VOLTAR

Os novos desbravadores

Veja, Economia e Negócios, p. 80-83
19 de Jan de 2005

Os novos desbravadores
O agronegócio inverte o sentido das migrações brasileiras: agora se vai do Sul e do Leste para o Norte

Monica Weinberg, de Buritis

O comportamento data da Idade da Pedra. Ao abandonar sua caverna para partir em busca de caças mais fartas e climas menos hostis, o homem primitivo perseguia o mesmo sonho do migrante moderno: conquistar uma vida melhor. A busca pela prosperidade foi a principal causa dos grandes deslocamentos populacionais - da conquista do Oeste americano no século XIX ao êxodo europeu em direção aos Estados Unidos na virada do século XX. Segundo a Divisão de Populações da Organização das Nações Unidas, 90% dos atuais 175 milhões de imigrantes espalhados pelo mundo decidiram trocar de país com o objetivo de progredir financeiramente. Os 10% restantes representam a parcela dos que não tiveram escolha: foram expulsos da terra natal vítimas de catástrofes naturais, guerras ou perseguições políticas. No Brasil, o maior fenômeno migratório ocorreu nas últimas décadas do século XX, quando milhões de brasileiros deixaram os grotões de pobreza nordestinos para tentar a sorte nas capitais industrializadas do Sul e do Sudeste. Hoje, o que se detecta é uma inversão desse movimento: os novos migrantes agora sonham em fazer riqueza no Norte e no Centro-Oeste.

No fim do arco-íris que magnetiza esses aventureiros, está o agronegócio, setor que movimentou 458 bilhões de reais em 2003 e que se transformou no principal motor da atividade econômica brasileira. Pesquisa do IBGE revelou que, na Região Norte, a população chegou a crescer a um ritmo 80% mais veloz do que a média nacional. "O fato de as taxas de fecundidade estarem em queda na região autoriza a conclusão de que esse aumento se deve, sobretudo, à imigração", diz Luiz Antonio Oliveira, o chefe da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE. Dos vinte municípios com o maior crescimento demográfico listados pela pesquisa do IBGE, apenas dois - Palmas, a capital do Tocantins, e Águas Lindas de Goiás, na periferia de Brasília - oferecem outro atrativo que não a possibilidade de exploração da agricultura e da pecuária.

A cidade de Buritis, em Rondônia, é, entre os 5.560 municípios brasileiros, o que mais recebeu migrantes nos últimos tempos - 90% deles vindos das regiões Sul e Sudeste do país. Até o início da década de 90, a cidade não passava de um povoado de 2.500 habitantes - luz elétrica lá era artigo raro. Hoje, ela concentra quase 50.000 pessoas, um número vinte vezes maior. Como a maioria das cidades do Norte e Centro-Oeste que vêm se transformando em pólos de imigração, Buritis tem como atrativo terras de boa qualidade a preços mais baixos. Um hectare ali sai pelo menos cinco vezes mais barato do que a média de mercado no Brasil. Além da pecuária, as principais atividades giram em torno da plantação de café, cacau, arroz e, mais recentemente, soja. O contador Pedro Maifrede, de 48 anos, é um dos pioneiros na cidade. Ele vivia de um pequeno comércio de secos e molhados em Vila Velha, no Espírito Santo. Em 1992, mudou-se para Buritis animado pelas notícias de parentes que o haviam antecedido na aventura e que descreviam a cidade como "o novo eldorado". "O que encontrei ao chegar foi um cenário de faroeste", lembra ele. "Mas logo vi que dava para crescer." Maifrede montou uma pequena serraria e passou a investir todo o lucro em terras. Hoje, é um dos maiores proprietários da região - cria gado e planta café para exportação. Com a mulher, Sirlei, e os dois filhos, mora em uma bela casa com piscina. Diz que, às vezes, sente "saudade da civilização". "Aí, pego um avião, tomo banho de mar na Bahia e volto", diz. "Aqui é melhor para os negócios."

No Brasil, o primeiro grande movimento migratório em direção ao interior deu-se em 1930. Centenas de milhares de brasileiros receberam terras do governo distribuídas pelos programas de colonização que visavam a ocupar o Centro-Oeste. Nos anos 70 e 80, uma nova leva de brasileiros, estimulada por incentivos oferecidos pelo governo militar, rumou em direção à Amazônia, então praticamente deserta. Áreas como as de Rondônia, Pará e Mato Grosso começaram a ser desbravadas nessa época. Só a população de Rondônia aumentou a taxas de 16% ao ano no período. A atual corrida para o Norte e Centro-Oeste brasileiros traz duas diferenças em relação aos movimentos migratórios anteriores. Uma é que, pela primeira vez, ela faz com que a taxa de crescimento populacional do Norte e do Centro-Oeste supere as das regiões Sul e Sudeste. A outra é que a mola propulsora dessa migração, desta vez, é, sobretudo, o mercado - e não o incentivo governamental. "Os imigrantes modernos são empreendedores dispostos a correr riscos com o objetivo de se tornar donos do próprio negócio", diz o economista Marcelo Neri, chefe do centro de políticas sociais da Fundação Getulio Vargas, que tem um estudo sobre o assunto.

O paranaense Florêncio Kister, 63 anos, desembarcou em Buritis há três anos, com a mulher e os seis filhos. "Botei a casa e a família num caminhão e vim." Com o dinheiro que juntou com a venda de seu sítio na cidade de Assis Chateaubriand, Kister comprou dez vezes mais terra em Rondônia. Plantou milho, arroz e, agora, está investindo na soja. "Choramos de saudade de nossa terra, sofremos com o calor, mas o sonho de ganhar dinheiro nos segura em Rondônia", diz. Como ocorre em outros municípios brasileiros que despontaram com o agronegócio, Buritis começa a ver brotar na paisagem uma série de serviços tipicamente urbanos que surgem conforme a cidade vai formando sua classe média. Atualmente, o município tem escola de inglês, três lojas de informática, três cibercafés e uma demanda crescente por artigos de luxo. A loja de construção da família Rosso, por exemplo, aberta em 1998, até o ano passado nunca havia vendido uma banheira de hidromassagem. "Só no último ano, já saíram sete", diz a proprietária Lúcia Rosso, 47 anos. Gaúcha, ela e o marido, Ademir, chegaram a Rondônia com 20.000 reais no bolso e um caminhão. O carro foi por algum tempo a única fonte de renda do casal. Ademir, que trabalhava no Sul como agricultor, passou a fazer frete de gado. Hoje, sua loja de construção fatura 150.000 reais por mês. Ele e a mulher orgulham-se de pertencer à elite buritiense. Como presidente do Rotary Club, volta e meia reúne fazendeiros e comerciantes para churrascos beneficentes. Os convidados chegam a bordo de caminhonetes importadas e as mulheres, vestidas de longo.

Até a divulgação da pesquisa do IBGE, Buritis era mais lembrada por suas mazelas. O saneamento básico é sofrível e as ruas não têm asfalto. A cidade é alvo da extração ilegal de madeira e palco de freqüentes conflitos de terra. Os sinais de que uma nova fase começa a se consolidar, no entanto, estão por todos os cantos. O aumento da demanda por bons serviços, por exemplo, fez com que a prefeitura anunciasse salários de 9.000 reais para pediatras e ginecologistas. Numa cidade cuja taxa de crescimento populacional está na casa dos 30% ao ano, esse tipo de profissional vale ouro.
Para este ano, as perspectivas para o agronegócio não são exatamente animadoras. Como resultado da supersafra nos Estados Unidos, o valor da soja despencou no mercado internacional. A alta nos preços do petróleo (matéria-prima para fertilizantes) e do aço (necessário para a produção de máquinas agrícolas) no mercado mundial também deverá ter conseqüências amargas para os produtores: os custos da lavoura subiram em torno de 20%. Para piorar, a desvalorização do dólar ocorrida nos últimos meses promete reduzir ainda mais a renda dos agricultores que exportam seus produtos.

As notícias preocupam Buritis, mas não abalam a confiança dos migrantes que cortaram o Brasil atrás de uma chance de subir na vida. Esses preferem espelhar-se em exemplos como o do mineiro Júlio Maria. Hoje com 57 anos, ele saiu da condição de empregado de roça em Ipanema, sua cidade natal, para proprietário de terra, em Buritis. Hoje produz café orgânico para exportação e fala do futuro com o otimismo dos que tiveram coragem de mudar de cidade, profissão e vida em troca de um sonho. "Cheguei aqui com umas sacolas na mão e a roupa do corpo", lembra. "Já progredi bastante. Mas ainda vou ficar rico."

A soja não suja
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou na semana passada um estudo que joga por terra uma velha bandeira ambientalista - a que culpa a soja pela devastação da Amazônia e de regiões do cerrado. O trabalho conclui que não se pode responsabilizar a proliferação do plantio de grãos pelos estragos ao meio ambiente e exibe uma conta simples para defender essa tese. De acordo com dados do IBGE, a explosão da soja se deu nos últimos três anos, período no qual o crescimento anual das áreas cultivadas foi de 14%. Seria, portanto, matematicamente impossível que a soja tivesse se espalhado à custa do desmatamento, uma vez que só o preparo da terra virgem consome cerca de cinco anos. Apenas depois disso é possível iniciar o plantio, sustenta o estudo. "Fica claro que não daria tempo para desmatar", diz o economista Gervásio de Rezende, coordenador da pesquisa. "A proliferação da soja se deu basicamente em terras já devastadas, onde se praticava a pecuária." Ao utilizar as terras usadas para a criação de gado, os produtores de soja obtêm uma vantagem econômica: não precisam gastar tempo nem dinheiro para deixar o solo em condições de uso, como ocorreria com a terra desmatada. Diz Rezende: "Desmatar não é bom negócio para os produtores de soja".

Veja, 19/01/2005, Economia e Negócios, p. 80-83

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.