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Os peixes que nadam nas águas da discórdia

O Globo, Rio, p. 28
29 de Abr de 2007

Os peixes que nadam nas águas da discórdia
Projeto do Ibama que transforma Cagarras e outras ilhas em monumento natural, com proibição da pesca, divide opiniões

Tulio Brandão

O Arquipélago das Cagarras e as ilhas Redonda e Filhote, com seus entornos marinhos, e as ilhas Tijucas estão a um passo de se transformar num paraíso protegido. O Ibama realiza na próxima quarta-feira a última consulta pública antes de transformar a área em monumento natural, uma unidade de conservação que estimula o turismo contemplativo, mas proíbe todo tipo de pesca, inclusive a artesanal, e a caça submarina esportiva. A idéia da proteção integral, no entanto, divide os cariocas. Do lado conservacionista, estão o próprio órgão federal, ambientalistas e uma parte da comunidade científica; de outro, na defesa do "uso sustentável", caçadores submarinos, pescadores artesanais e outro grupo de pesquisadores.

O coordenador técnico da proposta do Ibama, Breno Herrera, explica a proibição da pesca: - As ilhas e seus entornos têm uma enorme diversidade de espécies. A medida criará uma importante zona de exclusão de pesca, para a recuperação de peixes que escassearam naquela região.

Caçador submarino sugere outro tipo de fiscalização
A idéia, diz Breno, é transformar as ilhas num paraíso ao alcance da contemplação do carioca e das pesquisas de universidades:

- Estimularemos um aumento do turismo contemplativo e da atividade científica.
Enquanto o Rio discute a construção de um aquário, vamos tentar proteger um aquário natural. Isso afetará a pesca subaquática, mas muitas espécies que escassearam por causa dessa atividade, como o mero e a garoupa, ganharão espaço com a medida.

Breno encontra resistências. Para o caçador submarino Francisco Loffredi, de 34 anos, que representou o Brasil em três copas do mundo da modalidade, os peixes que o Ibama quer proteger não nascem nem moram nas ilhas:
- Os meros, por exemplo, vivem em lajes mais profundas, que não são protegidas.

Se a real intenção é proteger a fauna da ilha, o Ibama tem que ir atrás da pesca de compressor, de espinhel e fiscalizar mercados de peixe.

Loffredi diferencia o caçador submarino esportivo do profissional.

- Quem pratica por esporte desce na apnéia e pega o peixe que come. O volume pescado em eventos de caça submarina num ano é menor do que o obtido numa saída de barco profissional. Eu, que como o peixinho que caço, serei prejudicado por pessoas que adquirem, em mercados, o camarão trazido em arrasto proibido.

Pescadores artesanais também gritam contra a proibição.

Para a colônia Z-13, a renda dos pescadores vai despencar sem os peixes das ilhas do Rio.

Especialista defende preservação integral
Algumas descobertas, no entanto, reforçam a versão conservacionista. A única foto no Brasil de um raro peixe-canivete (Equetus lanceolatus) foi feita pelo fotógrafo Carlos Secchin.

Ele defende o mergulho contemplativo naquelas águas:
- Ganhando um parque marinho, a cidade vai receber também o tipo ideal de visitante: consciente, informado, esportivo e disciplinado.

Gustavo Nunan, pesquisador de ictiologia (ramo da zoologia que estuda os peixes) do Museu Nacional, da UFRJ, diz, num parecer técnico, que "o conjunto de ilhas compõe uma área de grande interesse científico nacional, que deve ser preservada integralmente." No texto, ele relata que "o panorama atual é de completo desrespeito à integridade ambiental, sendo as ilhas utilizadas muito mais como ponto de pesca comercial e esportiva do que para atividades menos predatórias."

Já seu colega Guilherme Muricy, professor adjunto do Laboratório de Poríferas (esponjas e outras espécies com poros) do Museu Nacional, acredita ser possível liberar uma das áreas das ilhas para a pesca. Sua equipe pesquisa esponjas nas Cagarras desde 2002.
Encontrou lá mais de 40 espécies, das quais três novas para a ciência - Protosuberites sp, Clathria sp e Leucandia sp - e outras três com propriedades farmacológicas valiosas:
- Ainda assim, sou a favor da liberação da pesca na parte externa das ilhas. É importante até para avaliar o impacto da atividade na área.

O Globo, 29/04/2007, Rio, p. 28

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