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Os Yanomami e a nova política indigenista da Venezuela

Boletim Yanomami
18 de Out de 2001

Em entrevista ao Boletim Yanomami, a antropóloga venezuelana Nelly Arvelo-Jimenez, membro honorário da Comissão Pró-Yanomami, fala das conquistas trazidas pela nova Constituição aos povos indígenas da Venezuela e da conjuntura política de seu país
Pela primeira vez em sua história republicana, a Venezuela aprovou uma Constituição que consagra direitos específicos aos povos indígenas que vivem no país, abrindo-lhes uma nova perspectiva de futuro. Formulada por uma Assembléia Nacional Constituinte, integrada inclusive por representantes indígenas, e referendada pelos venezuelanos em 15 de dezembro de 1999, a nova Constituição reconhece aos índios direitos territoriais sobre as terras que ocupam, direitos de usufruto sobre os recursos naturais de suas terras, exceto o subsolo, entre outros.
Entretanto, apesar deste evidente avanço no trato da questão indígena no país, a antropóloga Nelly Arvelo-Jimenez, pesquisadora com trabalho entre os Yekuana do Alto Orinoco entre outros povos indígenas na Venezuela, doutora pela Universidade Cornell (1971) e integrante honorária da Comissão Pró-Yanomami, adverte para o fato de que o processo de regulamentação de vários dos dispositivos constitucionais, bem como sua aplicação, pode resultar em algum retrocesso.
Nesta entrevista, concedida ao Boletim Yanomami neste mês de outubro, Nelly Arvelo-Jimenez discute peculiaridades da conjuntura política interna trazida pela eleição do presidente da República Hugo Chávez Frias, informa sobre o processo constituinte venezuelano, traz esclarecimentos sobre o movimento indígena em seu país e propõe que o atual projeto de integração econômica entre Brasil e Venezuela não se limite ao comércio e aos investimentos em infra-estrutura, mas promova ações conjuntas em benefício dos povos que habitam as fronteiras dos dois países.
Boletim Yanomami: As mudanças políticas trazidas pelo presidente Hugo Chávez Frías resultaram em uma nova Constituição, da qual faz parte um capítulo que consagra direitos específicos aos povos indígenas. Do seu ponto de vista, o processo constituinte venezuelano foi adequado? Qual sua opinião em relação ao capítulo referente aos índios?
Nelly Arvelo-Jimenez: O processo passou por uma grande quantidade de filtros para chegar à representação dos constituintes eleitos, e, dentro desta, havia uma representação indígena das três grandes áreas do país. Por esse lado, foi adequado e o capítulo (dos direitos indígenas) é bom. Esta é a primeira e a única Constituição na Venezuela republicana que reconhece os direitos dos povos indígenas. Nenhuma constituição venezuelana anterior teve um capítulo especial para abordar a questão dos direitos indígenas. Quanto ao seu conteúdo, trata-se de um capítulo com oito artigos, além de outros artigos em outros capítulos que, de maneira indireta, favorecem os indígenas. Entretanto, nem todos os direitos ainda foram traduzidos em lei. Há duas leis que estão em processo de discussão: a Lei dos Povos e Comunidades Indígenas e a Lei de Educação Indígena. Uma terceira, a Lei dos Direitos Territoriais, Hábitats e Comunidades Indígenas, cuja comissão foi instalada há uns dois meses, vai regulamentar como será o processo de demarcação das terras. O problema é que nesse processo de regulamentação pode haver reinterpretação dos direitos contidos na Constituição e isso nos preocupa. Os oito artigos que acabaram sendo aprovados por um referendo, junto com a Constituição, foram submetidos a um intenso debate com a opinião pública e a Assembléia Constituinte. Não foi fácil aprová-los. A grande influência do presidente e dos grupos políticos que o apóiam foi decisiva para que, apesar da resistência de outros setores da sociedade nacional, fosse aprovado um capítulo para os índios.
Boletim Yanomami: Qual é a situação demográfica dos povos indígenas na Venezuela atualmente?
Arvelo-Jimenez: Há cerca de 350 mil indígenas para uma população de vinte e três milhões de venezuelanos. Entretanto, a população indígena recenseada é aquela que conserva modos de vida diferentes, ou seja, são culturalmente diferentes do comportamento da sociedade maior. Por isso, creio que o número de indígenas seja maior, mas sempre os censos estabelecem critérios externos que fazem com que nem toda a população indígena seja registrada. Nos três censos que conheço, os critérios foram recorrentemente mudados. Há um ano e meio se está preparando um novo censo (N. do R: o último foi realizado em 1992 e o próximo está previsto para 2002) e, todavia, há diferenças sobre quais vão ser os critérios.
Boletim Yanomami: Antes da nova Constituição, os povos indígenas venezuelanos não tinham direito de usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam, como no Brasil. Como será agora?
Arvelo-Jimenez: A comissão de regulamentação, recentemente instituída, deve funcionar como um diálogo entre o Estado e os representantes indígenas para determinar a metodologia que se vai utilizar, e imagino que haverá também umas disposições transitórias para casos como o dos Yekuana, em que os índios fizeram sua autodemarcação. Os Yekuana a fizeram em 1995, mas não havia mecanismo legal para garantir que todo seu território estivesse unido. A demarcação que virá pode não ser igual à demarcação que fizeram os Yekuana (leia abaixo quem são os Yekuana). Não se sabe qual a metodologia que esta comissão vai adotar para demarcar as terras indígenas.
Boletim Yanomami: Ou seja, os Yekuana gostariam de reincorporar ao território demarcado a faixa de fronteira que ficou de fora da autodemarcação de 1995...
Arvelo-Jimenez: Sim, mas pragmaticamente há um inconveniente sob o ponto de vista da segurança do Estado venezuelano e de seu conceito de soberania, já que existe uma Lei de Segurança e Defesa e eles não querem ir contra esta lei (que restringe a demarcação de terras na faixa de fronteira). Creio que terá que haver uma negociação entre os burocratas do governo e os indígenas nesta comissão regulamentadora da Lei de Direitos Territoriais, Hábitats e Comunidades Indígenas.
Boletim Yanomami: E quanto ao usufruto dos recursos contidos nas terras, são garantidos exclusivamente aos índios?
Arvelo-Jimenez: Sim, menos o subsolo. Mas apenas quando se concluir a demarcação é que se vai ter garantia de que as coisas realmente serão assim. Até agora, a única garantia aos indígenas era uma lei de reforma agrária, segundo a Constituição antiga, que dizia que os recursos do solo, os recursos naturais e as águas eram dos índios, mas em pequenos parcelamentos. Agora, é um território contínuo no qual se deveria manter este mesmo princípio. Todavia não sabemos como será na prática, pois sempre há uma margem entre o que diz a lei e sua interpretação e aplicação. Fico em dúvida, esperando para ver a prática.
Boletim Yanomami: Já é possível observar mudanças na política indigenista de Chávez com a nova Constituição?
Arvelo-Jimenez: Há um artigo na Constituição que é definitivo para marcar esta política, que diz que a Venezuela não é uma só nação nem uma só cultura, mas que a sociedade venezuelana é pluricultural e pluriétnica. E é desta premissa básica que se parte agora. Quando sair a Lei dos Povos Indígenas (o equivalente ao Estatuto do Índio, que no Brasil está há dez anos em discussão no Congresso Nacional) vamos saber como será isto na prática. Esta discussão está agora na Assembléia Nacional e não se sabe o resultado final. E há um poder que não existia antes, que é a presença dos indígenas na Assembléia Nacional: o contato do presidente com os indígenas é direto ou quase direto; ele fala com os deputados indígenas freqüentemente. São três deputados principais e três suplentes.
Boletim Yanomami: E quanto à defesa desses direitos? Há um Ministério Público com essa responsabilidade?
Arvelo-Jimenez: Sim, há um departamento especializado em defender direitos indígenas dentro da Fiscalia General de La Nación (o equivalente ao Ministério Público no Brasil).
Boletim Yanomami: Há pelo menos cinco anos, os Pemón e outros povos indígenas da Gran Sabana (região sul da Venezuela, fronteira com o Brasil) vêm exigindo compensações pela construção de uma linha de transmissão de energia ligando a Usina de Guri a Pacaraima (RR), e depois a Boa Vista (RR). Como você avalia este movimento? É algo recente na história do "protagonismo indígena"?
Arvelo-Jimenez: Não é novo, mas é sui generis por outras razões. A luta para conservar a terra indígena ou para obter reconhecimento sobre seus direitos territoriais é muito antiga, mas as estratégias dos índios têm sido diferentes. Nos séculos XVI ao XVIII, era um enfrentamento armado. No século XVIII há uma militarização e grande dizimação da população indígena que, ou aceitava as missões ou fugia. Todo o nordeste do país era habitado por populações Karib ou Kariña, que por duzentos anos lutaram contra as missões religiosas. Por causa da guerra e das enfermidades contraídas, eles se retiraram da região para o que é hoje a Guiana e para o sul da Venezuela, lugares que eram inacessíveis, ou acorreram para as missões. No século XIX, indígenas do centro, como os Kariña, apresentaram pleitos judiciais perante a corte reivindicando suas terras. Pelo menos desde os anos 60 para cá, sou testemunha de que todos os grupos indígenas estão em luta, geralmente dirigida ao governo nacional, parecida com esta agora dos Pemón, por suas terras. Essa luta institucional tem tido mecanismos como o protesto, as cartas, audiências com ministros e com o Congresso.
Os Pemón têm uma luta pendente desde os anos 70, e não foram informados das negociações para a construção da linha de transmissão. Foram à Caracas conversar com autoridades federais e souberam que havia um convênio com o Brasil que lhes afetava e que não resolvia problemas antigos, como o problema de suas terras. Por cima de suas cabeças vai passar uma coisa que não trará nenhum benefício a eles. Essas são as reivindicações Pemón: segurança de que vão ter suas terras e benefícios, pois, se não podem evitar a linha de eletricidade, que pelo menos tenham eletricidade e programas de educação e saúde.
Bolívar (estado localizado abaixo do rio Orinoco, onde vivem os Pemón, e cuja fronteira sul é o Estado de Roraima) é um estado que durante a última década foi penetrado por várias tendências de esquerda que nunca chegaram ao poder. Em 1997, usaram como desculpa os convênios com o Brasil lançando argumentos de proteção da natureza e um argumento pseudo-indigenista. Esta é minha interpretação. Ou seja, a visibilidade que a luta dos Pemón (contra a passagem do linhão em suas terras sem negociação prévia) conseguiu não é por ser indígena, se não porque há uma quantidade de políticos não-indígenas, criollos, que têm uma meta política. São gentes que leram alguns livros de conservação e outros mais de cultura indígena e que se crêem ecologistas e indigenistas. Entretanto, sabem manejar muito bem o sistema e a mídia. Esse escândalo que se tem produzido desde 1997 não é só por causa da linhão entre Venezuela e Brasil, mas também pelo "descongelamento" de uma reserva florestal (a Reserva Florestal de Imataca, localizada ao sul do rio Orinoco e a nordeste da Gran Sabana) para a exploração de ouro por um decreto do ex-presidente Rafael Caldera.
Boletim Yanomami: Esses segmentos de esquerda aos quais você se refere, estão institucionalizados de que forma?
Arvelo-Jimenez: Eles aspiravam chegar ao governo com Chávez, mas como são de extrema esquerda, saíram da coalizão que o apóia. Eles o apoiaram durante a campanha para a presidência, pois Chávez dizia em campanha que também estava contra isso, mas quando chegou ao poder, viu que não podia desfazer o acordo com o Brasil, tampouco o de Imataca, pois havia convênios com grandes multinacionais mineradoras. O que realmente não se entende é o que eles querem, que tipo de economia eles querem, pois acusam Chávez de estar com um discurso anti-neoliberal mas com um prática neoliberal. Não estou segura se alguns Pemón não teriam sido cooptados para a estratégia deles. Uma luta que é legítima, o marco das reivindicações das terras e de outras aspirações indígenas, se mistura com uma oposição política bem orquestrada, que logrou uma coordenação nacional de oposição à Caldera quando estava em seu último ano de governo. Quando chega Chávez, nomeia uma ministra indígena para o meio ambiente (Atala Uriana Pocaterra), que não fez nada. Primeiro, ela afirmou que iria desfazer o Decreto 1.850, que descongela a Reserva Florestal de Imataca, mas não o fez. Há uma luta legítima dos Pemón que está sendo contaminada por outros interesses, não se sabe se para o bem ou para o mal deles, pois o presidente Chávez, quando os indígenas tombaram várias das torres (de transmissão de eletricidade), designou o vice-presidente para negociar que logrou um acordo com a metade dos Pemón.
Mas há também pessoas de boa-fé que estão lutando com os Pemón e pela defesa do meio ambiente. No fundo, estas várias tendências (de esquerda) estão atomizadas; não são uma coisa só e não têm um programa alternativo, mas têm como premissa que é necessário a violência para se ter mudanças. Como, para Chávez, esta é uma revolução pacífica, isto não lhes agrada. Esta é uma interpretação minha, que tenho lido alguns trabalhos de alguns deles, como de Douglas Bravo, que foi um guerrilheiro famoso dos anos 60 e tem um movimento chamado Terceiro Caminho. Se sair a Lei de Povos Indígenas e for determinada a metodologia de demarcação de terras, com este instrumento jurídico se poderia resolver este problema. Mas tudo está ocorrendo num estado de turbulência política.
Boletim Yanomami: Portanto, politicamente vive-se na Venezuela uma situação de transição, caracterizada por uma certa expectativa em relação ao processo legislativo, que detalhará os direitos dos índios consagrados na Constituição, e ao próprio Judiciário, que interpretará sua aplicação.
Arvelo-Jimenez: Sim, porque este governo pode cair ou pode manter-se. É um governo totalmente diferente, com um enfoque diferente de todos os governos que já houve na Venezuela. Não é somente inovador em relação aos direitos indígenas, mas também em sua posição em relação aos grandes poderes. Chávez trata de ter alianças com outros países para usá-las como seu emblema, para lutar por uma integração latino-americana que Simon Bolívar é o paradigma. Por isso sua revolução se chama "bolivariana". Da mesma forma, há um movimento de libertação guerrilheiro na Colômbia que também tem o nome de Simon Bolívar e isso produz muitas desconfianças. Parece que Chávez pensa que nós podemos fazer o que quisermos, ainda que haja reprovação dos Estados Unidos. Assim como age internacionalmente, Chávez tem se voltado para outro tipo de aliança no plano nacional, numa luta enorme contra o que chama de as oligarquias. Ele se dirige diretamente a todos os setores oprimidos do país, sem levar em conta os setores profissionais, intelectuais, o poder econômico e também a mídia. Chávez não se dá bem com os jornalistas e por isso tem um programa de quatro horas na televisão todas as semanas, pois diz que os jornalistas fazem oposição e não dizem os resultados do que o governo faz, enfocando os problemas apenas. Realmente, não estamos acostumados a este tipo de beligerância; é um estado de constante participação política para a população, pois ele diz que sua democracia não é representativa, mas sim participativa.
Há um artigo na Constituição que diz que qualquer cidadão ou grupo de cidadãos pode propor uma lei ou uma moção de censura à Assembléia Nacional, que tem a obrigação de receber esta proposta e tomar uma decisão a respeito. Por isso tem havido tantos referendos, pois é uma maneira de envolver politicamente toda a população para que não se esqueçam que eles têm de participar no que está sendo feito. É também uma maneira de legitimar o que o governo faz, creio que contando com o percentual de gente que vota a favor de Chávez, que ganhou todas as eleições, menos uma sobre os sindicatos - Chávez quis fazer sua "revolução" penetrar a direção sindical, sob a alegação de que estava corrompida, mas não conseguiu. Com Chávez, as pessoas são obrigadas a participar da vida política, pois ele é uma pessoa que incita à participação, e para um país que estava "drogado" pelos petrodólares, agora, ser chamado a participar todos os dias, produz uma grande angústia em alguns - em geral, na classe média, que tende a ser conservadora - e em outros produz uma grande euforia - nas classes populares, que estão fascinadas com esta participação, de que sua palavra seja levada em conta e tenha peso. A classe média e os jornalistas não fazem nada em favor do governo, ajudando alguns setores venezuelanos e interesses econômicos transnacionais a criar uma desestabilização política no país. É este o quadro onde se movem os assuntos indígenas, sempre com uma grande interrogação, mas com potencial para que a coisa se consolide e aí pode haver boas mudanças.
Boletim Yanomami: Recentemente, tivemos a notícia que famílias yanomami têm cruzado a fronteira em busca de atendimento à saúde em malocas localizadas no Brasil. O que teria levado a esta situação?
Arvelo-Jimenez: Creio que este fenômeno é produto do monopólio que têm os missionários sobre os Yanomami, supostamente para protegê-los. (N. do R.: A antropóloga pega uma folha de papel e esboça um mapa da região, explicando onde ficam os povos indígenas ao sul do rio Orinoco, incluindo os Yanomami). No lugar onde fica La Esmeralda (localizada no sudoeste do estado venezuelano do Amazonas, que faz fronteira com a região próxima à Cabeça do Cachorro, no estado brasileiro do Amazonas) há um grande aeroporto e uma base militar. É a porta de entrada para missionários, sanitaristas, pesquisadores e militares ao território yanomami. Em toda esta região ao sul de La Esmeralda, sítio dos Yanomami, onde estão os rios Ocamo, Mavaca, Siapa, há várias missões, que formam um triângulo de dominação salesiana. Todos de fora que chegam aí, incluindo os médicos, são atendidos e orientados pelos Salesianos. Eles têm um grande poder na região, que é como uma couraça ao redor dos Yanomami. Sua base principal está em Porto Ayacucho, capital da Estado do Amazonas, com a qual as missões mais isoladas estão conectadas via rádio e computadores, por meio do que vivem em permanente comunicação, informando quem chega e quem vai para a área.
Em Porto Ayacucho, há um instituto de investigação biomédica financiado pelo Estado, chamado Caicet, cujo diretor, Carlos Botto, produziu em maio de 2000 um projeto de saúde para os Yanomami. Este Caicet tem uma aliança tácita com os missionários, que funciona como uma proteção política para que os missionários não obstruam seu trabalho de assistência médica aos Yanomami. Caicet é muito importante, pois faz investigações sobre oncocercose, malária e uma grande quantidade de enfermidades que afetam os índios. Eles atendem cerca de 20% dos Yanomami, o que quer dizer que cerca de 80% dos Yanomami não estão sendo atendidos, pois estão fora da área de influência direta das missões. Esta pode ser uma razão pela qual os Yanomami migram para o Brasil.
Boletim Yanomami: Brasil e Venezuela têm uma série de protocolos de cooperação assinados que versam sobre integração de mercados e infra-estrutura. O que pode ser feito para que a integração se torne benéfica aos Yanomami e às demais populações da fronteira?
Arvelo-Jimenez: Creio que o que se pode fazer agora é conversar com o Ministério da Defesa, o Ministério da Saúde e o governador do Amazonas, que é um indígena chamado Liborio Guaruya, da etnia Baré, de um partido chamado PPT, o mais extrema esquerda que existe no governo do presidente Chávez. Pessoas que pertenceram a um grupo anterior ao PPT, que se chamava Causa R, há vinte anos, inclusive um antropólogo que trabalha comigo, disse que essa gente do PPT, por princípio, nunca fará uma aliança com a Igreja. Mas eu imagino que, porque eles (os Salesianos) estão lá quase todo o século vinte, não se pode ir contra eles como prioridade, mas pouco a pouco. Se há uma área Yanomami totalmente desprotegida e seus habitantes estão vindo para o Brasil em busca de atenção médica, creio que se pode reivindicar ao governador um programa para atendê-los, podendo através dos dois ministérios estabelecer uma colaboração com o Brasil e com os postos de saúde do Brasil. Quero convencer uma antropóloga venezuelana a se encarregar da equipe de saúde, e aí é possível que isto se dê, com a ajuda dos brasileiros. Para isso, não basta só quebrar a situação em Venezuela, mas fazer uma campanha para que a vontade de integração entre os presidentes Cardoso e Chávez se concretize não apenas em acordos energéticos e comerciais, mas também em atenção aos recursos humanos que estão na Amazônia.
Uma das grandes dificuldades internas à Venezuela é o receio histórico pela segurança e soberania da fronteira entre os dois países. Nós já tentamos e conseguimos trabalhar conjuntamente quando os problemas das terras yanomami afetavam os dois países. Muitos nos aconselhavam a não envolver o Brasil, pois o problema dos Yanomami na Venezuela era um problema interno da Venezuela, e o dos Yanomami do Brasil, era do Brasil. Mas isso foi por volta de 1975 e 1979. Agora, há outro governo, outra ideologia, outra Constituição e, por suposto, há também este receio que não está vencido e temos que trabalhar contra isto. Para tanto, temos que fazer campanhas conjuntas, dos dois lados, para que a integração seja total, e não parcial.
Quem são os Yekuana
Segundo a antropóloga Nelly Arvelo-Jimenez, os Yekuana são conhecidos no Brasil como Maionkong e habitam terras vizinhas dos Yanomami no estado de Roraima. Na Venezuela, os Yekuana constituem um povo com cerca de 4 mil indivíduos falantes de uma língua do tronco lingüístico Karib. Vivem nos estados de Bolívar e Amazonas, localizados ao sul da Venezuela, na fronteira com o Brasil. "É um povo de consciência política muito acentuada e que serve de exemplo para outros povos indígenas do país", informa Arvelo-Jimenez.

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