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Oxigênio para os índios Tapeba

Diário do Nordeste, p. 2
Autor: CORDEIRO, José
02 de Dez de 1995

Oxigênio para os índios Tapeba

José Cordeiro

Márcio Santilli (PMDB-SP), presidente da Funai, fundador do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), é sinal de novos tempos para a causa indígena. "Novos tempos" para a causa indígena significa, dentre outros aspectos, oxigenar a solução da problemática ao invés de asfixiá-la.
Alguns poucos tentam, através da ressurreição de velhos preconceitos, negar a existência indígena mediante a destruição arbitrária de elos histórico culturais tidos pelos próprios índios como sagrados. Infelizmente, ainda há, nos tempos modernos, aqueles que na defesa de interesses "obscuros" mas historicamente compreensíveis, ancoram seus conhecimentos na jurisprudência do extermínio. Esses portadores de um modelo de Estado autoritário e fascista defendem a idéia de que somente as instâncias superestruturais conservadoras do "status quo" detêm o direito de argumentar contra ou a favor de grupos étnicos espoliados em nome do predomínio de uma raça sobre outra ou da negação de que "sobre toda a propriedade privada pesa uma hipoteca social". É como se tal princípio da fé católica valesse apenas de "branco para branco".
No Brasil, especialmente no Nordeste, há índios identificados sob diferentes níveis de aculturação, sem contudo, perderem sua identidade original. Quando Santilli diz que no índio está a riqueza da diversidade, aponta para um dado de esperança: apesar de tudo que se continua fazendo para exterminá-lo por completo, o índio ainda resiste, mesmo aos farrapos. Continua fazendo seus artefatos de palha, mesmo que tenha que pular cercas à procura de carnaúba que um dia pertenceu aos seus ancestrais; mesmo que na morte de um cacique, como ocorreu na do Victor Tapeba, tenha que se bradar na busca de um lugar para um sepultamento honroso ao chefe. Um dia foram os verdadeiros donos de todas aquelas terras, e hoje lhes está sendo negado até um pouco de chão para que não fique no centro do antigo aldeamento de Nossa Senhora dos Prazeres de Caucaia qualquer resquício testemunhal de uma linhagem que assegura, um dos seus sagrados elos de identificação e de memória.
Para os anti-indígenas, que concebem a figura do Estado totalmente desvinculada da sociedade civil, sequer cabe aos índios se perguntarem sobre o processo de sua pauperização e reagirem em defesa de sua própria vida. Esses mesmo anti-indígenas desconhecem que se as "minorias" negras, asiáticas e hispânicas não tivesses experimentado o mesmo processo de questionamento e de reação, possivelmente o poder anglo-americano jamais teria adotado a medida chamada "affirmative action", e hoje não estariam competindo em pé de igualdade com o branco daquela Nação.
Se cabe aos anti-indígenas perguntarem, questionarem sobre a origem dos índios também esse mesmo direito é assegurado aos índios como a qualquer ser humano: de onde vieram os brancos? Esperamos que, na sua resposta, não sejam ridículos ao ponto de quererem diferenciar um índio de um não-índio simplesmente porque o primeiro optou pelo arco e não pela espingarda, na tentativa de indução da consciência, arquitetada por Aukê, fazendeiro da lenda dos índios Timbira. Ou mais: aceitar como índio todo aquele que tiver no sangue "uma quarta parte de sangue indígena". Será que existe sangue ariano? Sangue africano? Sangue Anglo - americano? O critério do sangue foi uma definição oficial adotado nos Estados Unidos na administração colonial, onde o Direito era usado para proteger os invasores e reduzir "oficialmente" o número dos silvícolas. O mesmo critério racista ameaçaram aplicar aos índios Tapebas. Aliás, os índios Tapeba já teriam sido abençoados pelos anti-indígenas inescrupulosos, caso tivessem aceito a proposta do representante do ex-SNI, já falecido, de se confinaram em colônia agrícola, manipulação de logo percebida pelo Cardeal Aloísio Lorscheider. Eis, portanto, mais um motivo de, ao cardeal os anti-indígenas não serem tão simpáticos.
Aconselha-se ao Direito manipulador conhecer os postulados antropológicos de Júlio Cezar Melatti: "O que decide se um grupo de indivíduos pode ser considerado indígena ou não, seja qual foi sua composição racial, estejam em que estado estiverem suas tradições pré-colombianas, é o fato de eles próprios se concederam índios ou não e de serem considerados índios ou não pela população que os cerca".
E impossível antever um futuro promissor para a sociedade brasileira sem passar pelo respeito ao índio, pela solução definitiva de sua problemática. Até hoje, infelizmente, vê-se na questão indígena o espelho da nossa civilização, com a violência que lhe é intrínseca, conclui Márcio Santilli em "Parabólica".

Diário do Nordeste, 02/12/1995, p. 2

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