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Pais sofrera com alteracao do clima

OESP, Vida, p.A20
05 de Dez de 2004

País sofrerá com alteração do clima
Previsões de especialistas brasileiros não são das mais otimistas; maior impacto deverá ser sentido na agricultura
Herton Escobar
Quando se fala de aquecimento global, o nome já diz tudo: o problema é de todos. Não importa se você lança ou não gases na atmosfera, ou se assinou ou não o Protocolo de Kyoto, seus efeitos serão sentidos ao redor do globo, tanto nos países pobres quanto nos ricos. A Europa já levou o primeiro susto: o verão de 2003 foi o mais quente dos últimos 500 anos. Mais de 20 mil pessoas morreram e, graças à influência humana na atmosfera, a probabilidade de ocorrência de novas ondas de calor agora é o dobro do que era antes, segundo um estudo publicado esta semana na revista Nature. No Pólo Norte, onde não há indústrias nem congestionamentos, o clima está esquentando duas vezes mais rápido que no resto do planeta, o que é má notícia tanto para os ursos polares quanto para as milhões de pessoas que poderão sofrer com o aumento do nível do mar causado pelo degelo.
Os indícios do aquecimento estão por todo o planeta, e cada país sentirá seu impacto de maneira diferente. O Brasil, apesar de não estar na lista dos grandes poluidores, pode ser um dos mais vulneráveis aos seus efeitos. "Ainda há muita incerteza nos cenários regionais, mas já é possível fazer algumas previsões", diz o pesquisador Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Modelos criados por ele indicam que o aquecimento global, somado aos desmatamentos, poderá transformar entre 20% e 30% da Amazônia em cerrado até 2100, por causa da redução de chuvas na região. No cenário mais pessimista, esse índice pode chegar a 60% - uma perda incalculável em termos de biodiversidade e recursos naturais, seja qual for o número. "Nós estamos do lado dos perdedores", afirma Nobre. "Nossa responsabilidade sobre o aquecimento global é pequena, mas as nossas vulnerabilidades são enormes."
Modelos de alteração climática para 2080 na América do Sul prevêem redução de chuvas no Norte e Nordeste e aumento de pluviosidade no Sul e Sudeste do Brasil. A projeção assume um aumento de 1,3 oC a 1,7 oC na temperatura do planeta, com duas vezes mais dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. "A temperatura vai fazer com que o direcionamento dos ventos seja alterado, e isso acaba impactando completamente o clima", explica o pesquisador Tércio Ambrizzi, do Grupo de Estudos Climáticos do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). "Acaba também causando uma intensificação dos extremos, com verões muito mais quentes e invernos muito mais frios."
Outra região que preocupa os pesquisadores é o semi-árido nordestino, que promete ficar ainda mais seco do que já é. "A base de sustentabilidade da população vai ficar ainda mais ameaçada", ressalta Nobre. "É um problema social enorme, mas que não entrou ainda na agenda do governo, nem das ONGs nem da sociedade em geral." No Sul e Sudeste, o perigo poderá vir do mar, com uma intensificação de tempestades, ciclones extratropicais e até mesmo furacões, como o que atingiu a costa de Santa Catarina em março deste ano. "Queira ou não queira, o Catarina foi o primeiro furacão do Atlântico Sul", sacramenta Ambrizzi. "A pergunta é: será que ele foi o último, ou vêm outros por aí?" Não há como dizer com certeza se a tempestade foi uma anomalia natural do sistema ou se já é uma conseqüência do aquecimento global, mas há modelos climáticos que prevêem a ocorrência de furacões na costa sul do Brasil até o final do século. "É uma indicação de que o nosso clima não está se comportando como antigamente", aponta Ambrizzi.
O nível do mar, para complicar, poderá subir entre 50 centímetros e 1 metro até o fim do século, segundo cálculos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), colocando várias regiões litorâneas em perigo. A elevação ocorre pelo degelo das calotas polares e pela expansão de volume da água em temperaturas mais elevadas.
Agricultura
Somados todos os fatores, a atividade que mais depende do clima - e que, conseqüentemente, sofrerá o maior impacto do aquecimento global - é a agricultura, base de sustentação da economia brasileira. Quase todas as culturas dependem de condições específicas de água, luz e temperatura para produzir. Qualquer variação nos parâmetros meteorológicos, portanto, vai exigir adaptações no sistema de plantio. "Algumas culturas poderão ser favorecidas e outras, prejudicadas", diz o pesquisador Carlos Cerri, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba. "Não há uniformidade nessa vulnerabilidade."
Uma das beneficiadas pelas novas condições seria a soja, cuja produção está concentrada no Centro-Oeste. Modelos preparados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) indicam que, nos próximos 50 anos, a estrela do agronegócio brasileiro poderá ter um aumento de 21% na média de produtividade nacional, segundo Cerri. Trigo e milho, por outro lado, poderão sofrer redução de 30% e 15%, respectivamente. Isso, se nada for feito com relação ao aquecimento global.
Outro modelo indica que, com um aumento de 4 oC na temperatura, a cultura de café quase que desapareceria do Estado de São Paulo. "Seria necessário um novo planejamento agrícola para o País", afirma Nobre, do CPTEC. A severidade desse impacto, entretanto, vai depender da intensidade do aquecimento global e da capacidade de adaptação do setor produtivo aos seus efeitos. "São cenários que não consideram o avanço tecnológico", aponta Cerri. "É uma sinalização para que sejamos proativos nesse sentido."

Buenos Aires reunirá 194 países em torno do tema
Começa amanhã em Buenos Aires a 10.ª Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, com a participação de 194 países. Será a primeira reunião da convenção após a tão esperada ratificação do Protocolo de Kyoto, que, graças à adesão da Rússia, entrará em vigor no dia 16 de fevereiro.
O acordo internacional, assinado por 160 países em 1997, no Japão, exige que os países mais industrializados reduzam suas emissões de gases do efeito estufa em 5%, aproximadamente, abaixo dos níveis registrados em 1990 - ano adotado como base para os cálculos do protocolo. O prazo vence em 2012, quando novas metas de redução deverão ser adotadas.
Os EUA, apesar de signatários da convenção, recusam-se a participar do Protocolo de Kyoto. E já avisaram que não pretendem assumir nenhum compromisso em Buenos Aires. "Não antecipamos assinar nenhum novo acordo", disse o principal negociador americano para assuntos climáticos, Harlan Watson. O país é o maior emissor mundial de gases do efeito estufa, responsável por 26% das emissões globais e 36% das emissões entre os países industrializados.
Países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e China estão isentos de compromissos nesse primeiro período de vigência do protocolo. O conceito adotado é o da "responsabilidade comum, porém diferenciada", o que significa que todos os países contribuíram de alguma forma para o processo de aquecimento global, mas alguns muito mais que outros. E esses, portanto, têm obrigação maior de resolver o problema.
O pesquisador Cristiano Campos, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/UFRJ, oferece um boa analogia. Imagine um barco perdido no mar com duas pessoas, uma de 150 quilos (os países ricos industrializados) e outra, de 40 quilos (os países pobres em desenvolvimento). Se a soma do peso dos dois passar de 200 quilos, o barco afunda. Coloca-se, portanto, o dilema: Quem tem direito de engordar, e quem tem a obrigação de emagrecer? "Precisamos lembrar que a pessoa mais magra pode ser um jovem, que precisa comer mais para poder crescer", diz o pesquisador, referindo-se à necessidade dos países pobres de se desenvolverem - o que implica, necessariamente, em aumentar suas emissões.
Evitar que o barco afunde, sem que ninguém passe fome, é o desafio da diplomacia internacional daqui para frente. A reunião em Buenos Aires, que terá forte participação brasileira, vai até o dia 17.

Até 2100, temperatura na Terra poderá aumentar até 5,8 o C
Para a grande maioria dos cientistas, o aquecimento global já é uma certeza. Apesar das muitas incógnitas que ainda existem sobre o futuro, quanto ao presente parece não haver mais dúvidas. O acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, decorrente de atividades humanas desde a Revolução Industrial, está esquentando - e alterando - o clima da Terra muito além do natural.
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) indicam um aumento de 0,6 o C na temperatura média da Terra nos últimos 100 anos. Até 2100, o termômetro poderá subir entre 1,4 o C e 5,8 o C, o suficiente para alterar radicalmente o clima do planeta.
O problema, segundo os cientistas, é o acúmulo da gases-estufa na atmosfera - principalmente o dióxido de carbono (CO2) - provenientes da queima de combustíveis fósseis e da perda de cobertura vegetal em larga escala nas últimas décadas. Em 800 mil anos, segundo Carlos Nobre, do CPTEC, a concentração de CO2 na atmosfera nunca passou de 290 partes por milhão (ppm). Hoje, está em 376 ppm. "Se conseguíssemos milagrosamente parar o aumento de emissões neste momento, ainda teríamos um aumento de 1o C e o nível do mar subiria entre 8 e 10 centímetros nos próximos 100 anos."
E para estabilizar a concentração de CO2 atmosférico em um teto de 550 ppm, completa Nobre, seria necessário reduzir as emissões globais em 65%. "Estamos falando de um outro planeta. Não é algo que vai se resolver da noite para o dia; ainda vamos conviver com esse problema por muito tempo."
Poderá haver, por exemplo, uma intensificação do fenômeno El Ni‡o, com graves conseqüências para o Brasil. "O clima no mundo está adquirindo características extremas", afirma Tércio Ambrizzi, do IAG. "Os níveis de hoje já estão acima da média." .

Concentração
290 ppm foi a concentração máxima de CO2 na atmosfera nos últimos 800 mil
376 ppm é a concentra atual.
65% é quanto o mundo teria de reduzir as emissões de CO2
5,2 % é a redução exigida pelo Protocolo de Kyoto

OESP, 05/12/2004, p. A20

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