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País pode ter papel crucial na crise do clima

FSP, Ciência+saúde, p. C7
Autor: GORE, Al; LEITE, Marcelo
05 de Nov de 2014

'País pode ter papel crucial na crise do clima'
Em visita ao Brasil, ex-vice-presidente dos EUA Al Gore diz que país pode ajudar o mundo a enfrentar aquecimento
Gore se diz otimista quanto à possibilidade de acordo mundial de redução de emissões em 2015, incluindo EUA

Marcelo Leite de São Paulo

O ex-senador e ex-vice-presidente dos EUA Albert Gore volta ao Rio com seu otimismo e sua pregação pela necessidade de combater o aquecimento global.
Seu Projeto Realidade Climática arrebanhou 750 pessoas de 55 países para três dias de treinamento para disseminar a mensagem: impedir que a atmosfera se aqueça mais que 2oC, nível considerado perigoso para a estabilidade do clima.
"Em 79 países o preço da energia de painéis solares está igual ou abaixo do preço da eletricidade pela queima de carvão", diz Gore. "O fato de as soluções estarem disponíveis é o antídoto para a paralisia política."
Uma das fontes do otimismo do americano é a aceitação da necessidade de agir por parte do mundo corporativo: "Os empresários estão à frente dos políticos".

Folha -- A sua organização já realizou 25 treinamentos pelo mundo sobre a mudança do clima. Por que no Brasil, agora, e por que em 2014?
Al Gore -- Brasil e EUA estão entre os mais poderosos países no hemisfério Ocidental. Este é um ano crucial, por causa das negociações que serão concluídas em Paris em 2015. É o momento em que se espera que o mundo se ponha de acordo.
Já existe um impulso poderoso. Nesta semana, o lançamento do sumário para formuladores de políticas do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima] enfatiza a incrível urgência dessa crise. O Brasil pode ter um papel crucial em resolver essa crise, aproveitar essa oportunidade.

O Brasil se recusou a assinar a Declaração de Nova York sobre Florestas. O sr. ficou decepcionado?
Sim, fiquei. Mas o Brasil também disse que, se outros países agirem, isso terá impacto sobre as escolhas do país. Agora que as eleições acabaram, no Brasil e no meu país, chegou o tempo de enfrentarmos essas questões.
Vamos ouvir não só o que os cientistas estão dizendo, mas o que a natureza está dizendo. São Paulo está em meio a uma seca. Cientistas assinalam que sua fonte principal de água doce têm sido os "rios voadores" que correm sobre e através da Amazônia para o Sudeste. Quando a floresta sofre danos demais, o processo é interrompido, e as represas secam.
Na Califórnia, também estamos sofrendo uma seca histórica, e o Estado vem agindo para se tornar um líder entre os governos regionais. Ouço de cada vez mais cidadãos do Brasil que é hora de se unir à comunidade mundial e defender medidas que vão resolver a crise do clima.

Seu livro e o filme "Uma Verdade Inconveniente" foram lançados em 2006. De lá para cá, o sr. sentiu necessidade de mudar as suas falas, talvez soar menos alarmista?
Bem que eu gostaria que as previsões dos cientistas que apresentei naquele filme se tivessem provado incorretas. Mas infelizmente elas acabaram subestimando quão séria a crise está se tornando.

O relatório do IPCC fala mais de "riscos", em lugar de "perigos". O sr. preferiria ouvir palavras mais fortes do IPCC?
Cientistas são cautelosos na maneira de apresentar suas conclusões. Quanto aos relatórios anteriores do IPCC, a experiência posterior foi que as coisas ficaram piores.
O relatório desta semana tem alertas sombrios: se não entrarmos em ação, veremos consequências irreversíveis, dificuldades para fornecer alimentos, enchentes, e isso em linguagem muito mais dura do que no passado.

Desde o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, as emissões de carbono têm aumentado. É possível zerá-las até 2100?
É factível. A redução dos preços da energia de fontes alternativas está causando mudanças revolucionárias na economia. As alternativas agora não só são competitivas como, em muitos países, são mais baratas do que queimar combustíveis fósseis sujos.

Negociadores brasileiros se queixam da barreira erguida no Congresso dos EUA contra um acordo com obrigações legais em 2015. Muitos veem nisso um sinal de que nenhum acordo será obtido em Paris.
O governo Obama obteve um parecer jurídico dizendo que ele pode modificar um tratado que tenha sido adotado e ratificado e atualizar as provisões desse tratado sem ter de voltar ao Senado.

O sr. se refere à Convenção do Clima de 1992, já que o Protocolo de Kyoto não foi ratificado pelos EUA, certo?
Sim. Os EUA estão obrigados a agir para evitar níveis perigosos de gases-estufa. Agora os cientistas dizem que qualquer coisa que eleve a temperatura global acima de 2o C é um nível perigoso. Obama tem a autoridade de que necessita.

Os relatórios "Nova Economia do Clima" e "Negócio Arriscado" sinalizam atitude mais receptiva das empresas para a questão do clima.
Sim. Os empresários estão à frente dos políticos. Qualquer empresa que lide com consumidores está sob pressão para assegurar que seus clientes não mudem para competidores que tenham políticas ambientais melhores. E os negócios que investiram para se tornarem verdes estão pressionando os governos para que façam mais.

O sr. está otimista quanto a um acordo em Paris?
Sempre que nós, seres humanos, nos deparamos com uma escolha clara entre o que é certo e o que é errado, com o tempo acabamos fazendo a coisa certa. Estamos agora nesse ponto, e em Paris daremos o próximo passo.

FSP, 05/11/2014, Ciência+saúde, p. C7

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/194043-pais-pode-ter-pape…

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