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Os rios estão doentes

CB, Brasil, p. 13
12 de Abr de 2006

Os rios estão doentes
Pesquisadores internacionais sobrevoarão o país para checar a qualidade das águas fluviais. Residente em Brasília, casal de especialistas revela que 25% dos afluentes brasileiros permanecem contaminados

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

Os rios brasileiros estão na UTI. Pelo menos 25% têm algum tipo de contaminação. Na Amazônia, os pontos de água fluvial que não são mais puros chegam a 53%. A região que mais concentra pontos de poluição em rios é a Sudeste. O panorama das nossas águas fazem parte do projeto Brasil das Águas, revelando o azul do verde e amarelo, uma publicação relevante do ponto de vista científico, editada pelo casal Gérard e Margie Moss. São pesquisadores de renome internacional que passaram mais de um ano sobrevoando o país para coletar amostras das águas dos principais rios das bacias hidrográficas brasileiras.

No total, foram coletados 1.160 pontos de água em todas as 12 regiões hidrográficas existentes no país. Desse total, apenas 40% podem ser chamadas de água pura (oligotrófico). Trinta e cinco por cento das águas têm índice de contaminação aceitáveis pelos padrões mundiais e foram consideradas "mais ou menos" (mesotrófico). Mas pelo menos 25% estão contaminados (eutrófico) e 2% estão supercontaminados (hipertrófico).

Segundo o presidente do Instituto Nacional de Ecologia, José Galiza Tundisi, a maior parte dos rios está contaminada por causa da expansão das fronteiras agrícolas, do avanço da indústria e principalmente pela ocupação irregular.

Na maioria das águas fluviais coletadas no Sudeste, há presença de metais pesados. No geral, os pesquisadores descobriram 100 pontos de poluição em lagos e lagoas, 534 em rios e 74 em açudes. "Dois dos rios mais contaminados são o Tietê, em São Paulo, e o Iguaçu, no Paraná. A indústria aparece como a maior causa dessa contaminação", explica Tundisi. A análise das águas foi realizada principalmente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Nova etapa
Agora, Gérard e Margie Moss vão pôr em prática a segunda fase do projeto. Dessa vez, não serão apenas coletadas amostras de água para análise. Além disso, a população ribeirinha será entrevistada, A idéia e verificar a impressão que eles têm do rio e como a poluição afeta o dia-a-dia de quem depende dele. Ontem, foram escolhidos os sete rios que serão estudados profundamente (veja quadro abaixo). A primeira expedição sai na segunda quinzena de maio. Dessa vez, a equipe terá cinco pesquisadores e seguirá também por terra e água. "Vamos usar duas lanchas para chegar nas comunidades ribeirinhas", explica Margie Moss.

Pelo cronograma, será realizada uma expedição por semestre. "Vamos investir mais na conscientização da população ribeirinha. Achamos que eles são a chave da preservação dos rios, principalmente na Amazônia, onde a dependência do rio é bem maior", avalia Gérard Moss. Apesar dessa importância, nenhum rio tipicamente amazônico será visitado na segunda fase da pesquisa. José Galiza Tundisi disse que é muito complicado voar na Amazônia e que a logística na região é perigosa.

Gérard Moss promete que a região será alvo de uma expedição maior, a ser realizada posteriormente. "Por incrível que pareça, as águas da Amazônia não apresentam risco de contaminação como os rios das demais regiões", ressalta o pesquisador.

A segunda fase do projeto Brasil das Águas custará R$ 1,8 milhão e será todo bancado pela Petrobras, que também investiu R$ 2 milhões na fase anterior. Além do recurso financeiro, a empresa banca todo o combustível que abastecerá o avião em toda a expedição. Para ambientalistas, o projeto do casal Moss é importante. É também uma forma de a Petrobras se redimir com o meio ambiente, já que desde 2000 ela e suas subsidiárias detém o título de maiores poluidores dos rios.

Em 2004, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou o relatório O estado real das águas no Brasil, relembrando os vazamentos de óleo históricos da empresa. Em 2001, a Justiça Federal concedeu liminar determinando que a Petrobras fizesse modificações na Estação de Tratamento de Efluentes na unidade de São Francisco do Sul (SC), para evitar a poluição do Rio Acaraí.
O NÚMERO
ÁGUA PURA
40% das bacias hidrográficas pesquisadas estão livres de qualquer tipo de contaminação
O NÚMERO
1.160 pontos de águas nas 12 regiões hidrográficas brasileiras foram coletados pelos pesquisadores

Projeto já tem dois anos

Eles não conhecem a vida urbana nem fazem questão de conhecer. A queniana Margie Moss não lembra a última vez que fez as unhas numa manicure. Seu marido, Gérard Moss, nasceu em Hong Kong, mas não tem qualquer traço de chinês. Naturalizados brasileiros, eles ficaram conhecidos em todo o país há dois anos por passarem a maior parte do tempo dentro de um avião. O objetivo era pôr em prática a primeira fase do projeto Brasil das Águas.

Até o ano passado, o casal morava no Rio de Janeiro. Com receio da violência e em busca de qualidade de vida, escolheram Brasília para viver. Desde o final do ano passado, moram no Lago Sul. "Achei a cidade maravilhosa. Se depender de mim, não saio mais daqui", diz Margie.

Sempre viajando, ela conta que não tem mais vaidade por conta do corre-corre pelos ares. "Quando preciso cortar o cabelo, vou em qualquer barbearia dos vilarejos e mando passar a tesoura", conta, rindo. As unhas são aparadas com cortadores. Só não abre mão do batom.

Cabe a Gérard a tarefa de pilotar o avião e a Margie fotografar e coletar dados. Na nova fase do projeto, ela entrevistará os ribeirinhos. Escritora e fotógrafa profissional, conta que já está acostumada a ficar bastante tempo longe de casa. "Não sinto saudade do lar. Pelo contrário, quando volto das expedições, fico com saudade da aventura", relata.

Da expedição anterior, Margie não consegue se esquecer do dia em que sobrevoou o Rio Negro. Ela conta que a paisagem era tão exuberante que ficou emocionada só de olhar. "Aquelas águas negras guardam mistérios e beleza", acredita. Dessa vez, caberá a ela explicar e apresentar em telões as imagens dos rios captadas do avião para a população ribeirinha. "Apesar de dependerem do rio, não têm idéia de como vê-lo de cima."(UC)

De olho nas águas

Veja quais são os sete rios que os pesquisadores percorrerão para avaliar a qualidade da água, a vulnerabilidade e o impacto da poluição nas comunidades de ribeirinhos

Rio Guaporé
Localizado na fronteira do Brasil com a Bolívia, é o único rio internacional selecionado para ser estudado. Com 1.300km de extensão, é apontado como rota de contrabando e tráfico de animais silvestres. Apesar de ser cercado de população ribeirinha, ainda é bastante preservado e tem enorme potencial turístico.

Rio Verde
Fortemente ameaçado pela expansão da soja no Mato Grosso, esse rio ainda tem matas bastante preservadas. Faz parte da Bacia Hidrográfica da Amazônia e tem cerca de 300km de extensão. Não tem nenhum porto, nem hidrelétrica, e passa por apenas duas cidades, o que facilitará sua preservação. Não é totalmente navegável.

Rio Araguaia
Primeiro a ser pesquisado, é apontado hoje como um dos principais potenciais turísticos do país, quando se fala em praias de rio. Apesar da procura bastante intensa, ainda é preservado. Nasce em Goiás e responde por boa parte da bacia hidrográfica do Centro-Oeste. Desemboca na bacia Amazônica entre o Pará e Tocantins e tem mais de 2.000km de extensão.

Rio Grande
Afluente do Rio São Francisco, nasce em Goiás, mas quase todo percurso se dá na Bahia. Rio de cerrado, também é ameaçado pelas fronteiras agrícolas da soja. É navegável em quase toda sua extensão, mas os comandantes de navios temem o fundo rochoso com pedras pontiagudas que costumam perfurar cascos de embarcações.

Rio Miranda
É muito utilizado para escoar a produção agrícola do Mato Grosso. Afluente da margem esquerda do Rio Paraguai, percorre o Pantanal, onde suas águas se espalham. É ameaçado por plantações de arroz irrigado, pecuária extensiva, além de esgotos não tratados. Tem aproximadamente 400km de extensão.

Rio Ribeira
Um dos rios que mais sofre com a ação predatória do homem. Poluído, ele corre no estado de São Paulo e deságua no Oceano Atlântico. Na foz, os pescadores reclamam da redução da quantidade de água e da escassez de peixes. Pode ser salvo porque é o único rio paulista que não é represado.

Rio Ibicuí
Principal rio dos pampas gaúchos, é pouco navegável e está seriamente comprometido pelo cultivo de arroz. A poluição ao longo dos seus 300km de extensão aumenta a cada ano. Por conta disso, será um dos rios mais estudados pela equipe de pesquisadores.

CB, 12/04/2006, Brasil, p. 13

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