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Os caciques do diamante

O Globo-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Jailton de Carvalho
05 de Mai de 2002

O garimpo ilegal dentro da reserva Roosevelt, dos índios cinta-larga, em Rondônia, transformou 11 dos mais influentes caciques da tribo em barões do diamante, com vastos poderes sobre uma legião de mais de três mil garimpeiros e com uma fortuna em pedras que, pelos cálculos dos especialistas, pode ser superior a US$ 2 bilhões.

Com o dinheiro amealhado na cobrança de pedágio de empresários e garimpeiros interessados em explorar a maior jazida de diamante do país, os caciques estão se esbaldando numa vida de luxo e privilégios bem acima do padrão dos demais índios e de boa parte dos brasileiros.

Enriquecidos da noite para o dia, os caciques costumam desfilar pelas ruas de Cacoal e Pimenta Bueno, entre outras cidades mais próximas às aldeias, numa frota de caminhonetes importadas, de marcas como Mitsubishi, Hillux e Toyota, algumas delas com cabine dupla, turbinadas e equipadas com aparelhos de ar-condicionado. Quase todas são dirigidas por motoristas não-índios, pagos para trabalhar em tempo integral.

A casta de caciques tem a seu dispor ainda telefones celulares via satélite, e confortáveis casas nos melhores endereços da região. Pelo menos uma dessas casas tem sistema eletrônico de segurança e circuito interno de TV.

Na tarde de quarta-feira, repórteres do GLOBO estiveram na aldeia Tenente Marques, chefiada pelo cacique João Bravo. Em pé, tendo ao fundo uma Mitsubishi vermelha de 2002, uma de suas seis caminhonetes, Bravo confirmou que está cobrando pedágio para permitir que os garimpeiros explorem diamante dentro da reserva. Ele disse, no entanto, que a dimensão de sua fortuna é apenas uma lenda.

- Os garimpeiros pagam para entrar na reserva. Mas não tenho tanto dinheiro assim como estão dizendo por aí. Se tivesse, já teria comprado um avião - disse.

O dinheiro é tanto que caciques têm segurança

Quando vão às compras ou a bons restaurantes, alguns caciques e suas mulheres não dispensam a companhia de seguranças. Segundo o delegado Márcio Valério de Souza, da Polícia Federal, esses cuidados especiais não são mero capricho dos novos ricos do garimpo.

Os caciques sabem que despertam inveja numa região coalhada de forasteiros e, por isso, vivem com medo de assaltos e seqüestros. Para a PF, os índios estariam também preocupados com suas gordas contas bancárias, algumas com movimentações de R$ 300 mil por mês.

Pelo menos quatro dessas contas estão em nome de testas-de-ferro não-índios, conforme levantamento preliminar do serviço de inteligência da PF.

- Os caciques têm carros e casas que eu, com 25 anos de PF, nem sonho ter. Enquanto isso, os índios comuns estão na miséria de sempre. O garimpo só gera riqueza para uma minoria. No futuro, com a devastação do meio ambiente e da cultura, a bagaceira será de todos - disse o delegado, que desde outubro comanda uma infrutífera operação de esvaziamento do garimpo na reserva dos cinta-larga.

A casta dos barões do diamante é formada, segundo a PF, além de Bravo, pelos caciques Amaral, Jacinto, Canário, Ita Matina, Nacoça Piu, Alzak Tataré e Joaquim, entre outros. Há duas semanas, sete deles tiveram a prisão preventiva decretada por exploração ilegal do garimpo.

Quatro foram presos, mas só por uma semana

Quatro passaram uma semana presos em Porto Velho. Dois se refugiaram nas aldeias e um, César Cinta-Larga, foi asfixiado e morto no fim de fevereiro, poucos dias antes da emissão das ordens de prisão assinadas pelo juiz Selmar Saraiva, da 3 Vara Federal.

Mais articulado do que Bravo, Amaral tentou justificar o luxo alegando que parte do dinheiro foi empregado em benfeitorias, como a construção de 15 casas de madeira, a abertura de um poço artesiano e a compra de uma caixa d'água, um gerador de energia, quatro postes de cimento, uma antena parabólica e um tanque com capacidade para aproximadamente dez mil litros de gasolina.

Embora seja um pequeno investimento, se comparado com o luxo pessoal exibido pelos caciques, Amaral não vê problema nos privilégios dos chefes das tribos.

Na manhã de quinta-feira, O GLOBO procurou o cacique Nacoça Piu, na Rua Blumenau 1.452, no Incra, um dos bairros mais valorizados de Cacoal. O cacique comprou o casarão no início do ano, mandou reforçar o muro e instalou um sistema de segurança equipado com um circuito de TV interno. Quando chega ao portão, o visitante é automaticamente filmado. Não houve resposta aos repetidos toques de campainha.

- Os novos moradores desta casa chegam e saem num Santana ou em caminhonetes, mas nunca falam com a gente. Eles são muito fechados - disse uma das vizinhas.

Segundo levantamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da PF, há três anos 12 caciques (um deles já morto) lotearam o garimpo da reserva Roosevelt. Cada um tem o domínio sobre a exploração do diamante na área mais próxima à aldeia que comanda.

Os caciques cobram R$ 20 mil por cada máquina de extração e mais um percentual de 20% a 50% da produção. O controle de cada máquina, que pode extrair até 30 quilates por dia, é feito por um índio designado fiscal.

Mas a polícia desconfia que, mesmo com a alta rentabilidade do negócio, os índios ainda têm enormes prejuízos. Os garimpeiros conseguem esconder boa parte da produção ou, em determinadas situações, subavaliam o material. No fim do ano passado, um dos caciques foi flagrado trocando 90 pedras de diamante por uma caminhonete importada Hillux. O carregamento era suficiente para comprar dez caminhonetes iguais.

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