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Os riscos na energia

O Globo, Opinião, p. 7
Autor: VIEIRA FILHO, Xisto
03 de Fev de 2004

Os riscos na energia

Xisto Vieira Filho

O consumo de energia elétrica no Brasil cresce a taxas elevadas em relação ao PIB desde 1980. Esta tendência foi interrompida em 2001, devido ao racionamento, mas será retomada tão logo ocorra o reinício do crescimento econômico. Em qualquer hipótese de expansão da economia a partir de 2004, o país chegará ao fim da década com uma demanda maior que a oferta, exigindo novos investimentos no setor.

Com um sistema 86% baseado na geração hidrelétrica, o Brasil também corre riscos elevados de sofrer com a falta de energia devido a estiagens prolongadas.

Sem eletricidade, investimentos são postergados ou abandonados, diminui o crescimento do PIB, o nível de emprego cai e a população é obrigada a passar por inúmeras situações de desconforto.

O racionamento sai caro para o país, mas existe uma alternativa economicamente viável e adequada para evitá-lo: aumentar a participação das termelétricas na matriz energética.

Para ter o sistema elétrico ideal, de acordo com o estudo "O risco de déficit e o papel da geração térmica no Brasil: qual composição otimizada do parque gerador", realizado pela Tendências Consultoria, a participação das termelétricas deveria passar dos atuais 16% para, no mínimo, 22,6%; e dependendo da utilização de parâmetros mais realistas na comparação hidrelétrica versus termelétrica, o percentual poderia chegar a 33%.

Isto porque a tendência é de redução do preço do gás natural e aumento dos custos das hidrelétricas com transmissão a longas distâncias, além da adoção de metodologia mais justa para a tarifa pelo uso da transmissão.

Com maior participação das termelétricas, o risco de ocorrer um déficit cairia dos atuais 5% para 0,3%. Em outras palavras, atualmente planeja-se o sistema admitindo-se um racionamento a cada 20 anos, mas o mais adequado seria admitir um racionamento a cada 300 anos, o que mostra claramente os efeitos inaceitáveis de um apagão para a economia do país. A Tendências estima que cada MWh de energia racionada sai por R$ 2.670 para os brasileiros.

O sistema de geração do país foi baseado predominantemente em hidrelétricas devido às condições geográficas, sociais e econômicas do passado. Hoje, porém, o cenário é outro. Os locais propícios para a construção de hidrelétricas são cada vez mais distantes dos centros de consumo, exigindo investimentos maiores em linhas de transmissão. Pesa ainda o alto impacto ambiental desse tipo de investimento e o custo das obras e de desapropriação das terras alagadas. Isso significa que a capacidade de armazenamento tende a se reduzir nos futuros reservatórios.

A participação das termelétricas na matriz energética foi ampliada após o blecaute de 1999, para garantir maior confiabilidade ao sistema. As térmicas tornaram-se importante alternativa, também, porque sua competitividade aumentou, devido à ampliação da oferta do gás natural decorrente das recentes descobertas de novas reservas próximas dos centros consumidores.

No modelo setorial preparado pelo governo, é louvável o reconhecimento da necessidade de aumentar a segurança do sistema através de maior participação de geração termelétrica. No entanto, é fundamental equacionar-se adequadamente a comercialização de energia descontratada das térmicas que participam do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT). Não permitir a participação dessas usinas nos leilões para a expansão da oferta de energia não teria respaldo técnico e prejudicaria sobremaneira a expansão futura, pelo descrédito que tal medida traria a novos investidores, seja pela sinalização de sobrecapacidade, seja pela alteração de regras existentes.

Em resumo, as usinas térmicas evitam racionamentos. Não podemos mais perder a oportunidade de termos um modelo que dê o necessário equilíbrio e balanceamento à oferta de energia. Tudo leva a crer que, com alguns ajustes nas proposições atuais, chegaremos neste estágio.

Xisto Vieira Filho é presidente da Abraget

O Globo, 03/02/2004, Opinião, p. 7

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