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Papo de Índio - Avanço na regularização das terras indígenas no Acre: uma agenda

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: Marcelo Piedrafita Iglesias & Txai Terri Valle de Aquino
28 de Mai de 2006

O "Governo da Floresta" assumiu, em 1999, com o compromisso de apoiar o avanço dos processos de regularização das terras indígenas no Acre e fortalecer as mobilizações e os trabalhos desenvolvidos há três décadas pelas comunidades indígenas, suas lideranças, suas organizações de representação e pelas entidades não governamentais de apoio aos índios.

Em sete anos, esse avanço foi considerável, como resultado das ações do Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), implementado pela FUNAI, com recursos da cooperação alemã, do Banco Mundial e do governo brasileiro, no âmbito do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PP-G7).
Em 1999, o Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre (ZEE)-Fase I indicou a existência de 28 terras indígenas reconhecidas pelo governo federal, com extensão de 2.167.146 ha, que representavam 14% do estado. Hoje há 34 terras indígenas, com 2.415.644 ha, que correspondem a cerca de 14,6% do território acreano, após sua ampliação, em pouco mais de 1,1 milhão de ha, com a mudança do traçado da Linha Cunha Gomes.

Nesse período, 14 terras indígenas tiveram concluídos seus processos de regularização no Acre, das quais nove foram fisicamente demarcadas e dez extrusadas, com a indenização das benfeitorias de boa-fé dos "ocupantes não-índios". Seis "novas" terras foram reconhecidas: quatro tiveram seus processos de identificação iniciados pela FUNAI e as outras duas ainda figuram como "a identificar".

Nos últimos cinco anos, o gradual surgimento dessas novas demandas territoriais configurou uma série de sobreposições entre essas terras indígenas, diferentes unidades de conservação e um projeto de assentamento do INCRA. Nesse contexto, o governo estadual demonstrou interesse em estreitar relações com o governo federal, algo que não acontecera anteriormente, visando definir estratégias comuns para viabilizar avanços na regularização das terras indígenas e resolver os conflitos fundiários, interétnicos e socioambientais decorrentes dessas sobreposições.

GT Fundiário

Em início de 2005, o governador Jorge Viana realizou contatos com o Ministro da Justiça, Dr. Márcio Thomaz Bastos, e o Presidente da FUNAI, antropólogo Mércio Pereira Gomes, para comunicar-lhes sua vontade política de, até o término de seu segundo mandato, em 2006, agilizar os processos de regularização em curso e ver contempladas as demandas territoriais ainda não atendidas pelo órgão indigenista. Diante da acolhida positiva das autoridades federais, o governador comunicou essa articulação às lideranças indígenas reunidas, a 19 de abril de 2005, Dia do Índio, na Casa dos Povos da Floresta, em Rio Branco.

A 10 de maio, em reunião com os Secretários dos Povos Indígenas e de Meio Ambiente e Recursos Naturais, representantes da Administração da Funai em Rio Branco (AER-RBR) e três antropólogos, o governador propôs a formação de um "GT Fundiário". Definiu-se, então, como objetivo deste grupo técnico, por um lado, elaborar um diagnóstico da situação das terras indígenas cujo reconhecimento ainda se encontrava pendente e, por outro, propor uma agenda de trabalho para que o governo estadual, em articulação com a FUNAI e outros órgãos federais, contribuísse com a sua regularização.

A constituição de um segundo GT foi também definida nessa reunião. A partir das demandas já canalizadas pela Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (SEPI) e por outras secretarias, e de reuniões com lideranças e associações, esse GT contribuiu para delinear o "Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sócio-Econômico Comunitário e Ambiental das Comunidades Indígenas do Estado do Acre", cujo início foi deslanchado, a 18 de abril de 2006, com a assinatura de um convênio entre o governo estadual e dez organizações indígenas.

O "GT Fundiário" apresentou seu relatório em final de abril, tendo por base as demandas formalizadas por organizações indígenas e da sociedade civil nos últimos anos, um levantamento atualizado da situação das terras indígenas no Acre e da tramitação de seus processos de regularização na FUNAI e em outros órgãos do governo federal, os dados do caderno temático "Povos e Terras Indígenas no Estado do Acre", resultado do ZEE-Fase II, bem como decisões estratégicas tomadas, durante a elaboração do relatório, por representantes de vários órgãos do governo estadual.

Conforme decidido quando da constituição do GT, o documento final, de responsabilidade da SEPI e da SEMA, traça um diagnóstico da atual situação das terras indígenas, com especial foco naquelas com pendências fundiárias, e apresenta uma ampla agenda de recomendações para que, de forma articulada, a FUNAI e outros órgãos dos governos federal e estadual possam agilizar a sua regularização.

Faz parte também do relatório uma "agenda prioritária" que o governo estadual pretendia apresentar ao Ministro da Justiça e ao Presidente da FUNAI. Constam dessa agenda: 1) sugestões de ações direcionadas a um conjunto de sete terras indígenas cuja regularização pode ser agilizada com maior brevidade; 2) recomendações para viabilizar a transferência ao patrimônio da União de duas "terras de domínio indígena" (TI Kaxinawá do Seringal Independência e dois lotes de terras adquiridos pelo governo estadual e já cedidos aos Kaxinawá da Colônia 27), com o objetivo de transformá-las em "terras reservadas"; e 3) uma proposta de intenções para a formalização de um convênio, entre o governo estadual e a Presidência da FUNAI, visando o fortalecimento institucional da Frente de Proteção Etno-ambiental Rio Envira (FPEE), de forma a assegurar uma efetiva proteção dos índios "isolados" que vivem em terras indígenas situadas ao longo da fronteira Brasil-Peru.

As terras indígenas no Acre, hoje

As 34 terras indígenas já reconhecidas pelo governo federal no Acre estão distribuídas em metade dos 22 municípios. São destinadas a 14 povos, falantes de línguas Pano, Arawak e Arawá, uma população estimada em 13.383 índios, cerca de 2,1% da população atual do estado (ou 6%, se levada em conta apenas a população dos 11 municípios onde há terras indígenas).

Essa estimativa não inclui, contudo, os indígenas, de vários povos, que habitam em centros urbanos do estado: em 2002, a AER-RBR recenseou 3.700 índios vivendo em 15 sedes municipais, dos quais 2.500 em Rio Branco. Dados da FPEE estimam, ainda, de 600 a mil índios "isolados". Agregando esses dados, é possível afirmar que a atual população indígena no Acre é de cerca de 18 mil índios (ou 2,8% do total da população acreana).

As terras indígenas hoje reconhecidas pelo governo federal encontram-se em diferentes etapas de seus processos de regularização.

Situação Jurídica Qtde. % Extensão (ha) %
Regularizada 24 70,6 1.913.021 79,19
Homologada 02 5,8 230.190 9,53
Identificada 01 2,9 260.970 10,80
Em identificação 04 11,9
A identificar 02 5,9
Terra dominial 01 2,9 11.463 0,48
Totais 34 100 415.644 100

Atualmente, 24 terras (quase 71% do total) estão "regularizadas", pois tiveram suas demarcações físicas homologadas por decretos presidenciais, foram registradas nos Cartórios de Registro de Imóveis (CRIs) das respectivas comarcas e cadastradas na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Com pouco mais de 1,9 milhão de ha, correspondem a quase 79,2% da extensão total das terras indígenas no Acre. É relevante notar, todavia, que consta desse cálculo a extensão ampliada à TI Rio Gregório, reconhecida por despacho do Presidente da FUNAI de 3 de abril de 2006, mas cuja regularização ainda está em tramitação, pois a revisão de limites dessa terra é considerada pelo órgão como uma "reidentificação".

Duas outras terras encontram-se "homologadas". Juntas, correspondem a 9,5% da extensão total das terras indígenas no estado. Destinada a povos indígenas "isolados", a TI Alto Tarauacá foi fisicamente demarcada em 2002, mesmo ano em que ocorreu a indenização das benfeitorias das 52 famílias de "ocupantes não-índios" que ali viviam. Homologada em 2004, faltam, para sua plena regularização, o seu registro no CRI de Tarauacá e o seu cadastro na SPU, dado que o seu registro no CRI de Feijó já foi providenciado.

A TI Arara do Igarapé Humaitá, por sua vez, foi demarcada em 2004. A indenização de 24 famílias de "ocupantes não índios" aconteceu no ano seguinte. Seu decreto de homologação foi promulgado em 18 de abril de 2006. Para concluir seu processo de regularização faltam o seu registro nos CRIs de Cruzeiro do Sul e Tarauacá, seguido do seu cadastro na SPU.

A TI Riozinho do Alto Envira encontra-se "identificada", e é destinada a povos "isolados". A identificação dessa terra, antes denominada TI Xinane, teve início em junho de 2003, atendendo demanda do sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, chefe da FPEE. Em duas viagens de campo, o GT da FUNAI, coordenado pela antropóloga Maria Elisa Guedes Vieira, com a participação de Meirelles, sobrevoou o rio Envira e seus afluentes (Jaminauá, Riozinho e Furnanha), onde localizou três conjuntos de malocas. O recente aumento dos locais de ocupação permanente e da população de "isolados" nessa terra indígena é resultado da exploração madeireira ilegal e da atuação de missionários norte-americanos, da Pioneer Mission, no lado peruano da fronteira internacional.

O relatório de identificação da TI Riozinho do Alto Envira foi entregue à Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) em agosto de 2005. Despacho do Presidente da FUNAI, de 1 de setembro, aprovou as conclusões do relatório, cujo resumo foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) do dia seguinte. O prazo do "contraditório" já venceu, sem que qualquer contestação tenha sido apresentada. A assinatura da portaria de delimitação dessa terra pelo Ministro da Justiça e a inclusão de sua demarcação física no Plano Operativo Anual (POA) do PPTAL são medidas que a FUNAI deve agilizar com urgência.

Outras quatro terras indígenas (Arara do Rio Amônia, Manchineri do Seringal Guanabara, Nawa e Kaxinawá do Seringal Curralinho) estão "em identificação". Os relatórios de identificação e delimitação das três primeiras, elaborados por GTs da FUNAI, já foram entregues à Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID)/DAF. Nenhum deles, contudo, foi objeto ainda de despacho da Presidência da FUNAI aprovando suas conclusões. A sobreposição de duas dessas terras com unidades de conservação, os conflitos locais com famílias de extrativistas e agricultores, os posicionamentos das organizações de representação dessas famílias e de vários órgãos dos governos federal, estadual e municipais, contrários às propostas apresentadas pelos GTs da FUNAI, bem como a própria falta de iniciativas da parte do CGID/DAF, contribuíram para a paralisação dos processos de regularização dessas terras tradicionalmente ocupadas pelos Arara, Kaxinawá, Nawa e Manchineri.

A TI Kaxinawá do Seringal Independência é uma "terra de domínio indígena", pois os seringais Independência e Altamira, que a compõem, foram comprados, em 1993-94, pela Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ). A FUNAI registrou-a em cartório como "terra de domínio indígena" em novembro de 2000. Com 11.463 ha, já demarcados, corresponde a quase 0,5% da extensão total das terras indígenas no Acre. Nos últimos anos, a ASKARJ têm realizado gestões junto à FUNAI para a sua transformação em "terra reservada".

Mais duas terras indígenas, Jaminawa do Rio Caeté e Jaminawa do Guajará, figuram como "a identificar". A composição de GTs para a realização dos estudos e levantamentos necessários à sua identificação foi incluída no POA do PPTAL para 2004. Editais para a contratação de dois antropólogos e dois ambientalistas para compor esses GTs foram abertos em 2003-04, mas a seleção desses profissionais não foi concluída. Desde então, não houve novos editais, e os GTs não foram constituídos.

Por fim, três novas demandas territoriais surgiram mais recentemente, para o reconhecimento das TIs Kontanawa, Estirão e Porvir, a primeira no Município de Marechal Thaumaturgo e as outras duas em Santa Rosa do Purus. Estas, todavia, não constam, até o presente, da listagem de terras indígenas "a identificar" produzida pela DAF/FUNAI.

Duas décadas na imprensa acreana, próximos Papos

Os Papos dos próximos quatro domingos continuarão a apresentar o diagnóstico elaborado pelo "GT Fundiário" sobre a atual situação das terras indígenas no Acre. Fechando a seqüência, o Papo do quinto domingo exporá a "agenda prioritária" definida para apresentação ao Ministro da Justiça e ao Presidente da FUNAI, com o intuito de viabilizar, por meio de um conjunto de ações integradas, o avanço dos processos de regularização que, na avaliação do governo estadual, podem ser agilizados com maior brevidade.

Com esta série de seis Papos, hoje aberta, comemoramos os vinte anos da coluna Papo de Índio na imprensa acreana. Iniciada no jornal A Gazeta do Acre em 1987, passou a ser publicada no Página 20 em 1995. Retomada após um período de interrupção, tem ganho nos últimos dois anos, no sítio do jornal na internet, um número crescente de leitores, no Acre, no Brasil e no mundo. Com esta série, tornamos público nosso agradecimento aos leitores e muitos colaboradores da coluna, por sua contribuição para esta longevidade. Ao Papo, seus editores e ao Página 20, parabéns e muitos outros anos de vida.

http://www2.uol.com.br/pagina20/28052006/papo_de_indio.htm

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