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Parece, mas não é clube

CB, Cidades, p. 34
16 de Jul de 2006

Parece, mas não é clube
Ambientalistas estimam que 90% dos freqüentadores não sabem que Água Mineral é uma reserva ecológica

Marcela Duarte
É inverno. Mas o calor no período da tarde na capital permite ao público visitar o Parque Nacional de Brasília. Na chamada Água Mineral, o céu claro de julho e a temperatura de 25o são um presente da natureza, sobretudo para a meninada de férias e para quem não viajou. O número de freqüentadores já dobrou nessa época do ano: em média, 600 pessoas passam pelo local diariamente. Se o sol continuar assim, a previsão dos administradores é de que as duas piscinas fiquem lotadas até o fim do mês - o parque tem capacidade para receber até 3 mil visitantes aos sábados e domingos.
A grande maioria dos freqüentadores vai ao local para desfrutar da área de lazer, que, além das duas piscinas, conta com lanchonetes e barras de ferro para a prática de exercícios físicos. O que muita gente não sabe, porém, é que esse espaço representa apenas 5% da área total da Água Mineral. O lugar abriga ainda trilhas, riachos e nascentes. É o habitat de animais como o lobo-guará, sagüis e capivaras.
Assim, o que parece um clube é na verdade uma reserva ambiental, um laboratório de ciências naturais dos mais ricos do país.
A diversidade da fauna e da flora do parque já foi tema de vários estudos e teses de mestrado. Mas hoje é a conservação do espaço a maior preocupação dos administradores e de ambientalistas. Há sete anos, uma pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apontava que 85,9% dos visitantes não sabiam que desfrutavam também de uma área de preservação e de pesquisas. Em 2000, tese de mestrado defendida na Universidade de Brasília (UnB) pelo professor Gustavo Souto Maior mostrou que 96% dos freqüentadores não sabiam que estavam em uma área protegida por leis.
Desinformação que continua hoje, segundo o Departamento de Uso Público do Parque Nacional. "Conhecendo melhor o que é uma reserva, as pessoas vão se preocupar mais em obedecer as regras de utilização. Não estamos em um clube público", comenta o chefe do Parque Nacional de Brasília, Darlan Alcântara. Ele explica que um dos problemas mais comuns causados pela falsa impressão de que o lugar é voltado apenas para o lazer é a dificuldade de evitar a superlotação nos fins de semana. "As pessoas fazem filas para entrar quando o dia está quente. Não entendem que, por lei, precisamos monitorar o público para a segurança dos animais e pela preservação das espécies vegetais", observa Darlan.

Não alimente os animais
O músico José Wilson Igrejas, 45anos, freqüenta o espaço há 20 anos. Ele faz parte da Associação dos Freqüentadores e Amigos do Parque Nacional de Brasília (Afam). Para José, a maioria das pessoas que vai ao parque não conhece a importância da reserva. "Se soubessem, não alimentariam os macacos, ensinariam os filhos a respeitarem a natureza, as árvores", afirmou.
Ele se refere a uma das cenas mais comuns no lugar. Diariamente, as centenas de micos que vivem na Água Mineral saltam para os galhos mais baixos das árvores ao redor das piscinas. Os animais buscam a comida levada pelos visitantes. Muitos freqüentadores se divertem com a proximidade dos macacos sem saber a importância de não interferir no ambiente natural dos bichinhos.
"A gente traz biscoito, deixa em um lugar que eles vejam e espera buscarem. Não é proibido", diz o eletricista Luciano Vieira de Brito, 31 anos. Mas ele está enganado. Alimentar os animais é, sim, proibido, conforme indicam as placas de advertência espalhadas por toda a reserva, que também orientam os visitantes sobre o risco de causarem um incêndio com cigarros, fósforos e isqueiros.
A servente Maria do Socorro Alves, 61, foi pela primeira vez à Água Mineral levada pelos filhos e netos. Estendeu uma toalha na grama e tirou um cochilo na sombra, enquanto a família curtia a piscina. Nem fazia idéia do que havia nos 44 mil hectares de cerrado que a cercavam. "Aqui deve ser grande. Gostei dos macaquinhos, mas não sabia que era proibido dar comida", comentou. "É uma pena. Mas as pessoas deixam de aproveitar as maravilhas por falta de informação", aponta a estudante Rayssa Sereno Neves, 17 anos. Ela costuma caminhar nas trilhas e sabe do valor de não assustar os bichos e não alimentá-los.
Legislação
O papel das reservas, estações ecológicas e parques naturais está previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Os parques nacionais são considerados unidades de Proteção Integral, ou seja, têm o objetivo básico de preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos por lei.
No artigo 11 do Snuc está claro que, além de preservar ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza, a área pode ser usada para a realização de pesquisas científicas e atividades de educação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Freqüentador do Parque Nacional de Brasília desde de 1979, Gustavo Souto Maior, que coordena o Núcleo de Estudos Ambientais da UnB, sempre se preocupou com a preservação da área. Ele acredita que os gestores do parque também são responsáveis pela área ser confundida com um clube. "Nós temos o privilégio de morar em uma cidade que tem, praticamente, um parque dentro dela. É preciso mostrar à sociedade que esse parque tem relação direta com a qualidade de vida do DF. A gente só defende o que a gente conhece", conclui.

CB, 16/07/2006, Cidades, p. 34

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