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Palavras são como pedras

O Globo, Opinião, p. 19
Autor: LEMOS, Haroldo Mattos de
02 de Jul de 2014

Palavras são como pedras
Aquecimento global ainda não é uma unanimidade no meio científico, mas está chegando cada vez mais perto disso

Haroldo Mattos de Lemos

Fiquei surpreso e muito decepcionado com o artigo "Algemas verdes", de Rodrigo Constantino, publicado em 24 de junho no GLOBO. Surpreso porque, em palestra sobre economia na Associação Comercial do Rio de Janeiro, alguns meses atrás, concordei com praticamente tudo o que foi exposto por ele. Decepcionado porque, em relação aos ambientalistas, Constantino demonstrou ser preconceituoso e muito mal informado. Assim como entre economistas, advogados, engenheiros e em outras profissões, há bons e maus profissionais, alguns por ignorância e outros por má-fé. Ambientalistas não são exceção.
O aquecimento global ainda não é uma unanimidade no meio científico, mas está chegando cada vez mais perto disso. Semana passada, a Nasa informou que maio foi o mês mais quente desde 1880. Há anos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam que, em virtude do aquecimento global, os eventos climáticos extremos - chuvas mais intensas, secas mais prolongadas - devem se tornar cada vez mais intensos e mais frequentes. É exatamente o que está acontecendo, inclusive aqui no Brasil.
O economista inglês Nicholas Stern, no seu relatório "Stern review on the economics of climate change", divulgado em 2006, calcula os prejuízos potenciais do aquecimento global e qualifica o fenômeno como a maior falha de mercado que a humanidade vivenciou até hoje, dotada de proporções globais e efeitos potencialmente irreversíveis. Segundo Stern, se as medidas contra o aquecimento global fossem tomadas imediatamente, o custo seria de 1% do PIB mundial por ano. Se as medidas não forem tomadas imediatamente, os efeitos do aquecimento global poderiam atingir 20% do PIB global em 2050.
É bom lembrar que os prejuízos serão maiores nos países pobres, que não terão recursos suficientes para se adaptar às chuvas mais intensas e às secas mais prolongadas, sem falar no aumento do nível do mar que vemos afetar as regiões costeiras.
Um dos mais renomados cientistas brasileiros da atualidade, Carlos Nobre, atual secretário do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e membro do (IPCC), declarou durante a Conferência Internacional da Rede Global de Academias de Ciências, realizada no Rio de Janeiro em 2013, que a estratégia usada pelos céticos do clima é a mesma usada no passado pela indústria do tabaco para desqualificar os malefícios do cigarro à saúde: "É a mesma tática que conseguiu adiar por anos as políticas contra o tabagismo nos EUA e, depois, nos países em desenvolvimento."
Constantino afirma que "são os ambientalistas, uma seita que mascara profundo desprezo pelo avanço capitalista". Pois bem, eu sou um ambientalista e, quando criamos, em 1975, na fusão entre os estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), da qual tive a oportunidade de ser o seu primeiro presidente, nosso lema era "Desenvolvimento com baixo custo ecológico". Portanto, desde aquela época, em que praticamente não se falava em meio ambiente, não éramos contra o desenvolvimento, mas sim contra o mau desenvolvimento, pois já está mais do que provado que prevenir é mais fácil e mais barato do que remediar.
Recomendo a leitura do relatório produzido em 2010 por empresários do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês), o Visão 2050. O principal objetivo é fazer com que em 2050 os nove bilhões de habitantes que teremos na Terra vivam bem - com alimentos suficientes, moradia, água potável, saneamento, transporte, educação e saúde -, e dentro dos limites do que este pequeno e frágil planeta pode oferecer. Significa que os empresários do WBCSD fazem planejamento em prazos mais longos que os mandatos de governos. E sabem que vivemos num pequeno e frágil planeta, levando em consideração sua "capacidade de suporte". Constantino classificaria estes empresários, todos eles capitalistas, como "seita"?
Várias organizações ambientalistas dedicadas à conservação da natureza, entre as quais a Conservation International, que tem escritório aqui no Rio de Janeiro, mudaram o foco de "conservação da natureza" para "bem-estar humano". Finalmente, para justificar o título: meu caro Rodrigo Constantino, palavras (escritas ou faladas) são como pedras, que depois de ditas não podemos mais correr atrás e evitar que atinjam o alvo. Um pedido de desculpas, neste caso, pode aliviar as consequências, mas dificilmente faz as cicatrizes desaparecerem.

Haroldo Mattos de Lemos é professor da Escola Politécnica da UFRJ

O Globo, 02/07/2014, Opinião, p. 19

http://oglobo.globo.com/opiniao/palavras-sao-como-pedras-13099069

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