VOLTAR

OS NOVOS DESAFIOS DO MOVIMENTO INDÍGENA BRASILEIRO

Cunpir-Boa Vista-RR
Autor: Iremar Antonio Ferreira
20 de Set de 2002

Os povos indígenas brasileiros, secularmente tem sido vítimas das violências impostas pelos "colonizadores-invasores" europeus. Dos mais de 1,5 milhão quando da chegada dos "brancos" à 500 anos atrás, restam hoje, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE do Censo de 2000, aproximadamente 700 mil indígenas, mas eram somente considerados até esta data, cerca de 350 mil pelo governo federal. Isso, graças aos ressurgimento de povos por todo o Brasil. Somente em Rondônia, dois novos povos ressurgiram nesse início de novo século, os Paumelenos e Puruborá, inclusive fazendo chegar até os corredores de Brasília, sua voz em defesa de suas terras tradicionais, atualmente ocupadas por grandes latifúndios.

Infelizmente, os povos indígenas tem construído sua história de resistência à custo de muito sangue e lágrimas. Um exemplo claro desse resistência é o cacique Xicão Xucurú, assassinado em Pesqueira, Pernambuco, que deu sua vida pela Vida de seu Povo. Muitos Guarani ao longo dos anos 90 suicidaram-se em busca de uma vida melhor no "paraíso" ao lado de Tupã, vítimas dos grandes fazendeiros da cana de açúcar do Mato Grosso do Sul. Na Amazônia, muitos mártires foram vitimados calados pelo sistema de invasão de terras, de saques dos recursos naturais: madeira, garimpo... Quantos Yanomami, Macuxi, Cinta Larga, Oro Win entre tantos outros, morreram lutando pela Vida de seu Povo... Por outro lado, quantos empresários enriqueceram à custa dessas vidas?

Entretanto, a luta não pára por ai. Os povos foram se juntando, somando forças, organizando-se e conquistando espaço. Graças à essa mobilização e organização que na Constituinte de 1988 foi possível garantir direitos importantíssimos que até hoje sustentam a legitimidade organizacional e a resistência à tantos problemas. No início dos anos 90 nasce a COIAB com o objetivo de aglutinar as forças dos povos indígenas da Amazônia, para junto com as demais organizações dos povos indígenas das regiões Centro Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul, intervir no cenário nacional em defesa da Demarcação das Terras Indígenas e proposição de um Novo Estatuto dos Povos Indígenas, bem como, denunciando os desmandos dos grandes projetos em evidência como, PLANAFLORO - Plano Agro-Florestal do Estado de RO, PRODEAGRO - Plano Agro-Florestal e Agropecuário do MT, CALHA NORTE (militarização nas áreas de fronteiras - sob terras indígenas) entre outros.

Aos poucos, as organizações regionais, como a CUNPIR - Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de RO, noroeste do MT e sul do AM, a OPIMP - Organização dos Povos Indígenas do Médio Purus, UNI-Tefé, UNI-Acre e tantas outras mais, se constituem e fortalecem suas bases que também seguem um processo organizativo em defesa de suas terras.

Portanto, para manter esse processo de articulação das organizações regionais com suas bases, para sustentar um plano de trabalho em defesa das questões que envolvem saúde, educação, alternativas econômicas, demarcação de terras, novo estatuto, etc. assim como sua estrutura operacional-sede, fez-se necessário buscar parcerias, fazer alianças com entidades internacionais inicialmente e mais recente com organizações nacionais, para apoiar financeiramente essas ações cujos custos eram significativos. Várias foram as organizações indígenas que enfrentaram dificuldades administrativas ao longo desse período, pela falta de quadro do próprio movimento indígena. Entretanto, o processo de Autonomia em construção depende desse aporte financeiro para a construção desse processo organizativo, com altos e baixos durante a vida das entidades criadas. A CUNPIR por exemplo, passou por um período de crise administrativa que viu-se obrigada a vender os poucos bens adquiridos para cobrir gastos operacionais, no final de 1997, em virtude de um projeto mal administrado.

Convém destacar que, mesmo dependendo de doações externas, as organizações sempre tiveram o compromisso de efetuar as prestações de contas dentro dos rigores da lei, não tanto pela cobrança dos doadores, mas atendendo à questões legais da legislação brasileira, até para que se tenha respaldo para cobrar do governo brasileiro.

Avançando um pouco mais, nos deparamos com o processo de discussão para a implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas - DSEI´S, no início de 1999, sob a responsabilidade da FUNASA - Fundação Nacional de Saúde. Vale ressaltar que, este modelo de atendimento diferenciado à saúde indígena, já eram defendidas pelo Movimento Indígena desde 1992. Portanto, volta à tona com toda força, lideradas por pessoas da FUNASA, que pouco entendiam de cultura e até mesmo de povo indígena, gerando grandes dificuldades para se concretizar a definição dos Distritos Sanitários em nível de Brasil e em especial na Amazônia. O medo de entregar os serviços da saúde indígena nas mãos de qualquer entidade ou prefeitura, levou com que membros da FUNASA convencessem lideranças de organizações indígenas à assumir os convênios. Para algumas organizações indígenas, a exemplo da CUNPIR, a resolução em assumir o convênio se deu na premissa de que, "se deixarmos para os brancos vai continuar do mesmo jeito ou pior, e está na hora de mostrarmos serviços junto às comunidades indígenas, nossas bases poderão ver nossos serviços diretamente na área da saúde...". Ou seja, do jeito que está não dá para ficar, chega de sofrimento, chegou a oportunidade de se tentar anemizar os problemas na saúde indígena. Percebi desde o início desse processo que, não foi fácil assumir tamanha responsabilidade, primeiro porque ficaria dependendo de recursos do governo federal (sem compromisso com os povos indígenas), à mercê do orçamento público, cada vez mais curto para o social e por segundo, perder a oportunidade de provar que as organizações indígenas tem responsabilidade e que podem assumir seu futuro pesou em muito nas decisões tomadas...

No decorrer da elaboração dos convênios, cada organização indígena criou sua forma organizacional interna para gerir essa nova demanda. Alguns tiveram dificuldades em acompanhar o campo técnico e administrativo dos projetos de saúde, além dos demais setores da organização, como educação, alternativas econômicas... Outros porém, facilitaram criando coordenações específicas para a gestão dos convênios, não onerando em demasia a coordenação, embora isso não os tenha livrado dos problemas administrativos, causado por má prestadores de serviços, pouca capacidade técnica dos coordenadores diante da envergadura do convênio e até mesmo pela demanda de atividades nas comunidades e as cobranças pela falta de equipe (médicos, enfermeiros...).

Hoje, podemos pensar com maturidade duas possibilidades, diante dos processos de auditagem fiscal dos convênios: primeira - resolver todas as pendências em tempo hábil e mostrar que a capacidade administrativa pode ser adquirida com prestadores de serviço comprometidos com o convênio e segunda - a imaturidade administrativa pela falta de técnicos indígenas deve ser superada, com as possibilidades: a) contratar pessoas de confiança para administrar em nome da organização e b) promovermos a capacitação urgente de técnicos indígenas na gestão de recursos públicos.

Podemos nos questionar como fica o Movimento Indígena nesse estopim, fica sem forças, sem poder de fogo e por isso é melhor abandonarmos o barco, para comprovar a tese de muitos anti-indígenas de que somos "incapazes"? Eu penso que não... penso que a saída está nessa própria crise criada por tudo isso. Será que foi premeditado pelo governo isso tudo? Pode até ser, mas penso que nós é que temos que tirar lição desse processo. Mais ainda, penso que tanto a CUNPIR quanto a COIAB e outras organizações indígenas, devem procurar enxergar onde está o problema e atacá-lo, procurando curar essa ferida para a saúde das atividades da organização, que não é só a saúde... não é deixando de lado os problemas encontrados que vamos nos livrar deles... Afinal de contas, não vamos depender de recursos (nacionais e internacionais, governamental ou não) para continuar a vida das organizações indígenas?

Penso que é preciso as organizações indígenas tirar estratégias claras para melhor desempenhar seu papel de mobilizador, articulador, denunciador e propositor e executor de políticas públicas. Cada um no seu lugar, coordenador de projetos específicos coordena o seu projeto; coordenadores executivos da organização coordenam as estratégias gerais da organização e assim por diante. Mas, ambos com um único objetivo, a promoção do bem estar e da qualidade de Vida das comunidades indígenas. Se acreditam que as organizações indígenas tem como fazer melhor, tem capacidade de assumir seu futuro, pense-se nisso e mãos à obra... podem tem certeza que tem muita gente comprometida que os apoiará nessa iniciativa de autonomia, até mesmo ajudando operacionalizar os projetos atuais. Desistir jamais, traçar estratégias de luta, de conquistas, de resistência, de não submissão... Sempre.

Enfim, quero agradecer quem leu essa opinião, pois meu objetivo era dizer que as organizações indígenas não devem retroagir, recuar nesse momento, mas sim, provar que têm capacidade técnica e política para gestar esse processo. As lutas políticas na atualidade dependem do suporte administrativo, financeiro, sem ele não temos forças infelizmente de mobilização e tudo mais... Prestar contas, submeter-se à burocracia de administradores (privados ou públicos), nada mais é que um teste para esse sistema de organização atual. Romper é preciso, mas será essa a hora!? É preciso pensar juntos e construir os melhores caminhos para o Movimento Indígena, no processo da Autonomia...

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.