VOLTAR

Pajés querem fechar o corpo à biopirataria

Amazonas Em tempo-Manaus-AM
Autor: Márcia Daniella
30 de Nov de 2004

Nas aldeias, o pajé é a figura que centraliza a sabedoria de seu povo e detém o conhecimento da cura através das plantas medicinais. Por isso mesmo, ele é o principal alvo da ação dos biopiratas que querem roubar as informações para patenteá-las. Discutir meios de proteger a propriedade intelectual e o conhecimento tradicional dos indígenas do Amazonas é o objetivo da 2ª Conferência de Pajés, aberta ontem no Chapéu de Palha do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O evento, que está sendo promovido até o dia 3 de dezembro pela Fundação Estadual de Política Indigenista do Estado do Amazonas (FEPI), reúne 25 pajés de 11 municípios amazonenses.

Durante os cinco dias de programação, os líderes indígenas vão trocar experiências e debater as leis de proteção à biodiversidade. Segundo o presidente da FEPI, o índio da etnia Baniwa, Bonifácio José, o evento é mais que uma conferência, pois os indígenas vão passar por uma espécie de treinamento sobre leis nacionais e internacionais que tratam do uso do conhecimento tradicional indígena e sua proteção. "Para que os pajés e lideranças possam se posicionar é preciso primeiro que conheçam as leis e dizer se elas são benéficas para nós. Depois de conhecê-las, eles (pajés) vão poder dizer como o poder público pode ajudar para proteger esse conhecimento", destaca.

Bonifácio acrescenta que no Estado existem cerca de 66 povos indígenas e cada etnia possui cultura e costumes diferentes nas área de plantas medicinais, pajelança, cura de doenças, grafismo, cestaria, entre outras. Ele frisa que a maior preocupação da FEPI é não permitir que esse conhecimento seja pirateado e que seus verdadeiros donos sejam esquecidos. "O conhecimento pode ser utilizado, mas de forma racional e seu dono deve também ser beneficiado. Já houve vários casos de conhecimentos patenteados por pessoas de outros países e o povo que é dono desse saber ficou sem nada e na miséria", frisa.

O titular da FEPI ressalta que a conferência vai resultar em um documento que traçará os procedimentos que os pajés devem adotar para proteger seus conhecimentos. "Há entrada de muitas pessoas estranhas nas terras indígenas e elas acabam tendo interesse no conhecimento. Os pajés precisam saber agir se isso acontecer", explica Bonifácio.

Informação

Ao que parece, os pajés do século 21 já estão bem mais informados que os seus ancestrais e prometem não divulgar para pessoas estranhas os segredos que são guardados a gerações. Curador de uma aldeia localizada no município de São Gabriel da Cachoeira, o índio da etnia Dessana, Feliciano Pimentel Lana, 67, conta que no passado chegou a revelar algumas das informações que possui sobre plantas medicinais para pessoas que visitaram sua aldeia. Ele confirma que homens se dizendo pesquisadores vão a aldeia e procuram o pajé para conversar. "Hoje não falo mais nada porque tem muito homem branco querendo roubar o que sabemos", comenta.

Neta de pajé, a índia da etnia Sateré Bacu, Zelinda da Silva, 51, também se tornou pajé em sua aldeia localizada entre os municípios de Manacapuru e Iranduba. Na sua opinião, o evento é uma oportunidade para troca de experiências entre os pajés e divulgar que a cultura indígenas está ameaçada pela ação de biopiratas. "O homem branco vem, faz o estudo e não dá nenhum retorno para o indígena", lamenta.

Zelinda também afirma que o pajé é a pessoa procurada pelos homens que se dizem pesquisadores e sabem com quem está o conhecimento sobre a biodiversidade. "Nós sabemos muitos segredos, mas não vamos contá-los", garantiu.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.