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Para urbanistas, Nova Marginal amplia erro

FSP, Cotidiano, p. C4
10 de Set de 2009

Para urbanistas, Nova Marginal amplia erro
Arquitetos e engenheiros afirmam que via é um equívoco e que a obra "é uma gambiarra" que "repete esse erro histórico"
Ampliação acentuará divisão entre o rio Tietê e a cidade e não resolverá o problema dos congestionamentos, segundo especialistas

Mario Cesar Carvalho
Da reportagem local

O arquiteto José Fábio Calazans conta ter ficado surpreso com a tempestade de anteontem, não com o alagamento da marginal Tietê. Estudioso do rio há 32 anos, ele diz: "Eu sabia que mais hora menos hora ia alagar. É como alguém que mora ao lado de um vulcão...". A pista alagou, segundo ele, porque a marginal não deveria existir. "A marginal é um erro. Ampliá-la é ampliar um erro."
Ele propõe a construção de um parque linear de 90 km ao lado do rio, de Mogi das Cruzes a Itapevi, com lagos para abrigar a água de dias excepcionais, como anteontem. A marginal atual seria substituída por pistas paralelas distantes 1,5 km das que existem hoje. O projeto, que deve consumir 15 anos, visa integrar o rio à cidade.
O diagnóstico de Calazans pode parecer radical, mas não é de uma voz isolada -três especialistas em urbanismo e drenagem ouvidos pela Folha concordam que a ampliação da marginal é um equívoco.
"É um erro histórico", diz o arquiteto Vasco de Mello, que integra um grupo que questiona a obra do governador José Serra, orçada em R$ 1,3 bilhão. "As pistas vão ficar congestionadas em seis meses. Estão jogando dinheiro no ralo."
O problema principal da obra não é tanto a impermeabilização do solo, na visão dos engenheiros Julio Cerqueira César Neto e Aluísio Canholi.
A Nova Marginal deve aumentar em 19 hectares -ou cerca de 30 campos de futebol- a impermeabilização do solo, de acordo com a Dersa.
Segundo Canholi, essa área é desprezível quando comparada à impermeabilização da Grande SP, de 150 mil hectares. "Do ponto de vista da hidrologia, a Nova Marginal é pouco significativa", diz. A marginal alagou, segundo Canholi, porque a chuva foi excepcional. Medição feita pela equipe dele na ponte da Casa Verde constatou que a vazão do rio estava em 735 m3 por segundo às 16h de anteontem. Em setembro, o rio costuma correr à razão de 30 m3 por segundo, afirma.
O problema da Nova Marginal é acentuar uma divisão que já existe entre o rio Tietê e a cidade, na visão do arquiteto Fernando Mello Franco, premiado na Bienal de Arquitetura de Roterdã com um projeto sobre piscinões e urbanismo.
"A cidade precisa rever a sua relação com o rio. Pensar a partir do trânsito é uma forma antiga de pensar a cidade. Você isola o rio, isola os problemas, em vez de articulá-los. A Nova Marginal pegou a contramão da história." Segundo Mello Franco, o Tietê deveria ser um eixo metropolitano e para isso a cidade tem de chegar até o rio, como acontece com Londres, Paris, Viena e Lisboa. Para esse plano funcionar, segundo ele, é fundamental reduzir o fluxo de carros nas marginais.
"Sou radicalmente contra a Nova Marginal porque ela vai contra um projeto do próprio governo, o Rodoanel. Os investimentos no Rodoanel eram para tirar carros da marginal."
Outro problema da Nova Marginal, diz Mello Franco, é que não há um plano urbano que articule as novas pistas com o resto da cidade. "São Paulo sempre foi construída pensando na produção, não como valor de morada, como aconteceu com o Rio. A ampliação da marginal repete esse erro histórico", afirma.
O engenheiro Cerqueira César Neto, que presidiu a agência da bacia do Alto Tietê entre 2002 e 2006 e é professor aposentado da Politécnica da USP, diz que o principal equívoco é a falta de articulação entre os 39 municípios da Grande SP. "Falta um plano global para o Tietê. Cada município faz o que quer. Essa obra [a Nova Marginal] é uma gambiarra."

Dersa diz que nova pista vai suportar tráfego

Da reportagem local

A Dersa diz que as novas pistas da marginal Tietê vão suportar a demanda de trânsito "por um longo período". Segundo nota da assessoria, "não podemos analisar a marginal isoladamente. É preciso levar em consideração que a conclusão das obras vai coincidir com o término do trecho sul do Rodoanel e da duplicação da avenida Jacu-Pêssego". A empresa cita ainda o término do trecho norte do Rodoanel, previsto para 2014.
Para a Dersa, não faz sentido a crítica segundo a qual a Nova Marginal seria uma obra sem articulação com o resto da cidade. "A Nova Marginal não é uma obra isolada. Faz parte de uma série de investimentos em transporte do governo estadual." Para a assessoria, ela foi submetida a audiências públicas, das quais participaram arquitetos e urbanistas.
Sobre a crítica de que a obra estimularia o uso de carro, diz que "a prioridade do Estado é o transporte público". Metrô e CPTM, diz a nota, investirão R$ 20 bilhões de 2007 a 2010. A nota diz que 1,2 milhão de veículos passam pelas marginais todo dia e "é preciso viabilizar o fluxo desses motoristas".
A Nova Marginal não contradiz o Rodoanel, diz a Dersa: "O objetivo primordial do Rodoanel não é tirar carros das marginais, mas sim caminhões. Estima-se que com a conclusão do trecho sul haverá 43% menos caminhões na av. dos Bandeirantes e 47% menos na marginal Pinheiros".

Análise

A experiência das marginais de Seul
Raul Juste Lores
De Pequim

São Paulo está gastando R$ 1,3 bilhão para ampliar a marginal Tietê, ou seja, para sufocar ainda mais as margens do rio com asfalto. Como não esperar mais enchentes?
Como lembrou ontem na Folha o engenheiro Roberto Watanabe, da Unicamp, Seul está fazendo o oposto. Decidiu encolher as pistas que percorrem 40 km ao longo do rio Han pela capital sul-coreana. Em 20 anos de programa de despoluição, que localiza e multa quem lança dejetos no rio, o Han está mais limpo e agora chegou a vez de mudar o entorno.
O projeto foi lançado há dois anos, mas eles já conseguiram inaugurar três parques ao redor do rio em 2009. Planejam criar outros 30 espaços verdes até 2013, ligados por ciclovias, acessos para pedestres e terminais de ônibus.
Dezoito quilômetros de concreto ao longo do Han desaparecerão nos próximos três anos. De embarcações turísticas a restaurantes e ginásios, a prefeitura já pensa na nova vocação econômica da área recuperada.
"De uma cidade orientada para carros viramos um lugar pensado para humanos", diz Lee In-Keun, secretário de Infraestrutura. Um canal está em construção para evitar enchentes.
Em 2003, Seul ressuscitou um riacho que tinha sido canalizado e coberto por um elevado de 6 km, o dobro do Minhocão. O elevado foi demolido e o novo rio virou cartão-postal -o parque horizontal às suas margens recebe 90 mil pessoas por dia.
Seul quer ser um modelo de cidade do século 21. Com menos carros nas ruas e mais transporte público, com menos emissão de gases e ar mais limpo. Ao mesmo tempo, vira "marca" de cidade bacana, que atrai investimentos, turistas, moradores.
Kassab esteve lá em maio. Mas São Paulo não tem coragem de interromper o que não deu certo nas últimas sete décadas. Refém de empreiteiras, dinheiro não falta para viadutos e túneis que só mudam os congestionamentos de lugar, priorizando o uso do carro ao transporte público.
Cada túnel prometido como solução se revela ineficaz logo após ser inaugurado. Como o Minhocão, as marginais que asfixiam os rios são um legado do malufismo urbanístico.
A falta de uma política habitacional permitiu a ocupação e a favelização de áreas de mananciais e riachos da periferia. O escoamento natural da água das chuvas foi concretado pelo homem.
Se as marginais Tietê e Pinheiros encolherem, talvez milhares de paulistanos comecem a exigir mais transporte público em vez de novos túneis e viadutos. Para um caos que parece irreversível, será auspicioso.

Promotoria pede que obra seja suspensa

Da reportagem local

Por conta da inundação da marginal Tietê causada pelas chuvas, o Ministério Público Estadual emitiu ontem parecer solicitando que a obra de ampliação da via seja suspensa. A Justiça deve decidir em cinco dias se acata o pedido.
Em nota, o governo disse não ver motivos para paralisação, pois a obra respeita parâmetros legais.
Para a promotora Maria Amelia Nardy Pereira, é preciso que sejam feitos estudos mais aprofundados sobre os impactos do aumento da impermeabilização do solo local.

Para Serra, ampliação minimiza erro de projeto de 50 anos atrás

Da reportagem local

O governador José Serra (PSDB) afirmou ontem que a ampliação da marginal Tietê é uma forma encontrada para tentar minimizar um possível erro de projeto de 50 anos atrás. Ele rebateu as pessoas que criticam as marginais sem apontar soluções.
"Qual é a proposta deles? Destruir as marginais? E o pessoal vai andar de burrinho para ir até Guarulhos?", disse.
"Se o tempo voltasse 50 anos, eu acho que a marginal deveria ser muito mais larga e com uma imensa área verde. Mas as coisas estão aí. O que a gente está fazendo é minimizar o problema. Tudo poderia ser prevenido se a história pudesse ser refeita", afirmou Serra.
Ainda de acordo com o governador, os incidentes ocorridos anteontem nada têm a ver, porém, com a reforma da via, que "não tira um metro quadrado de impermeabilidade".
"Num temporal desse tamanho, mesmo que estivesse tudo impecável, seria inevitável ter problemas graves [...] O problema, em grande medida, está na natureza. Uma calamidade como a que houve ontem [anteontem], nós temos que rezar para que não se repita. O governo está fazendo o máximo dentro daquilo de que dispõe. Num aglomerado urbano do tamanho de São Paulo, com toda essa impermeabilização que existe, a natureza se rebela", disse.
De acordo com José Serra, desde 2007 foram investidos pelo governo estadual cerca de R$ 750 milhões em obras antienchentes. (Rogério Pagnan)

FSP, 10/09/2009, Cotidiano, p. C4

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