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Paisagens da travessia continental

O Globo, Rio, p. 8
11 de Abr de 2016

Paisagens da travessia continental
Trajeto Rio-Peru vai das metrópoles do Sudeste brasileiro à Amazônia e aos Andes

Rafael Galdo

O campo, a floresta, a montanha e o deserto. Metrópoles, cidades pacatas e lugarejos isolados, povoados por gente que, em seus rostos, conta a história da América Latina. Os 6.035 quilômetros de estradas entre o Rio e Lima, na linha de ônibus que vem sendo considerada a mais longa do mundo, são uma viagem por paisagens (algumas pouco conhecidas) e identidades culturais de dois países em que a diversidade se mostra com exuberância. Mas, tanto no lado brasileiro da fronteira quanto no peruano, o cenário também é de chagas ambientais, como a do desmatamento da Amazônia e do cerrado, reveladas nas curvas e retas que levam do Oceano Atlântico ao Pacífico, como mostra o segundo dia de reportagens sobre o percurso.
Se a travessia começa entre as industrializadas e superpopulosas regiões metropolitanas de Rio e São Paulo e termina na Grande Lima, urbanizada entre o mar e colinas, no meio do caminho predominam terras muito menos habitadas. Na Cordilheira dos Andes, entre os departamentos peruanos de Cusco, Apurimac e Ayacucho, pequenas aldeias no topo das montanhas desafiam a altura sufocante. São comunidades como Iscahuaca, de cerca de cem casas, a 4.190 metros de altitude.
É uma região onde, entre picos, abismos e vales de dar vertigem - quando se desce uma montanha, logo aparece outra para subir -, se cruza com povos andinos que guardam costumes tradicionais. É o caso das cholitas (mulheres andinas) com suas saias, mantas e chapéus tradicionais.
Da janela do ônibus, avistam-se criações de lhamas (às centenas à beira da estrada), cultivos de choclo (o milho peruano gigante), além de lagunas, rios e formações geológicas no mínimo estranhas, como torres que parecem de areia.
- São montanhas impressionantes - admirava a peruana Karen Solis, que seguia de São Paulo para Lima. - Não gosto nem de imaginar uma chuva forte no meio delas.
É no meio dos Andes também que fica um dos destinos de grande parte dos passageiros que embarcaram no Rio ou em São Paulo: Cusco, declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. A cidade, além de ter sido o principal centro administrativo do império inca, ainda é porta de entrada para as ruínas de Machu Picchu e para o Vale Sagrado dos Incas, com outro sem-número de sítios arqueológicos.
Com tantas paisagens de deixar os passageiros boquiabertos, que incluem as bordas da Chapada dos Guimarães e do Pantanal, difícil era chegar a um consenso sobre a mais bonita. Para o jovem Juan Villanueva, que passou três meses convivendo com cenas de violência em Guaianases (SP), era a região desértica das linhas de Nazca, no Peru. A americana Angelika James - que decidira ir para Machu Picchu após ver um anúncio da viagem interoceânica numa propaganda a caminho do Terminal Tietê, em São Paulo - entusiasmou-se com a travessia do Rio Madeira, em Rondônia, de madrugada, sob um céu estrelado. Já um dos motoristas da viagem, Daniel Palacios, não hesitava em dizer que seu trecho favorito era o da Amazônia brasileira:
- O entardecer na floresta é o mais belo. Às vezes, há revoadas de araras, tão perto da gente que parece ser possível pegá-las com a mão.
Mas essa mesma Amazônia também foi a que chamou a atenção de muitos viajantes por panoramas desoladores. No lado peruano, apesar de algumas madeireiras, a mata se mostrou mais contínua e densa perto da estrada. Em Rondônia, no entanto, numa região de expansão da fronteira agrícola, em vez da floresta, o que se enxergava eram terras aradas, troncos de árvores secos e retorcidos, fileiras de eucaliptos, plantações de milho, mato rasteiro e, no estado com o sétimo maior rebanho bovino do país, fazendas de gado.
No interior do Acre, nas bordas da fronteira com a Bolívia, embora o desmatamento se estendesse por faixas menores, grande parte da viagem também foi feita com bois à vista. Na região do Xapuri, onde nasceu e morreu o seringueiro e ambientalista Chico Mendes, as margens da BR-317 são dominadas por pastos É à beira da rodovia, por exemplo, que fica a Fazenda Paraná, da família de Darly Alves da Silva, condenado por mandar matar o ativista, em 1988.
Nada que lembrasse, porém, o agronegócio que acompanhou a viagem na travessia de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o primeiro e o quarto maiores produtores de gado do Brasil, respectivamente, além de serem donos da primeira e da quinta maiores safras de soja do país. Estados em que a sucessão de propriedades agrícolas era, vez ou outra, quebrada por trechos de cerrado e cidades como as capitais Campo Grande e Cuiabá ou centros regionais como Rondonópolis, de silos gigantes perto da rodovia e uma agroindústria alimentada por dezenas de empresas.

O Globo, 11/04/2016, Rio, p. 8

http://oglobo.globo.com/rio/trajeto-rio-lima-vai-das-metropoles-do-sude…

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