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Os outros Chicos: quinze anos apos a morte do lider Chico Mendes, a medo ainda ameaca os defensores da Amazonia

Isto E, Ciencia, Tecnologia & Meio Ambiente, p.110-111
17 de Dez de 2003

Os outros chicos
Quinze anos após a morte do líder Chico Mendes, o medo ainda
ameaça os defensores da Amazônia

Darlene Menconi – Pará

 

Ao tombar no chão de sua casa, vítima de um tiro disparado por um fazendeiro, Chico Mendes deixou duas viúvas e órfãos os três filhos e mais os três mil trabalhadores rurais que liderava em Xapuri, no Acre.Há exatos 15 anos, ele viviaacuado por organizar cooperativas de seringueiros e reservas para deter a exploração predatória da Amazônia. No Exterior, era um símbolo da luta pela preservação da Amazônia. Quando morreu, o Brasil notou que Chico Mendes era mais famoso lá fora do que aqui.
Para retratar a vida do líder seringueiro, o jornalista carioca Zuenir Ventura foi quatro vezes ao Acre. O que mais me impressionou quando estive lá, logo depois do assassinato, foi o medo geral nas relações sociais e a sensação de impunidade, que fazia as pessoas andarem armadas na rua”, conta Ventura. O repórter retornou ao Acre dois anos após o crime e, de novo, em 2003 para redigir Chico Mendes – crime e castigo (Companhia das Letras, 248 págs., R$ 33,50). O jornalista evitou endeusar Chico Mendes. Revelou alguns de seus defeitos, como a bigamia. O maior ambientalista brasileiro era casado com Ilzamar Mendes, embora não fosse separado da primeira mulher. O Acre avançou. Os interesses conflitantes hoje são resolvidos com diálogo, não mais à bala”, resume.
A herança de Chico Mendes correu o mundo como uma história de amor em defesa dos que sobrevivem da floresta. O medo de ser vítima da próxima emboscada, porém, é um legado que só não chegou aos locais mais inóspitos da mata. Em Ipiranga, uma comunidade tão pequena que nem sequer está no mapa oficial do Pará, só as margens do rio Guajará são plácidas como no Hino Nacional. O rio faz divisa com as cidades de Prainha e Porto de Moz, onde os moradores se reúnem em segredo, assustados, para reivindicar a criação de uma reserva extrativista para frear o ímpeto dos madeireiros e fazendeiros que avançam na região conhecida como Baixo Xingu. Ali estão os maiores índices de violência do Estado. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, o Pará reúne quase a metade das mortes no campo em 2003.
Um caso emblemático foi de Ademir Alfeu Federicci, o Dema, assassinado aos 42 anos, dentro de seu quarto, em Altamira. Líder sindical e coordenador do Movimento para o Desenvolvimento da Transamazônica e do Baixo Xingu, Federicci foi comparado a Chico Mendes nas páginas do jornal americano The New York Times. No Brasil, seu nome épouco conhecido. Para a Justiça, sua morte foi resultado de uminfeliz latrocínio. O assassino confesso está preso, o que maisquerem apurar nesse caso?”, questiona Seno Petri, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A viúva Maria da Penha, de 34 anos, sustenta os quatro filhos do casal com a renda da colheita de cacau e alguns proventos que recebe dos movimentos sindicais. Seu marido denunciou tantas irregularidades que é difícil precisar o estopim que lhe custou a vida. Federicci delatou a ocupação ilegal de terras, o narcotráfico e os riscos da construção da hidrelétrica de Belo Monte, que o governo petista promete retomar. A última carta foi o que pegou”, ela conta, com os olhos azuis rasos dágua. O Dema apoiava a fiscalização do dinheiro desviado da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam)”, lembra. Tudo o que ele quis foi organizar os trabalhadores para implantar o manejo coletivo de madeira e a agricultura familiar, sem agressões ao meio ambiente, mas as áreas foram griladas por quem só pensa em lucro fácil”, diz a viúva.
A imigração descontrolada de outros Estados é um dos motivos dessa violência toda”, explica o deputado Josué Bengtson (PTB-PA), um dos integrantes da CPI aberta no Congresso Nacional na terça-feira 9 para investigar crimes relacionados a questões fundiárias. Presidente da CPI da Terra, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) diz que casos de violência no campo, invasões rurais e urbanas não são exclusivas de uma única região do País. Embora a CPI da Terra tenha como objetivo investigar as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o senador Dias espera com a comissão parlamentar de inquérito começar a radiografar os casos de violência nos rincões do País. Quem sabe assim se consegue evitar a morte de outros Chicos Mendes, cujos gritos parecem mudos em território nacional, mesmo quando são alardeados com megafones pelos quatro cantos do mundo.

Mito: livro retrata a saga de Mendes, o seringueiro bígamo (ao centro), cujos ideais também custaram a vida de Federicci (à dir.)

Isto É, 17/12/2003, p. 110-111

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