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Autor: SANT'ANNA, Emilio
04 de Dez de 2024
Para ser justo, combate à crise climática exige novas abordagens
Pesquisadora aponta que 'ranço' atrapalha na estratégia de ajuda aos mais vulneráveis
Emilio Sant'Anna
04/12/2024
Identificar o problema é simples: embora contribuam menos para as emissões de CO2, as populações de baixa renda, mundo afora, sofrem mais os efeitos das mudanças climáticas. Resolvê-lo e fazer valer a justiça climática parece ser a tarefa mais complexa. Na COP29, a conferência do clima das Nações Unidas, em Baku, no Azerbaijão, por exemplo, a expectativa dos países em desenvolvimento era que fosse aprovado um financiamento de US$ 1,3 trilhão anuais para conter os efeitos das alterações do clima. O valor acordado ficou em US$ 300 bilhões ao ano ou US$ 1 trilhão abaixo do esperado.
O resultado frustrou os países que mais sofreram os efeitos das mudanças climáticas até hoje e que sem o financiamento dos países desenvolvidos dificilmente conseguirão implementar medidas de adaptação e mitigação. O impasse é apenas um dos obstáculos da justiça climática, que também enfrenta desafios como o da manutenção da existência de pequenos países insulares no Oceano Pacífico ameaçados pelo aumento do nível do mar.
Para Thelma Krug, ex-vice-presidente do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a hora é de abrir novos caminhos e concentrar esforços em outras estratégias para a COP30, em Belém. "Precisamos de uma COP30 que não carregue o ranço das experiências anteriores, como o que aconteceu em Baku. Se seguirmos por esse caminho, não conseguiremos avançar. Precisamos refletir sobre o que queremos para o mundo daqui a dez anos", diz a pesquisadora, atual presidente do Conselho Diretivo do GCOS (Global Climate Observing System), parte da Organização Meteorológica Mundial.
Entender o que é justiça climática é um passo fundamental nesse caminho. "O conceito tem se espraiado para além dos espaços da sociedade civil, onde ganhou força nos últimos anos, e isso é importante e necessário. Mas precisamos ir além. A justiça climática está em disputa, como conceito e como prática. Vemos o termo circular quase como um jargão por espaços diversos, porém, a significação do que é justiça no contexto da crise climática não está pacificada", diz a coordenadora do programa de desenvolvimento local do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), Kena Chaves.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), até 3,6 bilhões de pessoas no mundo já enfrentam vulnerabilidade climática, especialmente nos países em desenvolvimento. Essas populações estão mais expostas devido a uma combinação de fatores: pobreza, desigualdades de gênero, falta de infraestrutura e dependência de recursos naturais.
As regiões da América Central e da América do Sul estão entre as mais vulneráveis às mudanças climáticas. No Brasil, o relatório aponta as consequências do aumento de 1,5oC em relação ao período pré-industrial: problemas como a redução na produtividade agrícola, o que pode comprometer a segurança alimentar e impactar a economia, o avanço de incêndios e eventos extremos na Amazônia e o aumento da frequência e intensidade de secas no Nordeste.
Os últimos dois anos de secas extremas na Amazônia mostram que as consequências do aquecimento global já se fazem sentir. Os efeitos vão além do bioma. Segundo Chaves, a escassez de água, a perda de roçados e da floresta atingem diretamente as fontes e os insumos para o trabalho cotidiano, função socialmente destinada às mulheres, que sentem a sobrecarga, assim como as preocupações e o sofrimento relacionado à impossibilidade de realizar o trabalho, além do adoecimento gerado pelo calor e pela fumaça dos incêndios.
"A violência de gênero também se agrava neste contexto, seja pela intensificação dos conflitos pela terra, que recaem de maneira mais agressiva sobre as mulheres, seja pelo fato de que o isolamento imposto pelos rios secos impede que mulheres vitimizadas pela violência acessem serviços de proteção", diz a pesquisadora da FGVces. A crise, no entanto, revela outro efeito. "Temos observado em nosso cotidiano de pesquisa que as mulheres estão nas linhas de frente da articulação e produção de soluções emergenciais para enfrentamento da seca e dos incêndios [na Amazônia]. Quando não são elas mesmas brigadistas, estão arrecadando recursos, preparando a comida, distribuindo água para os combatentes do fogo", diz Chaves.
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/cop29/noticia/2024/12/04/…
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