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Pano de fundo

O Globo, Tema em Discussão, p. 6
Autor: REIS, Valquimar
20 de Dez de 2004

Pano de fundo

Valquimar Reis

Estarrecidos e indignados com a absolvição no Pará de policiais envolvidos no massacre de Eldorado dos Carajás, recebemos a triste notícia da chacina de Felisburgo (MG), onde 5 trabalhadores foram mortos e 13 baleados, entre eles uma criança. Os fatos lamentáveis não pararam aí. O julgamento no Pará ocorreu em 19 de novembro, a chacina de Felisburgo no dia 20. Dia 21, mais de 100 tiros foram disparados contra um acampamento em Mato Grosso do Sul. Dia 22, em Passira-PE, pistoleiros atentaram contra acampados. Em Roraima, no dia 23, latifundiários destruíram a aldeia Jawari, na Reserva Raposa Terra do Sol.
Existe uma elite violenta e preconceituosa perseguindo os que lutam pela terra no Brasil. O modus operandi não difere do divulgado em panfleto distribuído por fazendeiros de São Gabriel (RS) em junho de 2003, ensinando formas bárbaras de "exterminar" os "ratos" ( sic ) sem terra. Os responsáveis por essas atrocidades são fazendeiros conhecidos e líderes do agronegócio, grileiros e suas milícias. Contam com a conivência de setores do poder público e de meios de comunicação que justificam para a sociedade nas entrelinhas este "mal necessário".
Gente como Norberto Mânica, produtor de feijão, suspeito de assassinar fiscais do Trabalho que encontraram trabalho escravo em suas produtivas fazendas; ou Wander Carlos de Souza, produtor de algodão, em cujas terras foram encontrados 125 trabalhadores sem registro e 80 escravos; ou a família Mutran, exportadora de castanha-do-pará. O patriarca, Osvaldo Mutran, é acusado de empregar escravos e suspeito do assassinato de um fiscal; ou ainda o grupo J. Pessoa, produtor de açúcar e álcool. O Ministério Público encontrou escravos em uma de suas usinas.
Alguém tem dúvidas que essa elite não quer que seja feita a reforma agrária? A história da violência no meio rural é causada pela enorme concentração fundiária e pela impunidade. O índice de Gini (indicador de concentração de terras que varia de 0 a 1) é de 0,859 para o Brasil. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciam que entre 1985 a 2003 foram registrados 1.349 assassinatos no campo, mas apenas 75 julgados. Só 65 executores e 15 mandantes foram condenados. Em 2003 foram assassinados 73 trabalhadores sem-terra, 69,8% mais que em 2002. O Centro-Oeste, paraíso do agronegócio, apresentou o índice mais alto. Continuaremos lutando para deixar de ser o que somos: uma sociedade extremamente excludente e desigual, que não consegue mais dormir, uma parte com fome e a outra com medo.

Valquimar Reis é dirigente nacional do Movimento dos Ttrabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O Globo, 20/12/2004, Tema em Discussão, p. 6

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