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Os desafios de uma cidade sem problemas

OESP, Metrópole, p. C12-C13
19 de Out de 2008

Os desafios de uma cidade sem problemas
Pousos, bairros e até casas verdes. Suecos querem menos CO2 no ar

Bruno Paes Manso

Na sala de controle de vôo do Aeroporto de Arlanda, em Estocolmo, na Suécia, Niclas Härenstam, gerente do LFV Group, empresa que cuida dos terminais no país, mostra na tela do computador a nova tecnologia que permite saber com precisão de segundos o tempo de viagem de uma aeronave desde o momento em que decola até quando chega ao solo.

Sem desastres recentes na aviação local, durante mais de uma hora de apresentação, em nenhum momento ele relaciona os investimentos com a diminuição dos riscos de voar. O tema parece discussão antiga, assim como outros debates tão recorrentes em São Paulo. Em Estocolmo, uma das regiões mais limpas e verdes da Europa, com sete séculos de história e habitantes que recebem em média 3 mil por mês, descobre-se quais são os desafios de uma cidade sem problemas.

Enquanto toma café no meio de outros controladores de vôo, Härenstam se concentra em mostrar como a aeronave que se aproxima de Arlanda, piscando na tela do computador, prepara-se para colocar o motor em ponto morto, a chamada posição idle, para descer na "banguela" e dessa maneira diminuir a emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera.

Desde que as chamadas aterrissagens verdes, inventadas na Suécia, começaram a operar em Arlanda, em janeiro de 2006, deixaram de ser lançadas na atmosfera 900 toneladas de CO2. "As aterrissagens nos aeroportos da Suécia correspondem a menos de 0,001% da emissão de CO2 no mundo. É pouco, mas não importa. Todos devem ser responsáveis por suas emissões", diz Härenstam.

Longe de se tratar do idealismo pueril de um remanescente da geração hippie, em Estocolmo, assuntos relacionados ao aquecimento global, como uso de combustíveis ambientalmente corretos (ou environmentally friendly), reciclagem de carros, casas que se aquecem com baixo consumo de energia (passive houses), entre outras discussões que em uma cidade como São Paulo ganham ares de utopia, são prioritárias e estranhamente debatidas como questões cotidianas.

"Trabalhamos em Estocolmo o conceito de simbiocity, ou seja, tentamos viver em uma cidade em simbiose com o planeta. E a partir da cidade tentamos pensar em soluções para o desenvolvimento urbanístico sustentável no mundo", explica o professor Hans Lundberg, do Instituto Sueco de Pesquisas Ambientais.

Com um brinco de argola na orelha esquerda, Erik Freudenthal, um cinquentão que coordena as informações ambientais de Hammarby Sjöstad, a Cidade do Lago, considerada um dos mais importantes exemplos de bairro sustentável no mundo, apresenta os feitos do empreendimento, visitado anualmente por 10 mil estrangeiros.

Com 11 mil unidades residenciais para 25 mil moradores, cada apartamento tem dois quartos e custa cerca de 400 mil. Planejado por especialistas de diferentes áreas de conhecimento, o bairro conta com uma moderna tecnologia voltada para transformar as sobras diárias dos moradores em energia. As sobras de comida, por exemplo, voltam para o solo como fertilizantes.

O mesmo ocorre com o esgoto, em que os componentes sólidos são tratados e se transformam em biogás, combustível limpo que pode encher os tanques dos carros verdes. A façanha faz com que os moradores do bairro tenham um adesivo popular em seus banheiros, que recomenda: "Não faça no escritório, faça em casa."

Para administrar a cidade, os coordenadores misturam metas rígidas a um certo idealismo tipicamente sueco. Até 2010, por exemplo, 80% dos residentes devem fazer suas jornadas entre a casa e o trabalho de transporte coletivo. O consumo de água diário por habitante deverá ser reduzido a 100 litros por dia (metade da média sueca) e 95% do fósforo da água não aproveitada deverá ser reutilizado na plantação. Freudenthal não resiste e acaba a apresentação com uma citação hippie: "Nós não herdamos as terras de nossos ancestrais. Apenas a emprestamos de nossos filhos e netos. É esse espírito que seguimos."

Carro a álcool, para driblar o pedágio urbano
30% dos moradores de Estocolmo vão para o trabalho andando ou pedalando; 61% usam transporte público

BRUNO PAES MANSO

Na prefeitura de Estocolmo, Eva Sunnerstedt atua como gerente de projetos para veículos limpos ou verdes: os carros e ônibus eficientes, cujos motores emitem quantidade reduzida de gases tóxicos ou são movidos pelo etanol da cana-de-açúcar brasileira.

Eva defende o transporte a álcool com uma convicção que nem mesmo o governo brasileiro seria capaz. No PowerPoint, mostra um mapa do Brasil. Explica aos ouvintes que as terras na Amazônia não são usadas para a plantação de cana-de-açúcar, cultura que, ela mostra no mapa, se concentra na Região Sudeste. "O etanol e a cana-de-açúcar não contribuem para o desmatamento da floresta tropical. Os compradores de carro a álcool podem ficar tranqüilos", explica.

Em Estocolmo, como parte da política municipal para incentivar a compra de carros "ambientalmente corretos", a prefeitura transforma os proprietários verdes em privilegiados. O governo contribui com cerca de 1,1 mil para compradores de carros a álcool. Eles também ficam livres de pagar o pedágio urbano, no valor de 1 a 2, criado no ano passado para desestimular a entrada de carros em Estocolmo, e o estacionamento nas regiões centrais, que custa até 10.

Os táxis verdes, da mesma maneira, ganham preferência quando usados pela administração municipal. "Claro que o ideal é que o cidadão não tenha carro", diz Eva. "Mas caso queira, compre um carro pequeno e movido a álcool."

Assim como acontece com os demais debates em Estocolmo, o incentivo aos carros verdes se parece mais com um pós-problema. Afinal, os enormes congestionamentos estão longe da realidade local. Existem aproximadamente 280 mil carros privados na cidade, o que significa que 37 em cada 100 habitantes são donos de um carro. Em São Paulo, são cerca de 6 milhões de carros - cerca de 60 proprietários para cada 100 habitantes.

Mas, em Estocollmo, mesmo os donos de automóveis não dirigem seus carros no dia-a-dia: cerca de 30% dos moradores da cidade vão para o trabalho andando ou pedalando suas bicicletas, enquanto outros 61% deles circulam usando o transporte público local.

Além da eficiência e da qualidade do transporte público, a prefeitura apela para a consciência verde dos moradores com estatísticas que parecem mais apropriadas aos guias de dados curiosos e que de alguma maneira moldam o comportamento do morador local.

Pelos dados do município, por exemplo, sabe-se que um ciclista que mora a cinco quilômetros do trabalho emite anualmente 0,7 tonelada a menos de CO2 do que alguém que usa o carro no mesmo trajeto. Outro dado peculiar fornecido pela prefeitura mostra que se todos os pneus de carros fossem calibrados com a pressão correta, cerca de 20 milhões de litros de combustível poderiam ser economizados anualmente, o que significa que a quantidade de CO2 na atmosfera diminuiria em 47 mil toneladas por ano.

Como resultado de tamanha campanha e incentivos, o mercado de veículos a álcool tem crescido na cidade, que conta atualmente com cerca de 25 mil carros verdes. Mas o crescimento do mercado é exponencial. Os 3% de carros ambientalmente corretos vendidos pela indústria local já saltaram para 40% do mercado.

A prefeitura contribui ativamente com a iniciativa. Da frota de 1,2 mil carros oficiais do município, 626 são verdes. Os quase 200 ônibus verdes da cidade, produzidos pela Scania e que rodam com etanol misturado ao diesel, já deixaram de emitir 120 mil toneladas de CO2 na atmosfera desde 1990.

Emissão média de CO2 supera SP

Se fossem cores, Estocolmo seria verde, e São Paulo, cinza. Os paulistanos, contudo, emitem em média menos gases tóxicos do que os suecos. Cada morador de São Paulo é responsável pela emissão de 1,5 tonelada de CO 2 na atmosfera por ano. Os habitantes de Estocolmo produzem quase três vezes mais: 4 toneladas em média. "Na Suécia a população é mais rica e consome mais energia. Isso resulta em mais emissão de CO 2. A energia para aquecer as casas, por exemplo, é importante fonte de emissão de gases tóxicos. Em São Paulo, como quase metade da população é pobre, as emissões são proporcionalmente menores", explica o professor José Goldemberg, ex-secretário do Meio Ambiente.

O tipo de poluição de São Paulo, contudo, torna o dia-a-dia dos habitantes mais insuportável. Enquanto em Estocolmo cerca de 40% da emissão dos gases tóxicos é produzida pelas quase 430 mil casas e apartamentos da cidade - 45% deles com três quartos ou mais -, em São Paulo, 75% do total são produzidos por carros, ônibus e caminhões. O enxofre dos combustíveis se transforma em um tipo de ácido visível a olho nu e altamente prejudicial à saúde. Nas águas das cidades, outra grande diferença: em São Paulo, a água dos rios é contaminada pelo esgoto; em Estocolmo, se bebe água da torneira sem receio.

OESP, 19/10/2008, Metrópole, p. C12-C13

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