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Os Waimiri-Atroari querem a publicação imediata de seu direito de resposta nos sites do Planalto

O Globo - https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao
Autor: LEITAO, Míriam
29 de Abr de 2020

Os Waimiri-Atroari querem a publicação imediata de seu direito de resposta nos sites do Planalto

Por Alvaro Gribel
29/04/2020 - 21:16

O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas quer a publicação imediata em sites do governo da carta de resposta dos Waimiri Atroari contra ofensas proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro. A 3o Vara Federal do Amazonas já havia decidido favoravelmente aos Waimiri, mas faltava a redação final da carta, o que aconteceu nesta quarta-feira.
Segundo o texto dos Waimiri-Atroari, que precisa estar posicionado em ícone de tela inicial em sites do governo por 30 dias, a "incitação ao desprezo pelos povos indígenas realizados pelo Sr. Presidente da República e por vários de seus ministros e assessores tem acarretado o aumento de atos de violência contra indígenas incluindo a prática de homicídios".
Bolsonaro, em vários de seus pronunciamentos, se referiu ao povo indígena como "ser menor", "desintegrado da sociedade", "que precisa evoluir", "que necessitaria deixar de ser indígena" para que pudesse ser considerado digno de respeito.
Leia abaixo a íntegra da carta:
DIREITO DE RESPOSTA DO POVO WAIMIRI ATROARI
"Com o fim de dar cumprimento à decisão proferida pelo juízo da 3ª Vara Federal do Amazoans na Ação Civil Pública no 1004416-31.2020.4.01.3200, proposta pelo Ministério Público Federal, o povo Waimiri Atroari, por meio de sua Associação, apresenta o seu direito de resposta às declarações ofensivas e discriminatórias de integrantes do governo brasileiro, sobretudo do Presidente da República.
"Antes de qualquer outra coisa, queremos enfatizar que a Comunidade Indígena Waimiri Atroari repudia e combate qualquer tipo de manifestação e/ou discurso de ódio, proferido por quem quer que seja, em especial os discursos que visem desprezar e desconsiderar a identidade dos povos indígenas do Brasil, sua autodeterminação, sua cultura, seu modo de vida, sua autonomia e o respeito aos seus direitos garantidos Constitucionalmente. Nós utilizamos o termo Kinja (lê-se Kiniá) para denominar todos os povos originários do Brasil e do resto do mundo, sem distinção. Dito isto, cabe lembrar aqui o que diz a Constituição do Brasil, em seus Arts. 231 e 232, sobre nós, os Kinja:
"Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1o São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2o As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3o O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4o As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5o É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6o São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7o Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3o e § 4o.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo."
"Infelizmente, a falta de respeito aos povos indígenas tem se intensificado em razão de uma postura do Poder Público Federal que, ao invés de cumprir seu dever constitucional em relação aos Kinja , tem se colocado, tanto em discurso quanto em atos, ao lado de nossos inimigos históricos: grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros destruidores da floresta e dos povos que nela vivem.
"Muito nos entristece e, de certo, a todos os Povos Indígenas do Brasil, saber que o Mandatário maior da Nação e vários membros do seu Governo, segundo palavras do próprio Sr. Presidente da República em vários de seus pronunciamentos, enxergam o indígena não como uma pessoa, mas como um "ser menor", "desintegrado da sociedade", "que precisa evoluir", "que necessitaria deixar de ser indígena para ser integrado ao modo de vida dos Kaminja (assim que chamamos quem não é Kinja) " para que, somente assim, pudesse ser considerado pessoa digna de respeito.
"SOMOS PESSOAS! TEMOS VIDA PRÓPRIA! TEMOS CULTURA PRÓPRIA E MUITO MAIS ANTIGA DO QUE A DOS KAMINJA (NÃO INDÍGENAS) QUE COLONIZARAM O BRASIL! TEMOS DIGNIDADE! TEMOS IDENTIDADE! QUEREMOS RESPEITO!
"Queremos e exigimos ser respeitados e queremos ter os nossos direitos constitucionalmente garantidos também respeitados por todos e, principalmente, pelo Estado Brasileiro que, por sinal, possui uma dívida impagável com todos os kinja em razão (i) de ações de extermínio deliberado da população indígena, como, por exemplo, as praticadas contra o nosso povo Waimiri Atroari ao longo do século passado e, particularmente, na década de setenta durante a abertura da BR-174, (ii) de flagrantes omissões no correto e adequado desenvolvimento das políticas públicas indigenistas e (iii) de propagação de discurso de desprezo e discriminação à nossa identidade, patrimônio e cultura!
"A situação de incitação ao desprezo pelos Povos Indígenas realizado pelo Sr. Presidente da República e replicado por vários de seus Ministros, assessores, etc., tem acarretado o aumento de atos de violência contra indígenas incluindo a prática de homicídios, como vem acontecendo com nossos irmãos Guajajara do Maranhão e Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, para citar apenas dois exemplos. Esta é uma situação que se mostra lamentável e preocupante, exigindo por parte das demais autoridades dos Poderes Judiciários e Legislativo providências urgentes e efetivas de garantia de nossas vidas !
"Falando especificamente em relação ao nosso povo Waimiri Atroari, constantemente é veiculado nos meios de comunicação manifestações do Presidente da República imputando a nós Kinja, a culpa pela falta de integração do Estado de Roraima ao sistema energético nacional, isto porque seria a Comunidade Waimiri Atroari o principal entrave para a construção da linha de transmissão de energia elétrica apelidada de "Linhão de Tucuruí", que tem em seu projeto a ligação energética de Boa Vista a Manaus atravessando 125 km no interior da Terra Indígena Waimiri Atroari com instalação de 250 torres de alta tensão. Nos causa muita revolta ver o Presidente do Brasil dizer que a Linha de Transmissão não sai por causa de achaques de OnGs quando em nenhum momento recorremos a qualquer OnG para falar em nosso nome já que, para isso, temos a nossa própria forma de organização.
"Contudo, o Sr. Presidente da República se esquece, ou nunca se preocupou em saber, que, mesmo sem nunca termos desejado a passagem da linha de transmissão por nossas terras, nunca houve, da nossa parte, qualquer medida que impedisse o projeto governamental de interligação energética. O que nós, os Waimiri Atroari, sempre exigimos e continuamos a exigir, é que seja observado e respeitado o Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada previsto na Convenção 169 da OIT, tratado internacional sobre direitos humanos que foi referendado pelo Estado Brasileiro mas que foi completamente ignorado pelo governo federal quando promoveu o leilão da linha de transmissão em 2011. O "Linhão de Tucuruí" será mais um grande empreendimento do Estado Brasileiro a nos impactar, mas o atraso que se observa em sua construção decorre exclusivamente de questões do Estado, pois o projeto, desde o início, foi impugnado pelo Ministério Público Federal, e desaprovado pela própria FUNAI, isto porque há falhas recorrentes no cumprimento das exigências legais necessárias ao licenciamento ambiental.

"O fato é que o discurso de ódio praticado pelo governo atual é responsável pelo clima de insegurança em que estamos vivendo, tendo incentivado, inclusive, certo Deputado Estadual de Roraima a liderar um comboio de várias pessoas que no dia 28/02/2020, sem qualquer autorização, seja legal, judicial ou dos Indígenas Waimiri Atroari e sem qualquer vinculação do referido Deputado com o exercício legítimo e proporcional de sua atividade de parlamentar, simplesmente INVADIRAM os limites da terra indígena e, SE UTILIZANDO DA FORÇA e munidos de uma motosserra e de um alicate tipo turquesa, ENCARCERARAM DOIS INDÍGENAS, prendendo-os dentro de uma guarita de fiscalização, DESTRUÍRAM UM MARCO DE FISCALIZAÇÃO e ARREBENTARAM UMA CORRENTE DE CONTROLE SELETIVO DE ACESSO localizados no posto de fiscalização indígena que existe dentro da terra indígena Waimiri Atroari e de lá saíram levando consigo a corrente de propriedade da Comunidade Indígena, bradando "glória" em nome do Presidente Jair Messias Bolsonaro e fazendo chacotas da situação.
"Piorando a situação, o descaso e a omissão das políticas indigenistas é tamanha que hoje, diante do quadro de excepcionalidade desencadeado pela pandemia de COVI-19 (CORONA VÍRUS), não são percebidas ações expressivas de prevenção e combate do problema em relação às populações indígenas, as quais, como vem sendo noticiado, estão a cada dia mais sofrendo demasiadamente com o contágio do COVID-19, contágio este que para nós, povos da floresta, é muito mais grave e letal do que para os não índios.
"E onde estão as políticas indigenistas do Estado Brasileiro nesse momento?
"A propósito, aproveitamos a ocasião para afastar, de uma vez por todas, as mentiras que há mais de uma década vem sendo criminosamente difundidas a nosso respeito e que precisam de melhor esclarecimento. Assim, SAIBAM TODOS QUE:
a) Não é verdade que nós, Waimiri Atroari, decidimos por nossa conta fechar a BR-174 no período noturno. Esse controle do tráfego noturno é feito desde a inauguração da estrada. Por mais de 20 anos ele foi feito pelo Exército que, depois da pavimentação da estrada, passou para nós essa responsabilidade, entregando em nossas mãos, em ato solene, as chaves dos dois cadeados.
b) Também não é verdade que cobramos pedágio dos veículos que passam por nossa terra. Isso nunca aconteceu como também nunca fizemos qualquer controle de quem trafega pela via e nunca pedimos ou exigimos documentos dos ocupantes desses veículos.
c) Outra mentira propagada nessas mensagens é a que diz que quem controla a entrada e saída de nossas terras são OnGs estrangeiras. Que fique claro para todos que a única instituição que atua em nossas aldeias é a FUNAI, que mantém os postos e todo equipamento de comunicação e é somente ela que autoriza a entrada de qualquer pessoa em nossa terra, além, é claro, de nossas comunidades.
"Para concluir, a Comunidade Waimiri Atroari e, com certeza, todos os Povos Indígenas do Brasil, pedem ao Povo Brasileiro que não acredite nas mentiras e no discurso discriminatório do Governo Federal, já reconhecido pela justiça, e procure nos ouvir para que, CONHECENDO A VERDADE, possa constatar que os Povos Indígenas são compostos por pessoas, dotadas de dignidade humana e que merecem todo o respeito como aquele que é dispensado a qualquer ser humano."

Mario Parwe Atroari
Diretor Gerente
ACWA - Associação Comunidade Waimiri Atroari

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