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Para indígenas, projetos de carbono em comunidades ainda não os beneficiam

Um Só Planeta - https://umsoplaneta.globo.com
Autor: Amanda Magnani
07 de Mai de 2024

Representantes de povos originários querem mais participação, transparência e independência para desenvolver seus próprios projetos

A agenda climática tem ganhado cada vez mais espaço dentro do movimento indígena. Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), que aconteceu entre os dias 22 e 26 de abril, foram inúmeras as plenárias regionais e gerais sobre o tema, com notável destaque para os preparativos para a COP 30, que acontecerá em Belém no próximo ano. Dentro deste debate, um tópico crescente é o do Mercado de Créditos de Carbono, suas possibilidades e seus impactos nas comunidades indígenas.

"Hoje, aqui no Brasil, não temos nenhuma experiência [que tenha partido] de terras indígenas, mas existem vários contratos, muitas vezes abusivos, para usufruto dessas terras", diz Toya Manchineri, do povo Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Ele explica que, embora a COIAB ainda não tenha realizado um mapeamento completo dos contratos de geração de créditos de carbono com comunidades indígenas, "existem hoje dezenas deles", especialmente nos Estados de Mato Grosso e Amazonas. Segundo documento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), entre 2008 e 2021, chegaram a seu conhecimento 24 propostas de projetos de carbono, localizadas, em sua maioria, na Amazônia legal. De 2022 a abril de 2023, os projetos já estavam espalhados em 34 terras indígenas.

Os créditos de carbono são títulos que correspondem a toneladas de gás carbônico equivalente que deixam de serem lançadas na atmosfera. Há diversos tipos de créditos, como os de proteção contra desmatamento de floresta nativa (chamados de REDD+), os de restauração florestal, os de geração de energia renovável para substituir a obtida via queima de combustível fóssil, entre outros.

O mais comum entre povos tradicionais é o REDD+, que se propõe a remunerar quem faz a proteção da mata. Hoje, no Brasil, só existe o mercado de crédito voluntário, quando empresas , governos e pessoas podem comprar créditos de carbono para compensarem suas emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Hoje, os projetos existentes são desenvolvidos e gerenciados por empresas especializadas em metodologias internacionais de créditos de carbono - chamadas de desenvolvedoras. No mercado voluntário, a comercialização desses ativos pode ser feita pelas desenvolvedoras, por comercializadoras intermediárias, ou diretamente pelos interessados na compra, ao preço que as partes acordarem.

Ivo Makuxi, advogado do Conselho Indígena de Roraima e membro da Rede de Advogados Indígenas da Amazônia Brasileira, afirma que muitas comunidades têm tido "problemas com assédio" de empresas de crédito de carbono. "Elas chegam trazendo informações distorcidas, prometendo que as comunidades vão receber muito dinheiro, que terão recurso para construir escolas, postos de saúde e investir em transporte", diz.

"É por isso que nós, advogados indígenas, estamos discutindo sobre como orientar as comunidades e lideranças indígenas para que não assinem contratos com cláusulas abusivas, que proíbam ou limitem o usufruto do território pela própria comunidade, o que viola a Constituição", acrescenta Makuxi.
Em 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei número 2148/15, que prevê a regulamentação do mercado de carbono no Brasil. O projeto, que agora tramita no Senado, recebeu uma série de recomendações do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), focadas na garantia dos direitos das comunidades tradicionais.

"Nós não somos nem contra, nem a favor do mercado de carbono", diz Eliane Xunakalo, do povo Kurâ Bakairi, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso. "O que nós queremos é que as comunidades tenham acesso a informações de qualidade e confiança para decidir se vale ou não a pena entrar nesse mercado", acrescenta.

Ela conta que, entre as comunidades Indígenas do Mato Grosso, existe um assédio muito grande por parte das empresas. "Nossa maior preocupação é que essas empresas, por vezes, apresentam contratos que não condizem com a realidade, não cumprem com os protocolos de consulta e não cumprem com o que é acordado", diz Xunakalo.

Essa realidade também está presente em áreas do Estado, em casos que vêm sendo chamados de "grilagem verde". Segundo o Instituto Humanitas Unisinos, ONGs ambientais consideram que o mercado de carbono tem sido "mais uma brecha encontrada pelo capitalismo para incorporar novas áreas de exploração e lucrar com a devastação que ele próprio provocou."

Em outubro de 2023, um caso de projeto de carbono no sul do Pará, desenvolvido pela empresa Carbonext com a comunidades Kayapó repercutiu após críticas dos indígenas de que o contrato dava à empresa "exclusividade em caráter irretratável e irrevogável na negociação de créditos de carbono", conforme explicou, na época, a Funai. O Ministério Público Federal (MPF) chegou a publicar, na ocasião, uma nota técnica com recomendações para proteger e garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais no âmbito do mercado de carbono.

Dentre outros pontos, a nota do MPF reitera a necessidade de que haja consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas, em acordo com a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Também registra a necessidade de transparência, a garantia dos direitos humanos das populações locais e a importância da repartição de benefícios a partir do respeito e autonomia dos povos e comunidades tradicionais.

Em entrevista ao site de jornalismo ambiental Sumaúma, a antropóloga Andrea Oliveira, da Universidade Federal do Paraná, alertou para a diferença nas formas como o mercado de carbono e as comunidades Indígenas se relacionam com as florestas, dizendo que "o que as empresas pretendem comprar não é apenas a gestão de parte das florestas, mas sim da vida e do futuro das comunidades".

"Muitas vezes, os contratos impedem as comunidades de utilizar seu próprio território para plantio, o que faz com que as famílias não possam produzir seu próprio alimento e dependam de comprar alimentação da cidade", diz Manchineri, do COIAB.
Ele dá como exemplo uma situação no Acre em que uma empresa ofereceu a uma comunidade de 1.500 pessoas um valor de R$ 30 milhões ao longo de 30 anos. "Isso significaria R$ 1 milhão por ano. Dividindo pela comunidade, que já não pode produzir, você não chega a um valor que seja suficiente para a sobrevivência das famílias", conta.

O coordenador da COIAB defende que, para que os recursos advindos do mercado de carbono realmente beneficiem as comunidades indígenas, ele deve ser investido em áreas nas quais o Estado tem falhado, como o fortalecimento da cultura e das organizações indígenas.

Makuxi pontua ainda que, atualmente, esse recurso não chega diretamente às comunidades. "Existem várias organizações que trabalham com os povos indígenas acessando esses recursos. O que precisamos agora é de um mecanismo de acesso direto, para que as comunidades possam implementar os seus planos de vida", diz o advogado.

Ele acrescenta que um argumento comum entre os bancos e fundos é que existe uma falta de capacitação. "Então, nós defendemos que parte desse recurso possa ser usado para fortalecer as organizações indígenas, para que elas possam se preparar para captar esses recursos e apresentar os seus projetos", diz Makuxi.

Segundo Manchineri, a COIAB já vem agindo nesse sentido. "Nós estamos captando recursos para a realização de uma série de seminários com lideranças e advogados indígenas para entender melhor como funcionam esses contratos", conta. "A gente vai trabalhar nesse ponto para que, quando as pessoas cheguem no território querendo fazer contratos, as próprias comunidades possam dizer com segurança se sim ou se não."

https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2024/05/07/para-indigen…

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