VOLTAR

País precisa se preparar para eventos climáticos extremos

Valor Econômico - https://valor.globo.com
06 de Mai de 2024

País precisa se preparar para eventos climáticos extremos
Deficiências que se tornaram habituais serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global

06/05/2024

O Rio Grande do Sul vive nova catástrofe climática, pouco tempo depois de um destrutivo ciclone extratropical em junho e de enchentes em setembro que deixaram 54 mortos. Desta vez, uma zona de alta pressão, com bloqueio de ar quente no Centro do país, impediu a chegada de frentes frias ao Sudeste que, sem poder avançar, estacionaram no Sul, provocando dilúvios. No Estado, as chuvas afetaram principalmente a região Central e dos Vales, com 332 cidades atingidas. Em Porto Alegre, o rio Guaíba ultrapassou o recorde de 1941, quando atingiu 4,7 metros de altura. O Centro histórico de Porto Alegre está debaixo de água. Havia 78 mortos e 105 desaparecidos no início da noite de ontem.

O Rio Grande do Sul pode ser um exemplo de que os fenômenos climáticos adversos ganharam em intensidade e frequência, algo já visto com preocupante ritmo em todos os países com a piora do aquecimento global. No Brasil, há pouco uma seca devastadora fez desaparecer provisoriamente alguns rios na maior bacia fluvial do planeta, a Amazônica, enquanto o Pantanal vem sendo devastado por incêndios de grande extensão por dois anos consecutivos.

O Estado tem sido palco de catástrofes climáticas em série. Sofreu prejuízos enormes com a sequência de secas que ocorreram na primeira década do século, a partir de 2001. A de 2005, a pior delas, derrubou em 2,8% o PIB gaúcho. Em 2004, a estiagem engoliu 45% da safra de soja estadual. A atual sequência de inundações devastadoras vem após uma severa seca no verão de 2023. A destruição trazida pelas águas até novembro, meses antes da enchente de agora, foi estimada em R$ 28 bilhões. Os prejuízos materiais hoje serão muito maiores e teme-se que o número de vidas perdidas, também.

Indústrias importantes, como a Gerdau, paralisaram a produção. Sem mobilidade, a produção de granjas e frigoríficos não pode ser escoada, enquanto que os animais em criação não podem ser abastecidos de rações e outros alimentos. O Estado é o terceiro maior produtor e exportador de carne de frango. É o maior produtor de arroz, com 75% da oferta do produto. Estima-se que haja ainda 1,5 milhão de toneladas no campo, que podem ser perdidas, e perto de 5 milhões de toneladas de soja (Folha de S.Paulo, 3 de maio).

Em pontos do Vale do Taquari, em poucos dias a precipitação atingiu entre 500 e 600 milímetros, um terço da média de chuvas anual, e o triplo da média mensal desta época do ano. Temporais intensos ocorrem também na vizinha Santa Catarina. A chuva na sexta-feira se deslocou para o noroeste do Rio Grande do Sul e desabou em Santa Catarina, onde houve precipitações fortes de 200 mm nas últimas 24 horas.

Nenhum governo está totalmente preparado para enfrentar um aguaceiro desses. No entanto, precisam estar a postos com o melhor esquema de prevenção possível, o que não é o caso, na maioria das vezes. O governo gaúcho agiu com rapidez, obtendo ajuda imediata do governo federal para enfrentar uma situação dramática, que ainda pode piorar. "É o pior desastre da história do Estado e um dos mais graves do país", disse Marcelo Seluchi, coordenador da equipe de monitoramento do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, o Cemaden, ao Valor. A previsão é que a situação da capital, Porto Alegre, com a cheia do rio Guaíba, que já subiu 5,3 metros, vá piorar, e a volta a algum tipo de normalidade possa ocorrer somente em uma semana.

Mas, apesar da crônica de desastres climáticos em todo o país, os preparativos para enfrentá-los até hoje carecem de planejamento, recursos, coordenação e pessoal, um dos muitos frutos do imediatismo político. Essas deficiências, que se tornaram habituais, serão ainda mais nocivas com a mudança de qualidade dos fenômenos causados pelo aquecimento global.

"Os extremos de chuva estão virando mais extremos. Temos que nos preparar para esta nova realidade que já estamos vivendo. Este é o novo normal", disse o climatologista José Marengo ao Valor. O mapeamento das zonas de risco atinge hoje 1.942 municípios, e seria necessário ampliá-lo muito mais. O Plano Nacional de Adaptação não foi concluído e faz falta. O desafio é brutal, mas tem de ser enfrentado. "Cidades foram construídas em áreas que eram leitos de rios ou muito próximas a eles", afirma Marengo. "Qualquer chuva intensa, há inundação".

É preciso planejar a expansão das cidades em função das mudanças climáticas e corrigir os pontos vulneráveis de metrópoles erigidas em épocas em que o problema do aquecimento global não era percebido. Agora, ele altera padrões estabelecidos de formas insuspeitadas. Os modelos utilizados perderam seu poder de predição de eventos climáticos com as mudanças em curso, adverte Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas (O Estado de São Paulo, 3 de maio).

Além da adaptação e da mitigação dos efeitos, um passo decisivo é reduzir as emissões de carbono, que no Brasil são majoritariamente causadas pela eliminação da cobertura vegetal, ainda intensa em quase todos os biomas, e em especial na Amazônia e no cerrado.

https://valor.globo.com/opiniao/noticia/2024/05/06/pais-precisa-se-prep…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.