VOLTAR

Os negócios de quem mantém a floresta viva

Valor Econômico, Agronegócios, p. B10
10 de Set de 2018

Os negócios de quem mantém a floresta viva

Bettina Barros

Poucos agricultores do mundo podem contar com os euros dos Rothschild. Mas no Brasil um projeto de agrofloresta no Vale do Ribeira chamou a atenção no ano passado da dinastia bancária europeia, que por meio de um de seus fundos de private equity fez o primeiro aporte na produção consorciada de palmito, banana, eucalipto e madeiras de lei numa fazenda modelo fincada na Mata Atlântica.
Chamado Moringa, o fundo dos Rothschild terá colocado ao todo quase R$ 19 milhões até o fim de 2019 para a implementação do projeto agrícola e industrial do Floresta Viva S.A., empresa na qual detém 60% de participação, ao lado do cineasta Fernando Meirelles e dos sócios-fundadores, os irmãos Roberto, Mário, Eduardo e Ari Pini, e o italiano Marco Curatella.
Nenhum desses sobrenomes é conhecido em Cananeia, esta tranquila cidade de 12 mil habitantes no litoral sul paulista, mas a mudança que eles pretendem gerar com um novo sistema de produção pode mexer com a vida de muitos daqui. "A gente está incubando uma ideia inovadora, que para mim é o faturo da agricultura", diz Léo Godard, o jovem agrônomo francês do Moringa que se mudou para a Fazenda São Pedro para ajudar no cronograma e na execução dos planos de trabalho.
Ao lado de Roberto, o mais velho e também o único agrônomo dentre os irmãos Pini, Godard relembra com entusiasmo quando pegou os "mais de 400" projetos agrícolas candidatos a aportes do fundo. "Quando li esse trabalho, decidi que tinha de vir para o Brasil".
O que está sendo feito na Fazenda São Pedro é parte de um movimento agroflorestal que capta a atenção de investidores diante da demanda por uma produção sustentável de alimentos em face dos problemas sociais e ambientais geralmente associados ao meio rural. A premissa básica é não desmatar. A segunda é aumentar a biodiversidade e a quantidade e qualidade da matéria orgânica agregada ao solo, melhorando a fertilidade e elevando a rentabilidade da produção. A terceira é integrar economicamente as pessoas do entorno.
Por ter claro apelo ambiental, como o sequestro de carbono propiciado pela floresta, o projeto também foi qualificado como um exemplo brasileiro de "agricultura de impacto climate smart", outra nomenclatura que vem atraindo os olhos do jet set internacional, principalmente familly offices. A Floresta Viva foi escolhida recentemente pelo Alimi Impact Ventures como um de seis empreendimentos inovadores em agricultura no Brasil por seu impacto positivo, modelo econômico estruturado e alto potencial de escalabilidade.
Com o palmito pupunha como carro-chefe, a fazenda está no processo de plantio de mudas alternadas com outras espécies, para finalidade econômica e biológica. À pupunha foram acrescentadas bananeiras e árvores de madeira de lei, como o mogno africano e o guarandi, que garantem boa receita e compõem o tabuleiro de fileiras de árvores de diferentes formatos, alturas e tons de verde. Nem parece um plantio, mas mata viva.
Há nove meses no Brasil, Godard fala português fluentemente, e diz que o mesmo acontece com o diretor-geral Hervé Bourguignon, o diretor para investimentos Clément Chenost e os demais seis executivos do time da Moringa em Paris. O aprendizado do idioma brasileiro é um termômetro da importância que o grupo dá à liderança do país na agricultura sustentável.
"E, claro, facilita muito o nosso trabalho", diz ele. Explique a um investidor o que é a trofobiose, ou seja, o equilíbrio fisiológico perfeito de uma planta por meio do qual uma cadeia intricada de proteínas e moléculas torna os seus tecidos indigeríveis para bactérias, fungos e insetos. Ou a função do eucalipto, tão compreendido na equação financeira da silvicultura, mas que na agrofloresta entra só como coadjuvante - suas folhas e galhos servem apenas para a cobertura vegetal, nutrindo o vasto e rico mundo microbiano do solo.
São conceitos consagrados na agrofloresta porque pressupõem que a natureza, quando em equilíbrio, se autorregula. Cada micro-organismo tem o seu papel fundamental para a harmonia do todo.
"Isso aqui vai além de conservar, estamos permitindo a regeneração da natureza. É algo complexo e, como todo negócio novo, tem seus riscos. Se for um investidor bitolado, um burocrata financista, ele trava", afirma Roberto Pini.
A estratégia de autossuficiência do ecossistema está no cerne dos trabalhos de outros produtores no país. Em um estágio superior de maturidade, a Native, de Leontino Balbo, e a Fazenda da Toca, de Pedro Paulo Diniz, fazem trabalhos similares. No estudo do Alimi Impact Ventures, projetos no Cerrado, na Amazônia e na Caatinga também apontam caminhos alternativos mais sustentáveis e inclusivos para a produção. Com acertos e erros, todos foram corrigindo a rota ao longo da vivência no campo.
Desde que os franceses começaram a analisar a entrada na Floresta Viva, o plano de negócio da empresa já foi refeito "umas 150 vezes", diz Godard, parecendo achar isso normal. O ajuste em uma única variável econômica impacta a composição final de custos. A mão de obra intensiva na agrofloresta é um exemplo de fiel dessa balança.
Com uma carteira de 84 milhões de euros, o Moringa tem como foco o desenvolvimento agroflorestal na América Latina e África Subsaariana. Alicerçado pelo Edmond de Rothschild Group e a ONF International, a subsidiária do Departamento Nacional de Florestas da França, o fundo já investiu em Belize, Nicarágua, Togo, Benin e Quênia, além do Brasil. A Floresta Viva é acompanhada com especial atenção pela vocação agrícola e magnitude territorial do país. Se comprovado financeiramente, como se espera, o sistema de agricultura regenerativa será aplicado em outras áreas pelo fundo no país - em café, cacau, castanha e frutas.
Como qualquer fundo de private equity, o Moringa prevê retornos anuais de 12% a 15% e permanência de seis anos no negócio.
Segundo Pini, a empresa ainda se encontra em fase de injeção de capital. A partir do ano que vem, a produtividade esperada do palmito, de 1,3 haste por planta em 4,2 mil plantas por hectare, deve gerar a receita bruta de R$ 16,2 mil por hectare por ano. As bananas, R$ 48 mil. "Só comparando dados brutos, sem considerar a madeira de lei, a receita será de 20 a 30 vezes maior que a da pecuária de corte de alta performance", diz Pini.
Com os aportes, foi possível avançar no plantio de 690 mil pés de pupunha, produzidas no viveiro local, e adquirir uma fábrica próxima à fazenda para verticalizar a produção de palmitos. Com capacidade inicial de processamento de 10 mil hastes por dia, a intenção é chegar a 40 mil hastes em 12 meses. Eles serão envasados e certificados como orgânicos.
Paralelamente, a Floresta Viva estrutura um projeto de capacitação técnica para 200 famílias de produtores familiares do Vale do Ribeira, com o intuito de expandir o conceito de agrofloresta numa região ainda carente do Estado. Eles irão consorciar hortaliças com outras espécies, em um esquema integrado no qual a empresa será o garantidor do crédito público.
"Eles terão logística e acesso a mercado, sem intermediário, e o delivery de produtos nos centros consumidores", diz Pini. "Aos poucos, faço a minha pequena revolução social através da agricultura".

Não falta dinheiro para agricultura de impacto

Bettina Barros

Os setores agrícola e florestal representam 72% das emissões brasileiras de gases-estufa, muito acima da média global de 21%. É uma má notícia, mas também uma oportunidade para o desenvolvimento de sistemas produtivos social e ambientalmente inteligentes, como o que é feito na Fazenda São Pedro.
O Alimi Impact Ventures, um "think-do-tank" brasileiro criado com o objetivo de escalar os investimentos de impacto na agricultura latino-americana, nomeou esses novos sistemas de "agricultura de impacto climate smart" e vê neles um importante canal de atração de investidores em busca de opções sustentáveis para a economia de baixo carbono. Isso incorpora o bom uso da terra, a inclusão do pequeno agricultor, a integração de lavouras e florestas, entre outros.
A agrofloresta é um caminho para promoção da sustentabilidade no campo que tem captado financiamento do investidor privado. Segundo o estudo "Avaliação de mercado sobre o investimento de impacto na agricultura no Brasil", produzido pelo Alimi, citando estimativa do World Resource Institute (WRI), oito projetos agroflorestais brasileiros foram beneficiados com US$ 10,2 milhões, totalizando uma área de 700 hectares.
Há mais dinheiro novo à espreita de bons projetos, além dos programas de financiamento já conhecidos, como o do IDB (Interamerican Development Bank) para Amazônia e Mata Atlântica, e as linhas públicas como o Agricultura de Baixo Carbono (ABC). Recentemente, o Rabobank e a agência da ONU para o Meio Ambiente anunciaram US$ 1 bilhão para acelerar projetos de proteção às florestas, agricultura sustentável e que promovam a melhora da vida rural em larga escala nos trópicos. Em outra iniciativa, a 20+20, o WRI anunciou US$ 1,3 bilhão para restauração, com intuito de reverter a atual dinâmica de degradação da terra na America Latina.
"Por um lado existem recursos para programas de redução do desmatamento que encorajam a produção sustentável. Por outro, ainda faltam projetos maduros, com governança clara, para realizar os aportes", afirma o Alimi.
A Floresta Viva mostra que não há razões para desanimar.

Valor Econômico, 10/09/2018, Agronegócios, p. B10

https://www.valor.com.br/agro/5818743/os-negocios-de-quem-mantem-flores…

https://www.valor.com.br/agro/5818745/nao-falta-dinheiro-para-agricultu…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.