastoral comparou a intervenção do Exército a soluções encontradas pelo regime militar no período da ditadura. Alertou também para a falta de infra-estrutura no trabalho dos policiais que estão no Pará. De acordo com a CPT, eles se deslocam na garupa de motoboys e em carros de amigos.

Da parte do governo, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, afirmou ontem que não haverá impunidade no que se refere às mortes de líderes populares e pessoas ligadas a trabalhadores rurais na região. O ministro acrescentou que o governo não vai recuar das ações de regularização fundiária e ambiental no Estado.

O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, deve esperar até o fim da próxima semana para decidir se pede a federalização da apuração do assassinato da missionária. Ele aguarda material da Procuradoria do Estado do Pará e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que comprove uma possível omissão do governo estadual para tomar a decisão. De acordo com o procurador, há ''fortes indícios'' de que o Estado não tomou medidas imediatas para resolver os conflitos agrários da região.

Num dia cheio de movimentações em torno da questão, sobraram críticas também para o Judiciário, acusado pela CPT de ter uma atuação ''lamentável'' em julgamentos que envolvem a questão fundiária.

- Este Poder tem se mostrado extremamente parcial ao expedir liminares de reintegração de posse contra lavradores, sobre áreas com titularidade muitas vezes duvidosa, inclusive contra comunidades tradicionais - diz na nota distribuída ontem pela entidade.

O Judiciário, segundo a Pastoral, também é lento para julgar crimes cometidos contra os lavradores. Das 1.379 mortes registradas pela CPT entre 1985 e 2004, 75 casos foram julgados, sendo que apenas 15 mandantes e 64 executores foram condenados.

Novas ameaças em Anapu

BELÉM - O clima entre trabalhadores rurais, grileiros, madeireiros e fazendeiros está tenso em Anapu, perto de Altamira (777km de Belém). Segundo o Ministério Público Federal (MP), outros três líderes dos trabalhadores rurais estão sendo ameaçados de morte.

Os ameaçados são os representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco Assis de Souza (presidente) e Gabriel do Nascimento (diretor), além do padre Amaro Lopes de Souza, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que atua na cidade.

O Ministério Público Federal informou que as ameaças contra os três ficaram mais intensas depois do assassinato da freira Dorothy Stang, 74 anos, morta a tiros no sábado de manhã em Anapu.

Na terça-feira, Daniel Soares da Costa Filho, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas, no sul do Pará, foi encontrado morto com seis tiros, da mesma forma que a missionária americana. Costa Filho também vinha sendo ameaçado por grileiros e madeireiros do Pará.

O Ministério Público Federal pretende pedir reforços para a segurança dessas lideranças dos trabalhadores rurais.

Também ontem, o governo anunciou que vai aumentar o contingente de policiais civis e federais na região, além de enviar 2 mil militares para reforçar a segurança.

O MP afirma ter avisado as autoridades do estado do Pará sobre as ameaças de morte que a freira Dorothy Stang vinha sofrendo antes do crime.

O procurador da República Felício Pontes continua em Anapu, participando das buscas aos quatro suspeitos de matar a missionária.

A Justiça de Pacajá (PA) decretou a prisão preventiva do fazendeiro Vitalmiro de Moura, um dos suspeitos de ter sido o mandante do crime. Estão sendo procurados outros três suspeitos: dois pistoleiros e um intermediário, conhecidos por Eduardo, Pogoió e Tinair.

O MP deve encaminhar ofício ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal pedindo a liberação de um helicóptero para ajudar nas buscas. Segundo o Ministério Público, chove muito nessa época do ano na região e as estradas estão intransitáveis, o que dificulta as buscas por terra.

Exército sem prazo para sair

Folhapress

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente José Alencar definiram que a ação do Exército no Pará ocorrerá por tempo indeterminado. O objetivo é evitar que a presença militar seja tratada como mais uma ação emergencial a reboque de acontecimentos com repercussão negativa para o governo federal.
Em nota oficial, o comando do Exército informou que 2 mil homens terão o apoio de aviões da FAB. Todos estarão sob o comando do general-de-brigada Jairo César Nass, com sede de comando em Altamira (PA).

Inicialmente, segundo o comando da Força, serão utilizados militares de Manaus, Belém e Marabá (PA). Além disso, na seqüência da operação no interior paraense, poderão atuar homens do comando de Recife, da brigada de pára-quedistas do Rio de Janeiro, do comando de operações especiais de Goiânia e de uma unidade em Taubaté (SP).

Assim como ocorreu no Haiti, onde o Brasil comanda uma operação de paz da ONU desde o ano passado, o Exército vai criar bases temporárias (com barracas de lona, por exemplo). Uma delas será na cidade de Anapu, onde a freira brasileira de origem americana Dorothy Stang foi assassinada no último sábado.

Ontem, um primeiro efetivo de 150 soldados fez o deslocamento para a cidade de Parauapebas, na Região Sul do Estado, onde o sindicalista Soares da Costa Filho foi morto na terça-feira com três tiros.

Além disso, o governo federal pretende aproveitar a presença de tropas do Exército no Pará para colocar em dia a fiscalização relativa à regularização fundiária, desmatamento e cumprimento de leis trabalhistas, além das atividades que serão desenvolvidas pela Polícia Federal.

Os alvos foram apresentados aos militares ontem, em reunião realizada durante quase todo o dia em Belém por representantes locais do Incra, Ibama e da Delegacia Regional do Trabalho. As polícias estaduais listaram uma série de mandados de prisão ainda não cumpridos devido ao clima tenso no centro-oeste e sul do Estado.

Como não há prazo para o fim das operações, a PF e as polícias civil e militar do Pará pretendem aproveitar ao máximo esse horizonte. Há tarefas cotidianas que não são realizadas devido à tensão entre madeireiros e sem-terra. Segundo policiais do estado, é costume no Pará as pessoas andarem armadas no interior.

Enquanto o Ibama programa suas ações para combate ao desmatamento, detenção de madeireiros e aplicação de multas às empresas, o Incra quer fiscalizar o uso da terra e a DRT tem um mapa de ocorrências de trabalho escravo. Todos aguardam ansiosos que soldados do Exército assegurem a segurança.

o falar hoje com a reportagem: As Forças Armadas vão usar também helicópteros para acompanhar ações de desarmamento de madeireiros e grileiros da região.

JB, 17/02/2005, País, p.A3

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