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Pajelança e web: indígenas unem tecnologia e espiritualidade antes do vestibular da Unicamp

G1 https://g1.globo.com
Autor: Lana Torres e Ananda Porto
01 de Dez de 2018

Na Ilha de Tawá, comunidade indígena amazônica do Alto Rio Negro, não há energia elétrica nem sinal de celular. Muito distantes da realidade de cursinhos dos grandes centros, os irmãos Ezio e Alberta, moradores do local que farão o inédito vestibular indígena da Unicamp, saíram de casa com dois dias de antecedência para a prova. É que eles, assim como outros candidatos, tentam driblar a dificuldade de acesso e se desdobram em busca de internet para ajudar nos estudos às vésperas do exame.

O processo seletivo ocorre no próximo domingo (2), quando 610 indígenas farão a avaliação inédita da Universidade Estadual de Campinas. Os preparativos dos vestibulandos em São Gabriel da Cachoeira (AM) também incluem visitas a pajés, música para relaxar e videoaulas.

"Eu vou antes [para a cidade] pra me preparar ainda mais. Vou descer [o Rio Negro] para estudar mais e pesquisar na internet", contou Ezio durante visita do G1 à casa dele.

Aos 23 anos, ele e a irmã, de 32 anos, são os primeiros integrantes da ilha que concluíram o ensino médio e vão prestar vestibular.

Até esta semana, Ezio e Alberta se preparavam apenas com livros, a maior parte emprestados da escola onde fizeram o ensino fundamental. A leitura é feita à noite, com a ajuda da lanterna, para não comprometer o trabalho de pesca, e na lavoura durante o dia. Da casa deles, para chegar à sede do município, que é o mais indígena do Brasil, os dois navegaram por mais de duas horas pelo Rio Negro.Tem Wi-Fi?
O sinal de internet em São Gabriel é bastante precário, mas não por isso a internet deixa de ser uma ferramenta importante de acesso à informação. Sandra concluiu o ensino médio em 2013.

Após quatro anos distante do conteúdo, ela tem recorrido a videoaulas e provas de anos anteriores do vestibular tradicional disponíveis na web para se preparar. A candidata tenta o ingresso em administração ou pedagogia.

"Em outro lugar eu vejo que tem muita preparação, tem aula. Mas aqui em São Gabriel é difícil. Não tem nada disso. Você tem que baixar um vídeo com aula, procurar professores, fazer teste online. Mas a internet é um pouco ruim. É muito difícil", conta a jovem descendente de colombianos, da etnia werekena.

Pelas mãos do pajé
Daniela Patrícia Villegas Barbosa mira a área de comunicação. Vai prestar o vestibular indígena da Unicamp sonhando com vaga no curso de midialogia. Aproveita as redes sociais para trocar informações do vestibular com outros jovens indígenas.

Em uma comunidade culturalmente introspectiva, ela não perdeu a fala tímida, mas aprendeu a articular palavras em português como poucos por aqui.

E é com muita propriedade e riqueza de repertório que ela explica a importância da figura do pajé também em momentos decisivos como o do vestibular.

"A gente procura o pajé não somente nas horas em que está doente, mas nessas horas como esta do vestibular. É uma prova nova em São Gabriel da Cachoeira e muitos jovens procuraram os pajés para se benzer, para canalizar as energias, como a gente fala."

Daniela explica que o pajé também ajuda com os questionamentos que surgem nesse momento.

"Pra saber se as notícias serão boas, ótimas, e se espiritualmente a gente está preparado pra isso. Eu mesma essa semana acredito que eu procure um para mandar me benzer, mandar limpar o meu corpo. Porque a gente acredita que pra cada coisa que a gente faça, tem que ter a alma purificada e o corpo completamente limpo".

https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2018/12/01/pajelanca-e-…

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