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País abre hoje diálogo com a Bolívia sobre impasse dos brasileiros ilegais

OESP, Nacional, p. A4
28 de Set de 2009

País abre hoje diálogo com a Bolívia sobre impasse dos brasileiros ilegais
Prazo para saída das famílias da área de fronteira termina em outubro e Evo quer ocupar lugar com seus eleitores

João Domingos
Brasília

Começa a ser definida hoje, numa reunião entre representantes dos governos do Brasil e da Bolívia, em Cobija, na fronteira com o Acre, a solução para cerca de 350 a 400 famílias de brasileiros ilegais que vivem da extração de castanha e borracha e de pequenas lavouras dentro da faixa fronteiriça de 50 quilômetros, na província boliviana do Pando. O governo está cumprindo uma determinação constitucional, mas adotando uma estratégica polêmica. É que, para o lugar dos brasileiros, Evo Morales está enviando seus correligionários políticos, numa atitude combatida por seus opositores, que o acusam de mandar eleitores para províncias onde o governo central não tem apoio, como a do Pando.

Desde 2006, quando foram intimadas pelo governo da Bolívia a deixar as posses que ocupam, as famílias de brasileiros passam por momentos de tensão. De acordo com o Itamaraty, elas têm sido submetidas a chantagens e achaques por parte de pessoas que se apresentam como se fossem autoridades bolivianas ou brasileiras. Por causa das ameaças, algumas famílias até venderam as posses por preço vil.

Nessa confusão, o Brasil contratou por U$ 10 milhões a Organização Internacional para Migrações (OIM), entidade com experiência em migrações, principalmente na África e no Leste Europeu. Ela ficou encarregada de fazer desde os levantamentos sobre as famílias, quantas são, do que vivem, o que fazem, até o processo final de reassentamento. Serão estes dados que a OIM vai apresentar hoje às delegações do Brasil e da Bolívia, em Cobija, capital do Pando.

CONSTITUIÇÃO

A expulsão dos brasileiros da faixa de fronteira ocorre por determinação do artigo 25 da Constituição da Bolívia - desde a antiga Carta é proibida a permanência de não-bolivianos em toda a área fronteiriça de 50 quilômetros. Mas não era um artigo implementado. Com a chegada de Evo Morales ao poder, ele resolveu que a norma constitucional deveria ser cumprida.

Como o prazo final para a saída das famílias termina em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu de seu colega boliviano, durante encontro no mês passado, que a retirada dos brasileiros só ocorresse depois do trabalho da OIM. Enquanto isso, colonos da região do Altiplano, onde Evo é forte politicamente, aguardam a desocupação das posses dos brasileiros para, a seguir, instalarem-se ali.

No acordo feito com Evo, os brasileiros poderão ser reassentados em áreas do interior da Bolívia longe da fronteira ou, se quiserem, podem retornar ao Brasil e se candidatar a projetos de reforma agrária brasileiros no Acre. Também podem se naturalizar bolivianos - o que permitiria que ficassem na fronteira -, mas esse é um conselho que a política externa do Brasil não dá. "Achamos que os brasileiros devem continuar a ser brasileiros", disse o embaixador Eduardo Gradilone Neto, diretor do Departamento das Comunidades de Brasileiros no Exterior, do Itamaraty. Ele estará no comando da equipe que receberá os dados da OIM.

CONSULADO

Gradilone disse que, no processo de tentar chegar a uma solução para os brasileiros que ocupam a faixa fronteiriça da Bolívia, será instalado mais um consulado no país vizinho, na comunidade chamada Puerto Evo Morales, próxima a Assis Brasil, no Acre. Puerto Evo Morales é um longínquo lugarejo formado por palafitas e é nele que os brasileiros que vivem do lado boliviano costumam comprar bens básicos, como sal e açúcar.

O governo do Pando chegou a fazer um projeto de agrovila para os brasileiros, perto de Cobija, na área de 50 quilômetros de fronteira. Mas, como a proposta de abrir a exceção era das oposições, não foi adiante. Ao contrário, ajudou a agravar a crise entre o governo da província e o central. Houve violência e o governador do Pando, Leopoldo Fernández, foi preso - hoje, da cadeia, é o candidato a vice-presidente na chapa da oposição para a próxima eleição.

Brasil quer contrapartida por anistia a bolivianos
Governo de Evo Morales concedeu título de cidadania a apenas seis brasileiros até agora

João Domingos
Brasília

O Itamaraty contabiliza até cerca de 3,7 milhões de brasileiros vivendo no exterior, ou quase 2% da população do País. Destes, cerca de 1,5 milhão estão na América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México), 1 milhão na Europa, quase 760 mil na América do Sul, 319 mil na Ásia, 70 mil no Oriente Médio, 15 mil na África e 6,8 mil na América Central. Em Honduras, onde o Brasil é protagonista na crise política do país por causa do abrigo concedido ao presidente deposto Manuel Zelaya, há entre 119 e 450 brasileiros.

Eduardo Gradilone Neto disse que hoje uma das prioridades do setor que comanda, o Departamento de Comunidades de Brasileiros no Exterior, é resolver a situação dos brasileiros na Bolívia. Os dois governos têm feito seguidas reuniões e até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se envolvido. No mês passado ele fez um apelo ao colega Evo Morales para impedir a expulsão dos brasileiros que vivem na Bolívia.

Recentemente, o Brasil concedeu anistia a 6 mil bolivianos que vivem em áreas urbanas do País, principalmente São Paulo. A expectativa era que Bolívia fizesse o mesmo. Mas, até agora, o governo de Evo Morales só concedeu o título de cidadania a seis brasileiros, de acordo com os números do Itamaraty.

Os brasileiros que vivem na faixa fronteiriça da região do Pando são muito simples e boa parte é analfabeta. Quase não recebem informações das mudanças legais que ocorreram no Brasil. Gradilone disse que eles poderiam ter a dupla cidadania, que o Brasil passou a aceitar mais recentemente, mas parece que ainda não sabem disso e acham que se optarem pela boliviana podem perder a brasileira. Além do mais, insistem em ficar na Bolívia porque lá a castanha e a borracha que extraem é vendida para os Estados Unidos e outros países sem nenhuma sobretaxa e também sem impostos. No Brasil eles são pesados.

REFORMA AGRÁRIA

Nas fronteiras de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul também há brasileiros. Mas estes, pelo que o Itamaraty já levantou, pertencem a uma classe mais abastada e, associados a bolivianos, possuem grandes latifúndios. É provável que também comecem a ter problemas no futuro, não por causa da faixa de fronteira, mas pelo tamanho da propriedade da terra. Por enquanto o governo boliviano ainda não mexeu com eles, mas a Constituição votada já no governo de Evo Morales determina que as grandes propriedades terão parte desapropriada para a reforma agrária.

"Se houver uma ação do Estado boliviano nestes casos, não será pelo lugar em que o cidadão mora, mas por causa do tamanho da propriedade. E isso atingirá brasileiros e bolivianos, indistintamente", disse Eduardo Gradilone.

Até recentemente, brasileiros que invadiam o território da Guiana Francesa, principalmente atrás de minérios, e eram pegos acabavam deportados para Macapá. Logo estavam de volta à Guiana, visto que a distância entre a capital do Amapá e o território francês na América do Sul é pequena.

Agora o governo francês mudou a forma de mandá-los de volta ao Brasil. Segundo Gradilone, os brasileiros pegos em território da Guiana Francesa são colocados num avião e levados para Manaus, a 1,2 mil quilômetros em linha reta, ou uma eternidade por rios e estradas de terra até a volta para Macapá.

Esse é um problema que o Itamaraty terá de resolver depois que encontrar uma solução para os brasileiros na Bolívia.

São 106 anos de desconfiança

João Domingos

Brasileiros ocupam terras bolivianas em toda a fronteira de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Acre, mas o problema maior é o acreano. É que, 106 anos depois da chamada Questão do Acre e da conquista de parte do território boliviano pelo Brasil, a desconfiança não passou. "As sequelas ficaram", disse Eduardo Gradilone Neto, diretor do Departamento das Comunidades de Brasileiros no Exterior , do Itamaraty.

Os bolivianos temem que a ocupação de terras deles por parte dos acreanos crie uma segunda Questão do Acre. Há mais de 100 anos, mesmo com os tratados sobre fronteiras assinados anteriormente entre Portugal e Espanha nos séculos 18 e 19, restaram ainda alguns problemas fronteiriços que tiveram de ser solucionados no século 20 pela República. Um deles foi a região de seringais que pertencia à Bolívia mas era habitada por brasileiros desde o fim do século 19.

Em 1899, recusando-se a reconhecer a autoridade boliviana, o aventureiro espanhol Luís Galvez Rodrigues de Arias, que vivia na região, proclamou a República do Acre, exigindo sua anexação ao Brasil.

As forças armadas de ambos os países expulsaram Galvez, mas em 1902, quando os bolivianos arrendaram a área para o Bolivian Syndicate of New York, uma nova rebelião estourou. Comandados por Plácido de Castro, os brasileiros decretaram o Estado Independente do Acre.
Em 1903, por sugestão do Barão do Rio Branco, o Brasil acabou por comprar a região de bolivianos e peruanos, estabelecendo suas fronteiras atuais por meio do Tratado de Petrópolis. O Bolivian Syndicate foi indenizado e o Brasil se comprometeu a construir a Ferrovia Madeira-Mamoré, no trecho das cachoeiras do Rio Madeira, para permitir o escoamento e a exportação da borracha boliviana pelos portos de Manaus e Belém. As ferrovia foi feita, mas hoje não existe mais.

OESP, 28/09/2009, Nacional, p. A4

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