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Para além da língua

Adital - http://www.adital.com.br/
Autor: Egon Heck
13 de Mai de 2010

A língua nossa de cada dia. Com esse título a aliada da causa indígena Lauriene descreve uma importante conquista, na área de reconhecimento de direitos, especialmente lingüísticos, dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul. É importante que essas pequenas vitórias sejam visibilizadas para que um dia possam fazer parte efetiva do Brasil plural e justo que estamos, a duras penas, reconhecendo e construindo.

"Depois de muita luta para equidade social, os vereadores de um pequeno município do extremo sul do estado (MS) vem revolucionando a Casa de Leis. Primeiro por ser presidida pelo vereador indígena Ezaul Martins e então, pela honesta atitude de realizar uma sessão especial da câmara de vereadores de Tacuru MS na comunidade indígena Sassoró, no dia 19 de abril de 2010. Essa sessão contava com uma pauta específica e oportuna: a cooficialização da língua Guarani naquele município.

Com um projeto de lei municipal assinado por todos os vereadores e com o aceite do prefeito municipal, Tacuru tornou-se o primeiro município bilíngüe do estado, o segundo do Brasil; o primeiro trata-se de São Gabriel da Cachoeira (AM) que em 2004 cooficializou línguas indígenas - colocando-as em paridade com a língua oficial do Brasil - a Língua Portuguesa. Vale lembrar que dos quase dez mil habitantes, trinta por cento são indígenas Guarani.

No mesmo dia, dia 19 de abril, em outro pequeno município no mais extremo sul do estado, fronteira seca com o Paraguai, marcado por fatos de extrema violência contra os Guarani de lá, Paranhos tem aproximadamente onze mil habitantes, dos quais quarenta por cento são Guarani. Neste município, quatro corajosos vereadores lutavam pela aprovação da lei de cooficialização municipal da Língua Guarani. Vereadores que lutam por igualdade e justiça social. A cooficialização veio, uma semana depois, pós dezenas de sessões frustradas. Agora esperam pelo aceite do prefeito."(Lauriene "A Língua Nossa de Cada Dia").

Já o procurador do MPF, V. Aras em contundente texto refletindo a respeito do ocorrido por ocasião do júri dos acusados de assassinato do cacique Marcos Verón, expõem as razões do gesto de retirada do Júri naquele dia 4 de maio: "Queiramos ou não, a afirmação dos direitos dos povos autóctones do Brasil é uma imposição da ordem jurídica de 1988 e do Direito Internacional dos Direitos Humanos. É uma missão constitucional do MPF (art. 129, V, CF), do Judiciário (art. 5, XXXV) e um compromisso da sociedade. Foi antidemocrática a negativa pelo Estado brasileiro do direito daquela minoria guarani à sua diversidade linguística. Somos uma nação de muitos diferenças. Precisamos aprender a respeitá-las...Parou por quê? Paramos porque vimos uma forma de violência cultural. Já não se tratava apenas de conseguir a condenação dos três acusados. Ali já se punha uma questão com significado sócio-jurídico bem maior. No júri, fomos até onde deu. O demais era direito do outro, direito indisponível e inegociável." (Procurador Vlademir Aras - maio de 2010).

Vai se realizar na Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD, no final deste mês o 7 Encontro de Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas. Já está programado um debate, dia 27 sobre"O uso das línguas indígenas em Tribunais: entre leis, direito e justiça?".Desta maneira vai se construindo e consolidando esse importante direito dos povos indígenas, qual seja, se comunicar, defender e afirmar sua identidade em sua própria língua.

NÃO VEJA, ABOMINE

Uma revista que se presta a preencher 8 páginas com preconceitos e mentiras com relação aos povos indígenas, negros e questão ambiental, não merece ser vista, mas abominada, conforme descreve Ribamar Bessa: "Nesse momento, estou no interior do Rio Grande do Sul, ministrando curso para professores indígenas. No intervalo, escrevo a coluna. Morri de vergonha ao ler junto com os índios a reportagem da VEJA. Seu conteúdo, carregado de preconceitos, é mentiroso, ofensivo e elimina aquilo que eu estou vendo diante de mim. Um índio guarani do Morro dos Cavalos, cuja existência é negada pela revista, me tranquilizou: - Nda'orerexai ramo ndoroexai avi - ele me disse em sua língua. Pedi que traduzisse: "Se a VEJA não nos vê, nós também não vemos a VEJA".

"É isso ai. Há muito tempo eu também não vejo a VEJA. Desculpem a linguagem: VEJA é um lixo, um produto do subjornalismo marrom, que contribui para desinformar seus incautos leitores". (José Ribamar Bessa, ex editor do Porantim - Taquiprati - maio 2010).

O colonialismo e os Guarani

Enquanto as mentes e corações se agitam, no fervorinho dos embates a favor e contra os direitos indígenas, na tranqüila Dourados - MS se realiza um importante seminário internacional "Primeiro Congresso Iberoamericano de Arqueologia, Etnologia e Etnohistória", com a participação de estudiosos e acadêmicos de oito países da América do Sul e Europa.

Um dos expositores, o jesuíta Bartomeu Meliá faz uma exposição em que ressalta o processo de "coloneidade/colonização" que marca a relação dos Guarani com os "invasores", até hoje. Afirma: "a coloneidade encobre os povos nativos do continente, suas culturas, sua organização social e resistência, promove a destruição dos mesmos e implanta um processo de desnaturalização do ambiente em que vivem as populações indígenas". Esse é o processo de mais de quinhentos anos de colonização, que perdura até hoje. Ressalta que no Paraguai, a destruição massiva do meio ambiente se deu nos últimos 30 anos a partir do tratado de Itaipu. Faz menção aos processos de colonização vividos naquele país, ressaltando que agora está em curso a terceira colonização que está se dando com a entrada e ocupação massiva dos espaços territoriais pelos brasileiros. Também assinalou que as escolas e uma forma de bilingüismo que destrói a memória coletiva dos povos indígenas, é uma forma de coloneidade que continua entre nós hoje. Conclui dizendo que sem chão não tem cultura e sem cultura não tem identidade. "O povo Guarani é um povo moderno, por isso encanta tanto. São o futuro que estamos sonhando".

Movimento Povo Guarani Grande Povo
Cimi MS, 13 de maio de 2010

* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=47736

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