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Os riscos de lotear a Amazonia

CB, Brasil, p.22
19 de Ago de 2004

Os riscos de lotear a Amazônia
FAO alerta para resultado desastroso de países que permitiram a exploração de suas florestas. Técnicos do Ministério do Meio Ambiente dizem ter estudado esses casos e que o Brasil não cometerá os mesmos erros
André Carravilla
Da equipe do Correio
Relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) faz um alerta sobre o projeto de concessões florestais que o Executivo deve enviar para apreciação do Congresso Nacional na próxima semana. O estudo, elaborado há três anos, analisa experiências desse tipo feitas por países como Nova Zelândia e Gana. A conclusão não é nada animadora: Para um grande número de casos, os resultados até agora obtidos não têm sido satisfatórios do ponto de vi sta econômico, social, ambiental e do manejo sustentável dos recursos florestais.
Os dados não surpreendem o Ministério do Meio Ambiente, que garante ter tido acesso a esse e a outros estudos sobre o tema. Os erros desses países serviram para nos orientar, diz o secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco. Desde dezembro, técnicos do ministério e representantes da sociedade civil analisaram mais de 40 experiências internacionais, detectaram falhas e preparar am uma proposta que tenta evitar os erros verificados ao redor do mundo.
Precauções
O governo tomou algumas precauções para garantir o sucesso da proposta. O projeto — que pode fazer com que até 25 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia sejam destinadas à exploração econômica — impedirá, por exemplo, que mais de uma madeireira atue em uma única área. Existe uma razão para a medida: no Peru, mais de uma empresa recebia autorização para trabalhar em determin ado local. Mas era difícil identificar culpados nas situações em que se verificou o descumprimento do contrato.
Por um bom tempo, a concessão de florestas no sudeste asiático foi feita sem nenhum critério definido. A FAO recomenda que as ações dos governos sejam conduzidas de acordo com procedimentos explícitos. Por esse motivo, no Brasil, as empresas interessadas na exploração das florestas terão que participar de uma licitação. Será escolhida a proposta que combinar os seguintes cr itérios: o maior preço ofertado ao poder concedente, menor impacto ambiental e maior número de benefícios sociais diretos.
Apropriação
A corrupção é citada pela FAO como um dos motivos do fracasso das concessões florestais em países africanos. A solução encontrada pelo ministério para driblar o problema foi delegar a mais de um órgão a tarefa de fiscalizar as empresas. Está prevista a criação do Serviço Florestal Brasileiro para garantir o cumprimento do contrato. Quanto ao Ibama, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, continuará a cuidar das questões ambientais. A medida deverá evitar irregularidades como a exploração de recursos minerais e a apropriação do patrimônio genético para pesquisa no exterior.
O deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ) desconfia que as medidas adotadas pelo governo sejam insuficientes. O parlamentar defende que o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) seja utilizado para impedir que a exploração seja predatória, seria uma forma de fiscalizar a ação das empresas por satélite. Gabeira acredita que antes de se implantar o projeto em 20% das terras da União seria necessário fazer um ou dois projetos pilotos. O que deu certo ou errado em outros países pode não se aplicar ao Brasil.
Americanos
Pela proposta, empresas estrangeiras legalmente estabelecidas no país poderão explorar os recursos naturais das florestas, mas estarão impedidas de receber a c oncessão de mais de uma área. Queremos evitar a concentração de várias concessões nas mãos de um único grupo, diz Capobianco. A hipótese de que parte do território brasileiro estaria sendo entregue a empresas americanas provoca a indignação do secretário. Seria o mesmo que dizer que a Ford ou a General Motors não podem atuar no Brasil. Ele lembra ainda que, ao contrário do que vem sendo dito na imprensa, a Amazônia não será privatizada. Não estamos vendendo nada. Da maneira que estamo s fazendo, se alguma empresa cometer uma irregularidade, ela perde a concessão.
O projeto é encarado como solução para o problema da exploração predatória da madeira e, por essa razão, criou uma situação inusitada: colocou, lado a lado, ambientalistas e madeireiras. Essa história de manter a Amazônia intocada é uma idéia atrasada. Tem que se fazer o uso sustentável da floresta, defende Ludmila Caminha, assessora de políticas públicas do WWF Brasil, uma das várias organizações não-governamentais que participaram da discussão do projeto.
Atualmente, o ministério estima que existem cerca de quatro mil madeireiras operando na Amazônia, 40% delas seriam clandestinas e 94% trabalham sem se preocupar com a preservação do meio ambiente. Com o projeto, teriam que atuar em determinadas áreas e se preocupar em explorar os recursos naturais de maneira racional. O projeto prevê que as concessões serão de até 60 anos, e os contratos renovados a cada quatro anos. As áreas onde as madeireiras devem trabalhar serão divididas em lotes. As árvores serão arrancadas um local onde as empresas só devem voltar a trabalhar anos depois, explica Capobianco.

Marina Silva fica em silêncio
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, adotou a tática do silêncio. A única declaração a respeito das concessões florestais foi dada há pouco mais de duas semanas, durante um evento em Fortaleza (CE). Ela considerou ofensiva a acusação de que o projeto el aborado pelo ministério pretende privatizar as florestas. A ministra lembrou a luta pela preservação da Amazônia ao lado do seringueiro e ambientalista Chico Mendes, assassinado em 1988. Marina só deve começar a falar do projeto quando o Congresso começar a estudar a proposta.

CB, 19/08/2004, p. 22

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