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Os pequenos viloes da lavoura

JB, Pais, p.A5
02 de Jan de 2004

Os pequenos vilões da lavoura
No ano em que os transgênicos tomaram a mídia, fungos causaram perdas de até 75% na safra de soja do Brasil

Adriana Freitas

Durante o ano de 2003, o debate na área da agricultura girou em torno de um tema principal. O Congresso, a imprensa e o meio científico discutiram à exaustão a produção de alimentos geneticamente modificados. Enquanto os transgênicos tomavam a mídia, outro problema, tão antigo quanto a própria agricultura, seguia causando prejuízo nas plantações: as pragas.
Nas duas últimas safras de soja - cereal cuja produção mais cresce no Brasil -, as lavouras tiveram perda de 30% a 75%. O vilão é um fungo chamado ferrugem, de origem asiática, prova irrefutável da necessidade de um controle mais rígido na importação de sementes e mudas. No Brasil, contudo, muitos insumos continuam cruzando as fronteiras ilegalmente.
No caso da soja, as áreas cultivadas estavam abertas ao ataque porque não foram preparadas para evitar a ação do fungo - a receita inclui três pulverizações ao longo do ano. Os prejuízos de Estados como Bahia e Minas Gerais, grandes produtores de soja, são incalculáveis. E o futuro não parece animador. Como muitas fazendas ainda não usam o agrotóxico adequado, especialistas acreditam que a alta incidência da ferrugem persistirá na safra de 2003-2004, estimada em 58,763 milhões de toneladas.
A agrônoma da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Marta Sabo Aguiar explica que as pragas podem ser fungos, vírus, vermes, insetos ou ervas daninhas. Especializada em quarentena (iniciativas para evitar entrada de pragas no país), Marta lembra que, desde 1996, o Ministério da Agricultura faz o estudo de análise e risco de pragas em mudas, sementes e produtos agrícolas que entram no Brasil. Para lidar com essa ameaça, o ministério segue as regulamentações da Organização Mundial do Comércio e da Diretiva do Comitê de Saúde do Cone Sul.
- Nosso grande desafio hoje é lidar com as pragas que entram aqui de forma fraudulenta. Em viagens internacionais, as pessoas trazem plantas e sementes nos bolsos e na bagagem. Como a alfândega faz fiscalização por amostragem, muita coisa entra. Pelo correio, sementes chegam ao país sem fiscalização - lamenta a agrônoma, autora do livro Fungos de importância quarentenária para frutíferas de clima temperado no Brasil, lançado recentemente.
No livro, ela mostra espécies inexistentes no país que causariam estrago considerável se aqui chegassem. Em todo o planeta, a literatura científica já catalogou 4.500 tipos de fungos.
- Na Europa, o cancro da batata destruiu de 20% a 60% das lavouras. Se vier para cá, atingirá as plantações na mesma proporção - alerta.
Também no Velho Continente, o cancro da maçã exterminou uma espécie de macieira, que hoje não existe mais em nenhuma parte do mundo. Para esta praga, não existe agrotóxico.
- No Brasil, o cancro causaria um estrago gigantesco, pois sua espécie de macieira hospedeira é a mais utilizada por aqui - avisa Marta.
Por todos os lados, as ameaças rodam nossas fronteiras. A Venezuela sofre hoje com uma infestação da mosca da carambola, que ataca plantações de frutas. No Brasil, há um perigo iminente: na Região Norte, o fungo sigatoka negra se espalhou pelas bananeiras. A medida de segurança do Ministério da Agricultura foi evitar a circulação dessas bananas no resto do país.
Para Marta Sabo, um dos melhores antídotos contra as pragas é a técnica do controle integrado, aliando agentes biológicos - como o fungo que destrói o gafanhoto em diversas plantações em Mato Grosso - e o plantio respeitando um calendário específico.
- Cada vez mais, os mercados exigem alimentos sem pragas, sem resíduos de agrotóxicos e não-transgênicos. Se o Brasil conseguir alcançar essa meta, vai se tornar mais competitivo no mercado internacional.
A circulação ilegal de plantas, no entanto, ocorre também no caminho inverso, do Brasil para o exterior. Para acabar com esse comércio irregular, o Senado aprovou, em novembro, a realização de estudos de medidas legislativas para evitar a biopirataria na Região Amazônica. Os estudos devem ser feitos no âmbito da Subcomissão da Amazônia, da Comissão de Relações Exteriores (CRE).
Um dos defensores da idéia, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) alega que são freqüentes as ações de biopirataria, como o envio ilegal de frutos, essências, madeiras, folhas e sementes ao exterior, para produzir alimentos e cosméticos.
- Essas práticas são altamente lesivas aos interesses brasileiros, porque abrem caminho para o patenteamento internacional das riquezas amazônicas - critica Virgílio.
No relatório dirigido à CRE, o senador Jefferson Péres (PDT-AM) lembrou que o tráfico de plantas e animais constitui a terceira atividade criminosa internacional mais lucrativa, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas. Segundo ele, a biopirataria tem estreita ligação com setores lícitos da economia, patrocinada por conglomerados industriais de países desenvolvidos:
- Laboratórios e outras indústrias nos países desenvolvidos enriquecem com os direitos pagos pelas patentes de produtos tipicamente amazônicos, enquanto as populações da região permanecem na miséria.

JB, 02/01/2004, p. A5

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