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Os tambores do latifundio

JB, Outras Opinioes, p.A13
Autor: TERENA, Marcos
19 de Fev de 2004

Os tambores do latifúndio

Marcos Terena
Dirigente indígena
Não há dúvidas de que somos raiz, primeiras nações do Brasil e guardiões históricos de todas as riquezas naturais, culturais e minerais destas terras e, mesmo assim, após 500 anos, temos assistido com muita apreensão à reação preconceituosa e até mesmo selvagem de grandes latifundiários e seus representantes políticos, quando nossos caciques e líderes, de posse de documentos históricos e antropológicos, decidem realizar o empreendimento natural de retomada de nossos territórios ancestrais.
Nenhum índio invadiu áreas ou vem reivindicando terras que não lhe pertença. Nenhum índio invadiu o shopping Iguatemi, apesar do nome tupi-guarani, ou o bairro de Ipanema, mas sim terras originais nas quais se encontra encurralado por latifundiários que se aproveitam da indefinição do governo federal e da morosidade da Justiça para impor suas próprias leis, até mesmo a alteração de nossos direitos conquistados na Carta Magna.
Apesar de primeiras nações e povos originais, nunca agimos em desobediência às leis impostas pelo homem branco, como o Estatuto do Índio, por acreditar na verdade da política indigenista oficial, inclusive o paternalismo e a tutela, sem perceber que isso estava anulando o potencial e a autonomia de cada uma das 230 sociedades indígenas que sobreviveram diante do desenvolvimento colonizador.
Hoje temos uma nova consciência do Brasil, através de nossa auto-afirmação como povos indígenas, apesar de relegados como um fato do passado.
Sabemos que fomos reduzidos a 350 mil pessoas que falam cerca de 170 línguas diferentes, com direitos somente a 12% do território nacional. Somos o Brasil Indígena, íntegros e verdadeiros, até mesmo nas nossas contradições e no respeito mútuo, pois sabemos que já não somos os únicos brasileiros.
O poder latifundiário e político se faz de vítima ou de aliado, quando busca atingir seus objetivos, e hoje se proclama antiíndio em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Roraima. É o mesmo que joga com a seca do Nordeste ou com as enchentes dos centros urbanos.
Não temos representação política nem voz no Congresso Nacional ou no Poder Executivo estadual ou federal, mas é lá que recentemente começaram a ecoar os velhos tambores do latifúndio contra o cumprimento da Constituição Federal, que em 1988 estabeleceu um prazo de cinco anos para que o governo federal concluísse a demarcação de nossas terras, numa guerra contra famílias inteiras que em nossas aldeias lutam pelo direito de viver.
Mesmo assim, diversas lideranças indígenas avançam na busca de um comprometimento maior do presidente Lula, estabelecendo uma mesa de diálogo para a criação de um Plano Nacional de Política Indigenista, deixando claro suas capacidades para a interlocução, gestão e condução desse processo, como alternativa para a falta de iniciativa do próprio governo, encurralado pela demanda das questões indígenas e, por outro lado, pela incapacidade gerencial da Funai.
Por fim, a demarcação de nossas terras, acoplada a um plano de ação para o fortalecimento da identidade cultural e o crescimento econômico, certamente será o maior argumento para assegurar uma qualidade de vida melhor para as futuras gerações, fortalecendo o perfil de nosso país como parte fundamental para o equilíbrio ambiental e para a paz mundial. Afinal, é lá em nossas terras que o chá medicinal do pajé não tem efeito colateral e é lá também que nossos alimentos não carecem de mecanismos transgênicos. Lá estão a água potável, a biodiversidade, os grandes recursos minerais, nossas riquezas naturais.
Marcos Terena é índio pantaneiro e conselheiro do Comitê Intertribal
JB, 19/02/2004, p.A13.

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