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Pajelança em frente ao STF

CB, Brasil, p. 9
18 de Mar de 2009

Pajelança em frente ao STF
Na véspera da retomada do julgamento sobre a reserva da Raposa Serra do Sol, em Roraima, índios entregam documento a ministros do tribunal contra restrições impostas à demarcação

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

A pajelança garantiu chuva grossa na tarde de ontem, mas só hoje os índios da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, saberão se o apelo aos deuses vai pôr fim num imbróglio que já dura 11 anos: a palavra final sobre a demarcação do território de 1,7 milhão de hectares. Munidos de cocares e chocalhos, cerca de 30 moradores da Raposa estiveram ontem em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), que hoje deve encerrar o julgamento a respeito da homologação da terra indígena em área contínua. Apesar de satisfeitos com os oito votos favoráveis a seus interesses - faltam se manifestar os ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente da Corte, Gilmar Mendes - eles temem as condicionalidades expressas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que em dezembro apresentou sua decisão depois de pedir vista do processo. Ele quer a manutenção da Raposa da forma que foi determinada pelo decreto presidencial, de 2005, mas fez 18 restrições.

Líderes das cinco etnias de Roraima protocolaram ontem no Supremo um DVD e o documento Contínua, constitucional e sem condicionantes, no qual expressam o descontentamento com sete pontos apresentados por Menezes Direito. Um dos itens que mais despertam a preocupação dos índios é a proibição de que terras indígenas já demarcadas tenham seus limites ampliados. "Isso não vai afetar só a Amazônia, mas os índios de todos o país. Conhecemos a realidade dos índios de outras localidades e nos preocupamos", diz Iranilde Barbosa, macuxi que coordena a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima.

Reivindicações
No documento, os índios contestam outras seis restrições: a falta de necessidade de consultar a comunidade e a Funai sobre obras implementadas nas reservas, o controle do Instituto Chico Mendes sob o uso dos recursos naturais das unidades de conservação em terras indígenas, a proibição de cobrança de tarifas para entrada de não-índios na reserva, assim como em troca da utilização de estradas e equipamentos públicos, entre outros; e a proibição da garimpagem e da faiscação nas terras indígenas.

O texto protocolado ontem defende que a proibição de garimpo nas reservas fere o artigo 44 do Estatuto do Índio, que afirma que cabe aos exclusivamente aos índios o exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas. "É estranho que se homologue mas se tire a liberdade de mineração", diz o cacique Ivaldo André, coordenador da Região da Serra da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Já o representante do Conselho Indígena de Roraima, Júlio Macuxi, diz que a construção de obras nas reservas sem a consulta à Funai e à comunidade pode ferir a cultura dos povos. "Há locais que são sagrados para nós", explica.

A retirada dos não-índios da reserva poderá começar amanhã, caso os ministros cassem a liminar que interrompeu a operação Upatakon, da Polícia Federal. De acordo com o superintendente da PF na região, José Maria Fonseca, o clima é de tranquilidade, tanto por parte dos índios quanto dos posseiros e rizicultores que ocupam a Raposa. "Temos um plano operacional sigiloso para ser desencadeado de acordo com a decisão, mas é claro que não vamos tirar todos do dia para a noite, até por causa das adversidades do local", explica. De acordo com ele, além dos 140 agentes da Força Nacional de Segurança Pública, outros 140 policiais da Superintendência ficarão de sobreaviso, caso precisem atuar.

Aposta em reviravolta

Principal porta-voz da resistência à demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, o ex-prefeito de Pacaraima (RR) e agricultor Paulo César Quartiero afirmou ontem que os produtores confiam em uma reviravolta no julgamento que será retomado hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). A esperança é depositada no voto do ministro Marco Aurélio Mello.

"Nós torcemos para que (o ministro) Marco Aurélio aponte as incoerências deste julgamento. A própria Funai, por exemplo, reconhece que somos ocupantes legítimos da terra, enquanto o Supremo nos trata como invasores", analisa. Nos últimos anos, a Fundação Nacional do Índio (Funai) depositou R$ 4,8 milhões a título de indenização a produtores que foram desalojados da região abrangida pela reserva.

Apesar das críticas ao julgamento, Quartiero relata que a vontade dos produtores é abrir negociações para desmembrar da Raposa Serra do Sol uma área de 84 mil hectares - 4,7% dos 1,6 milhão de hectares da reserva - já explorada pelo cultivo de arroz e pela pecuária. "Não pode ser que haja uma política de despovoamento da região", critica. (Guilherme Queiroz)

CB, 18/03/2009, Brasil, p. 9

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