VOLTAR

Os índios não são mais tontos!

Diário de Cuiabá-Cuiabá-MT
14 de Mar de 2005

Gostaria de voltar ao assunto índios. Nos últimos dias ficou em grande evidência na mídia nacional e regional a morte de crianças índias por fome e outras ameaçadas por subnutrição. Evidenciaram-se muitas contradições: a Funai lava as mãos alegando falta de dinheiro e de estrutura, e a Fundação Nacional de Saúde - Funasa alegou desconhecimento da pobreza dos índios. O ministro da Saúde chegou ao absurdo de garantir que as mortes estão dentro das estatísticas esperadas. Traduzindo: índios são apenas inconvenientes estatísticas.

De outro lado, as organizações públicas ligadas à temática indígena conservam antigas teorias de que os índios devem conquistar cada vez mais terras. Mas esquecem-se de que estas terras não levam à sua sustentabilidade. Apesar de terem grandes áreas, estão subnutridos na maioria das aldeias. O aumento da área das reservas quase sempre utiliza os índios como os interessados, mas na verdade é pretexto para se proteger áreas de madeira e de minérios. Pior. Proteger não para os índios, mas para os interesses futuros que se escondem atrás de teorias acadêmicas e de pretensa solidariedade de missões religiosas, de institutos de pesquisas lingüísticas ou de organizações não-governamentais.

Aproveito esta oportunidade para relatar algumas experiências que vivenciei com índios e a sua realidade:

1 - em 2000 assisti à festa do Kuarup, dos índios xinguanos. Muitos sabem ler, escrevem em português e são muito politizados. Dirigiam picapes Toyota, assistem televisão, têm filmadora e rádio. Mantiveram uma acalorada discussão política com o então ministro da Justiça, Íris Resende;

2 - em 1994 atravessei de balsa o rio Xingu, junto com o jornalista Rui Matos, na BR-080, dentro do Parque Nacional do Xingu. Os índios não queriam atravessar o nosso Pampa porque era dia de jogo do Brasil na Copa de 94 e eles queriam assistir ao jogo da seleção brasileira;

3 - na semana passada, em São Paulo, assisti ao lançamento do projeto turístico "Roteiro Xingu", cuja base é uma aldeia virtual dos índios wuaurá e trumai, na margem externa do Parque Nacional do Xingu. A aldeia será um projeto turístico que inclui a permanência de turistas convivendo com a dinâmica diária dos índios, passeando de barco, fazendo trilhas, etc. Há um índio jovem que fala inglês e será o guia. Em São Paulo, almoçamos juntos no mesmo hotel, sentados à mesa e comendo com faca e garfo, tomando refrigerantes, sorvete ou doce de banana como sobremesa. Falam português com desenvoltura e fazem o mesmo tipo de gozação que um grupo de jovens brancos faria em grupo;

4 - estive por mais de uma vez em aldeias do Xingu, e em especial a de Sangradouro, a 40 km de Primavera do Leste, às margens da rodovia BR-070. São pessoas muito sérias, angustiadas e já vivenciam muitos problemas brancos que não são originalmente da sua cultura, como saúde, alimentação, ausência de perspectivas de futuro para as gerações mais novas, principalmente porque estão nascendo cada vez mais crianças.

Resumindo tudo isso, deixo em aberto a discussão sobre as abordagens em torno dos índios. É um assunto que requer muita seriedade e muito empenho que hoje não há. Há muito tempo o índio brasileiro deixou de ser tonto!

" ONOFRE RIBEIRO é articulista deste jornal e de RDM

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.