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Países veem lucros em biodiversidade

FSP, Ciência, p. A26
07 de Nov de 2010

Países veem lucros em biodiversidade
Novo protocolo estabelece que empresas terão de remunerar nações e povos indígenas para utilizar espécies
Brasil ajudou a aprovar pacto em encontro no Japão e aposta em valor estratégico de recurso para a sua economia

Reinaldo José Lopes
Editor de Ciência

O improvável final feliz da conferência global sobre a biodiversidade em Nagoya (Japão), no último dia 29, fez com que um velho sonho dos países em desenvolvimento se tornasse mais viável: lucrar com suas espécies.
"Ficou claro que proteger a biodiversidade é muito mais do que cuidar de bichinho. Trata-se, na verdade, de um recurso estratégico, uma nova fronteira", disse à Folha a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Para ambientalistas, Teixeira e os demais membros da delegação brasileira estão entre os principais responsáveis pelo surpreendente êxito de Nagoya, que rompeu com 18 anos de impasse nas negociações da CBD (Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU).
O Brasil, aliado a outros países em desenvolvimento, recusou-se a negociar um documento que não incluísse propostas de financiamento claras para enfrentar a perda de espécies mundo afora e, principalmente, um regime global de ABS (em inglês, sigla para "acesso e repartição de benefícios" oriundos da biodiversidade).
A pressão funcionou, e o encontro viu o nascimento do Protocolo de Nagoya, que estabelece justamente regras mundiais a respeito de ABS.
Segundo o texto, o uso comercial de substâncias ou genes de qualquer espécie nativa de determinado país (planta, animal ou micróbio, por exemplo) depende do consentimento informado do governo desse país.
Caso dada substância -o princípio ativo de um novo remédio, por exemplo- também seja utilizada tradicionalmente por um povo indígena, digamos, esse grupo também terá de dar sua autorização para o uso. E será necessário um acordo formal para que os lucros da venda do produto sejam repartidos com o país de origem da espécie e o povo indígena.

"GERAL, NÃO GENÉRICO"
O protocolo, é verdade, não determina porcentagens de divisão de lucros. Também abre a possibilidade de a "repartição de benefícios" envolver compensações não financeiras, como transferência de tecnologia.
"É assim mesmo. É bom que o protocolo seja geral, embora não seja genérico", brinca Teixeira. "Imagine o caso da China, por exemplo. Lá, os recursos da biodiversidade pertencem mesmo ao Estado, enquanto nós reconhecemos o papel das populações tradicionais no uso desses recursos."
"Mesmo com esse viés generalista, eu não tenho dúvidas de que o Protocolo de Nagoya vai ser tão importante quanto o Protocolo de Kyoto", diz o engenheiro florestal Mauro Armelin, coordenador do Programa da Amazônia da ONG WWF-Brasil.
A comparação é com o protocolo que iniciou as tentativas mundiais de diminuir a emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global. Assim como Kyoto ajudou a criar um mercado internacional de emissões de carbono entre países ricos e pobres, o novo protocolo pode fazer o mesmo em relação aos recursos da biodiversidade, afirma Armelin.
O desafio agora, diz Teixeira, é refinar as regras nacionais para que cientistas e empresas brasileiras possam criar produtos inovadores seguindo o protocolo. "É claro que a discussão para chegar a isso vai exigir maturidade por parte dos nossos órgãos ambientais", afirma ela.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0711201001.htm

Acordo é primeiro com número para proteção global de espécies

A conferência em Nagoya também marcou o fim do reinado dos adjetivos nos documentos da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Pela primeira vez, metas com números reais para deter a perda de biodiversidade (e não só termos como "significativo", "substancial") foram postas na mesa.
"São propostas ambiciosas em vários casos", afirma o engenheiro florestal Fábio Scarano, diretor-executivo da ONG Conservação Internacional no Brasil.
Com horizonte previsto para 2020, elas incluem a meta de zerar as extinções de espécies e de reduzir pela metade a perda de habitats naturais. A ideia é, nesse mesmo prazo, 17% da área terrestre do planeta, bem como 10% da área dos oceanos, virem reservas naturais.
"Confesso que a meta terrestre não me emocionou, porque hoje já temos 13% nessa conta. Por outro lado, só 1% da área marinha está protegida hoje", lembra Scarano. "Essa meta é uma conquista importante porque obteve até mesmo o apoio de países asiáticos que tradicionalmente dependem muito de recursos marinhos."

FALTA CONVERSA
Para Scarano, o próximo desafio é fazer com que as convenções ambientais da ONU -em especial a da biodiversidade e a do clima- voltem a se "falar".
A oportunidade perfeita, pode ser a chamada Rio +20 -cúpula em 2012 que marcará os 20 anos da histórica Eco-92, no próprio Rio. No evento, a reunião de ambas as convenções acontecerá ao mesmo tempo.
"Precisamos criar essa convergência, fazer ações coordenadas", afirma ele.
Uma oportunidade óbvia envolve o chamado Redd+, mecanismo de redução de emissões de gases do aquecimento global por meio da queda do desmatamento.
Bastaria, por exemplo, que os incentivos ao Redd+ também envolvessem áreas com especial interesse para a preservação da biodiversidade, como o cerrado.(RJL)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0711201002.htm

Tentativas no Brasil ainda não deram certo

Até hoje, tentativas de explorar os recursos da biodiversidade remunerando o conhecimento de povos indígenas deram com os burros n'água.
O caso mais emblemático no Brasil talvez seja o que envolveu índios craôs, do Tocantins, e a Unifesp.
O grupo da universidade paulista buscava moléculas de interesse médico em ervas usadas pelos índios. A Unifesp chegou a firmar convênio com uma associação da tribo, mas outro grupo de índios, que rivalizava com essa associação, reclamou por se considerar excluído.
Após ameaça de processo, a pesquisa foi interrompida. Para evitar esse tipo de quiprocó, o Protocolo de Nagoya estabelece que todos os grupos detentores de determinado conhecimento tradicional devem ser beneficiados num acordo.(RJL)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0711201003.htm

FSP, 07/11/2010, Ciência, p. A26

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