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Os caminhos da bioprospecção para o aproveitamento comercial da biodiversidade na Amazônia

Revista ComCiência
Autor: Gonzalo Enríquez
10 de Abr de 2005

No estudo da biodiversidade existem dois momentos importantes que delimitam sua atuação: antes e depois da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) - Rio 92. Antes da CDB a proteção da biodiversidade era fundamentada em valores científicos, estéticos e de lazer. A preocupação fundamental era a de preservar espécies carismáticas, tais como os certos animais de estimação, mamíferos e aves e, por outro lado, a proteção especial de áreas de beleza exuberante.

As populações locais, que ao longo de gerações domesticaram e aprimoraram componentes da biodiversidade, foram retiradas das áreas destinadas à proteção. Essas comunidades pagaram os custos da conservação, sem benefícios em troca, tiveram acesso reduzido a componentes da biodiversidade melhorados por métodos tradicionais por várias gerações e, além do mais, seus conhecimentos tradicionais foram apropriados por sistemas de conhecimentos passíveis de proteção intelectual.

Com as mudanças de paradigmas dos anos 1980, os avanços das novas tecnologias permitiram perceber a importância econômica da biodiversidade. Houve a constatação de que populações tradicionais de países pobres e megadiversos estavam sendo usurpadas mais velozmente. Surgiu a necessidade de um regime internacional que conservasse a biodiversidade e promovesse justiça e eqüidade.

Após a Convenção da Biodiversidade ampliou-se e diversificou-se a presença de atores que não eram parte da agenda dos problemas da biodiversidade. Esses novos atores passaram a desempenhar um papel fundamental nos estudos e debates das políticas públicas sobre as diversas manifestações da biodiversidade. Cientistas das áreas naturais e sociais; tecnólogos, bem como o mercado, representado por empresas "bioprodutoras", "bioindústrias", e uma crescente demanda de "bioconsumidores", cada vez mais interessados nos produtos provenientes da biodiversidade, apontam para uma nova fase dos produtos naturais. Fármacos, óleos essenciais, e insumos destinados a uma crescente indústria de cosméticos e de remédios baseada nos produtos naturais, são parte deste novo cenário da Região Amazônica. Também, no âmbito global, os estados nacionais e entidades internacionais participam do debate sobre o tema mais ativamente do que no passado.

De outro lado encontram-se as entidades não governamentais (ONGs) e sócio-ambientais e as populações locais, que lutam pela conservação e o uso sustentável dos componentes da biodiversidade e pela repartição justa e eqüitativa dos benefícios decorrentes da biodiversidade. Este último item tem promovido um consenso entre a maioria dos atores interessados na conservação e aproveitamento sustentável da biodiversidade.

A partir dessas novas discussões e debates sobre a o papel econômico da biodiversidade apareceram novos argumentos que justificam sua importância biológica e econômica, ressaltando seu papel no funcionamento dos ecossistemas, permitindo que o planeta se mantenha habitável (por exemplo, troca de carbono, manutenção das fontes de água superficial e subterrânea, proteção e fertilização dos solos, regulação da temperatura e do clima, dentre outras funções); oferecendo valores estéticos, científicos e culturais, dentre outros valores universalmente reconhecidos, mesmo sendo intangíveis e não monetários. A biodiversidade constitui uma fonte de muitos produtos utilizados pela sociedade contemporânea: alimentos, fibras, produtos farmacêuticos, químicos, óleos naturais, essenciais, etc., além de ser a principal fonte de informação para o desenvolvimento da biotecnologia.

O Instituto de Recursos Mundiais, a União pela Natureza e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (1992), consideram que, dos componentes silvestres e domesticados da biodiversidade são obtidos todos os seus alimentos e muitos medicamentos e produtos industriais. Os benefícios econômicos das espécies silvestres em si, representam 4,5% do PIB dos Estados Unidos, com um valor anual de 7 bilhões de dólares. Cálculos mais recentes, obtidos a partir do final da década de 70, mostram que o valor econômico das espécies domesticadas é ainda maior.

A pergunta que surge dessa constatação é por que o grande potencial de biodiversidade da Amazônia ainda não conseguiu ser mais expressivo na pauta de produção e constituir-se em um fator importante de desenvolvimento regional?

Essa é uma das maiores inquietações dos especialistas que conhecem um pouco das inúmeras possibilidades da região, enquanto fonte de produtos naturais. Sabe-se, no entanto, que apenas a dotação de recursos naturais não é garantia de crescimento econômico, tampouco de desenvolvimento sustentável para quem a detém. Conduzir processos econômicos com base em produtos extrativos tem deixado uma perversa herança para a região. Os ciclos da borracha, madeira e minérios, dentre outros, resultaram num rastro de devastação sem a contrapartida desejada do desenvolvimento regional.

Sabe-se que um dos principais problemas que existem na Amazônia é que o valor da floresta em pé é inferior aos outros usos comercializáveis e um outro problema é a constatação de que a floresta amazônica está sendo substituída por cultivos e pastos. As principais dificuldades em agregar valor à floresta: 1) um alto desconhecimento sobre a distribuição e densidade da maioria dos potenciais produtos da floresta, 2) falta mecanismos para agregar valor de mercado aos produtos através das inovações e processos tecnológicos e, 3) as comunidades locais, detentoras do maior banco de informações sobre a biodiversidade, continuam sendo largamente excluídas das cadeias produtivas e, finalmente, constatam-se, também, formas perversas, anormais e desiguais de inclusão social.

II

Nesse contexto, a bioprospecção torna-se um mecanismo que permite o conhecimento e novas possibilidades de uso comercial da biodiversidade, bem como pode contribuir com as comunidades locais para melhorar suas condições de vida e maximizar suas oportunidades, a partir de políticas de inclusão social.

O objetivo básico de todo programa de bioprospecção consiste no descobrimento de organismos que possibilitem o desenvolvimento de novos produtos. Todo programa de bioprospecção reúne três etapas básicas: inventário e coleta de amostras, preparação de extratos e determinação das propriedades.

A bioprospecção pode ser definida como o método ou forma de localizar, avaliar e explorar sistemática e legalmente a diversidade de vida existente em determinado local, e tem como objetivo principal a busca de recursos genéticos e bioquímicos para fins comerciais.

Segundo estatísticas e estudos publicados na imprensa, cerca de 25% dos medicamentos existentes foram elaborados com ingredientes ativos extraídos de plantas. Inúmeras substâncias químicas são usadas regularmente na medicina em todo o mundo, o que mostra a importância do uso da variedade da flora. Na agricultura, a biotecnologia tem se destacado cada vez mais, conseguindo excelentes sucessos na reprodução tanto de plantas quanto na melhoria de produção animal, com importantíssima colaboração de genes de plantas e animais etc.

Dessa forma, a matéria prima, no caso a diversidade de vida, passou a ter maior valor de mercado e, conseqüentemente, mais atenção dos países detentores que, conscientes dessa valoração, passaram a buscar regras para a sua exploração. Assim, surgiu, em âmbito planetário, uma nova forma de exploração de produtos, a exploração dos recursos naturais biológicos, ou seja a exploração da biodiversidade, surgindo então a bioprospecção.

Para a realização e efetivação da bioprospecção é necessário que o poder público, as organizações particulares não governamentais (ONGs), as universidades públicas e particulares, as empresas químicas e farmacêuticas entre outras, as comunidades e a coletividade em geral participem concretamente através de convênios, contratos de concessão, permissão e parcerias em geral.

A maioria dos especialistas sobre o tema ressaltam que devem ser elaborados e executados programas com regras bem definidas, nos quais as partes assumam responsabilidades claras, não esquecendo a legislação vigente do país, lei de patentes, royalties etc., devendo ser regulamentada também internacionalmente, observando diversos princípios de prevenção, preservação, eqüidade distributiva, princípio da participação pública (no qual deverá ser garantida a participação mais ampla possível da população envolvida em todos os seus segmentos) e princípio da publicidade, ou seja, de total transparência.

As principais políticas com relação à bioprospecção colocam ênfase na realização do inventário da biodiversidade, formando uma base de dados concreta para que se conheça o que se tem e, assim, fornecer subsídios para definir seu potencial. Fomentam, também, a conscientização para a sobrevivência dos ecossistemas e das próprias espécies. Destacam-se, ainda, a garantia e repartição dos benefícios às comunidades envolvidas, respeitando o direito de propriedade da medicina natural dos indígenas, tanto coletiva quanto individual (curandeiro) e incentivando o desenvolvimento das relações formais e informais entre a comunidade científica, os grupos indígenas e os diferentes segmentos da sociedade, todos, em sua maioria, interessados na proteção e preservação do meio ambiente, e entre os quais, existe consenso de que somente desenvolvendo essas políticas como condição mínima, poderão ser assegurados os direitos dos envolvidos no processo de aproveitamento da biodiversidade.

Gonzalo Enríquez é economista, mestre em Política Científica e Tecnológica, pela Unicamp, professor da UFPA e doutorando em Gestão do Desenvolvimento Sustentável/CDS/UNB.

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