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Os perigos da soja clandestina

CB, Economia, p.10
29 de Fev de 2004

Os perigos da soja clandestina
Produtividade 25% maior faz que cultivo de grão geneticamente modificado seja considerado irreversível por especialistas. Mas proibição levou à importação de sementes piratas, que podem criar novas pragas
Arnaldo Galvão
Da equipe do Correio

O debate em torno do cultivo de soja transgênica já criou muita polêmica e uma grande queda de braço entre os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e do Meio Ambiente, Marina Silva. Rodrigues é a favor da liberação, Marina é contra. Um usa como argumento a competitividade do produto geneticamente modificado e as pesquisas feitas pela Embrapa - favoráveis à soja transgênica. A outra quer mais tempo de análise, preocupada com os possíveis efeitos maléficos sobre o meio ambiente.
No meio da polêmica e do fogo cruzado estão os produtores do grão e de seus subprodutos – farelo e óleo -, que no ano passado responderam por US$ 8,12 bilhões em exportações. Especialistas argumentam que o cultivo da soja transgênica é irreversível no Brasil. 0 motivo é simples: o grão modificado permite uma redução de 25% no custo de produção e seu plantio é mais fácil e rápido.
De acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, essa enorme competitividade dificilmente será mantida se o Brasil continuar tratando como tabu a biotecnologia e a modificação genética dos seus principais produtos do agronegócio. Para continuar garantindo custos menores de produção, combatendo doenças e pragas, o pior caminho seria evitar a pesquisa científica.
Apesar de a lei proibir o cultivo de organismos geneticamente modificados no Brasil, medidas provisórias vêm tolerando uma situação que já se consolidou no Rio Grande do Sul. Naquele estado, segundo informações do Ministério da Agricultura, a soja transgênica representa 60% da colheita. Isso significa 2,2 milhões de hectares plantados ou 5,5 milhões de toneladas do grão.
Quase toda soja transgênica planta no Rio Grande do Sul foi "pirateada" da Argentina. 0 presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, (Farsul), Carlos Sperotto, confirma que a soja trazida de maneira irregular do país vizinho mudou o perfil da lavoura gaúcha. "Como ela é mais antiga, tinha mais pragas e custo maior para o agricultor. Mesmo assim, a novidade tecnológica facilitou o plantio e reduziu os custos", justificou.
Quem conhece a rotina do agronegócio garante que a soja transgênica já se espalhou por onze estados brasileiros. João Lenine Bonifácio e Sousa, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (Abrasem), também reconhece que a produção de soja transgênica iniciada de maneira irregular há sete anos, é irreversível.
Mas ele chama atenção para os riscos do plantio clandestino. Variedades híbridas de vegetais (cultivares) estranhas ao nosso ambiente podem trazer novas pragas ou doenças que já foram eliminadas no Brasil. "Importar uma planta exige quarentena e estudos sobre o valor do cultivo e do uso. O processo leva cerca de dois anos. Cada cultivar tem características próprias de adaptação a um ambiente", explica Sousa.
Esse tipo de descontrole é que preocupa, com razão, os ambientalisas. O problema, segundo especialistas, é como está se tentando combater a questão. Na opinião deles, o ideal não é proibir a pesquisa, que leva diretamente ao caminho da pirataria, mas permiti-la de forma controlada. 0 Ministério do Meio Ambiente, contudo, não quis se pronunciar sobre o assunto, apesar de ter sido procurado por duas semanas pela reportagem.
Descontrole
0 presidente da Abrasem planta nove mil hectares de soja convencional para a produção de sementes e aguarda a liberação definitiva da comercialização da soja trangênica para oferecer esse produto. Diz que se isso não ocorrer rapidamente, ficará difícil competir com a soja pirata. "Não podemos deixar o país cair no descontrole que existe no Rio Grande do Sul, onde a pesquisa e a indústria de sementes estão acabadas", alerta.
Os ganhos de produtividade que a soja brasileira conquistou foram desenvolvidos há muito tempo, graças a constantes pesquisas, geralmente lideradas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). "Não podemos jogar fora nossa experiência", afirma o presidente da Abrasem.
0 presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), Ywao Miyamoto, diz que em todo o mundo a biotecnologia reduz custos para os produtores agrícolas. Mas admite que, no futuro, o país pode perder competitividade sem o desenvolvimento de variedades mais adaptadas às nossas condições. As pesquisas de campo
estão atrasadas. Miyamoto alerta para o perigo da ferrugem asiática que vem atormentando produtores em todo o país. Um litro do fungicida para cada hectare custa R$ 200. E o mesmo preço do adubo.
"Levamos 40 anos para controlar nossas sementes e corremos o risco de perder tudo com esse descontrole da soja transgênica clandestina. A cada três ou quatro anos é necessário renovar as sementes com novas pesquisas para evitar doenças. Essas pesquisas dependem do pagamento de taxas de licenciamento", explica Miyamoto.
A SOJA
Foi responsável por

das exportações brasileiras em 2003
As sementestransgênicas permitemredução de

nos custos de produção
Segundo o Ministérioda Agricultura,

da soja plantada noRS é geneticamentemodificada
As perdas com a ferrugemasiática atingiram
US$ 500
MILHÕES
no Mato Grosso em 2003

Vantagens com atraso
Enquanto a soja transgênica não é liberada - ou proibida - em definitivo, produtores que continuam cultivando o grão convencional reclamam da falta de acesso aos benefícios que os agricultores gaúchos já desfrutam. 0 superintendente da Fundação Mato Grosso, Dario Hiromoto, afirma que proibir a soja transgênica é retardar a chegada de várias vantagens para o produtor. Ele cita três: incorporação de áreas marginais, integração com a pecuária e ampliação do plantio direto. "Para o produtor gaúcho, a soja transgênica foi uma revolução. Facilitou tanto o manejo que áreas marginais voltaram a ser cultivadas. Eles estavam descapitalizados e não tinham como arcar com os altos custos da cultura convencional. Esse é o diferencial', reconhece.
0 dirigente da Fundação Mato Grosso, entidade privada de pesquisa no setor agropecuário, defende a liberação controlada da soja transgênica como forma de preservar a competitividade. Isso porque o custo dessa cultura é menor que o da convencional. "A ferrugem asiática trouxe perdas de US$ 500 milhões às culturas de soja somente no Mato Grosso. Sem pesquisa e sem engenharia genética, a produção vai quebrar. Não basta a soja transgênica. É preciso ter estratégia para preservar e desenvolver a cadeia produtiva da soja", adverte Hiromoto.
Embrapa
Geraldo Eugênio de França, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, informa que há uma pesquisa de cinco anos no desenvolvimento de cultivares de soja geneticamente modificada resistentes ao glifosato, herbicida de amplo espectro que mata ervas invasoras e facilita o plantio direto: A empresa americana Monsanto, dona da tecnologia, terá direito a uma parcela dos royalties.
A Embrapa cobra royalties de 4% a 5% dos produtores e comercializadores de sementes. A empresa tem dez cultivares registrados no Ministério da Agricultura. Com eles, produz sementes transgênicas resistentes ao glifosato que poderão estar disponíveis no segundo semestre de 2006.

CB, 29/02/2004, p.10

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