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Os avanços das comunidades quilombolas de Minas Gerais em 2005

Observatório Quilombola (Ong KOINONIA)
Autor: Equipe Quilombos Gerais do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes)
01 de Dez de 2005

Minas Gerais nov-dez/ 2005
Os avanços das comunidades quilombolas de Minas Gerais em 2005
Por: Equipe Quilombos Gerais do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes)

Minas Gerais se encontra muito atrasado em relação à identificação das comunidades remanescentes de quilombos. Segundo um levantamento de 1997 da Fundação Cultural Palmares, o estado teria 68 comunidades relacionadas, ainda que de forma precária. Esse número parece estar subavaliado, se o compararmos aos de outros estados da federação e considerando que o estado mineiro teve uma das maiores populações escravas do país. A falta de um levantamento mais sistematizado dificulta o reconhecimento dessas populações, gerando a invisibilidade política desse importante ator social. Hoje a Fundação Cultural Palmares e Organizações Não-Governamentais, como o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), trabalham com a identificação de aproximadamente 400 comunidades. Na listagem atual do Cedefes, por meio do Projeto Quilombos Gerais (Ler mais adiante), já foi confirmada a existência de 336 comunidades no Estado de Minas Gerais, mas é possível que esse número seja ampliado. Porém, a luta desses grupos por seus direitos acaba ficando isolada dentro dos contextos regionais.

A realidade das comunidades quilombolas de Minas Gerais não difere da de outros estados do Brasil. A falta de fomento de políticas públicas ou o desconhecimento pelos quilombolas dos projetos de governo que podem beneficiá-los impedem e travam a sustentabilidade desses grupos em seus locais tradicionais.

A violência em relação à disputa pela terra é o principal problema das comunidades quilombolas do estado. A maioria dessas comunidades perdeu seus territórios históricos por grilagens que datam aproximadamente da década de 60, 70 e 80 do século XX.

Há também vários casos conflituosos relacionados a construções de hidrelétricas, instalações de grandes mineradoras, criação de parques ou reservas biológicas, implantação de siderúrgicas de eucalipto, entre outros exemplos – todos agentes explícitos que comprometem a sobrevivência dos quilombolas e de outros grupos e populações da área rural.

A comunidade Porto Coris, localizada no município de Leme do Prado, apesar de ser a única do estado a possuir o título coletivo de remanescente de quilombos, teve seus moradores deslocados das margens do rio Jequitinhonha para o alto de uma chapada, pois a área tradicional do quilombo vai ser alagada pelo lago do empreendimento hidrelétrico de Irapé.

As comunidades quilombolas que poderão ser atingidas por barragens são a comunidade dos Marques (município de Carlos Chagas) e a comunidade dos Capuxás (município de Jequeri). Muitos quilombos estão sofrendo com a expulsão do território e a degradação deste no entorno das comunidades por atividades mineradoras. Em Paracatu, uma única empresa mineradora atingiu o território tradicional de três grupos Comunidade dos Amaros, Comunidade de Machadinho e Comunidade de São Domingos. A comunidade de Mumbuca, no município de Jequitinhonha, teve parte de seu território tradicional e os acessos incluídos na reserva biológica da Mata Escura. A comunidade convive de maneira sustentável com a Mata Escura há aproximadamente 150 anos e agora se vê ameaçada com as limitações impostas pela criação da reserva biológica.

Há também grandes plantações monocultoras em todas as regiões de Minas Gerais; seja de soja, no Noroeste e Triângulo, ou de eucalipto, no Jequitinhonha, no Norte e no Vale do Aço, desestabilizando a sustentabilidade dos quilombos.

As comunidades de Brejo dos Crioulos (município de São João da Ponte e Varzelândia), Gurutubanos (município de Pai Pedro e Janaúba), Amaros (município de Paracatu), Machadinho (município de Paracatu), Córrego Santa Cruz (município de Ouro Verde de Minas), Água Preta (município de Ouro Verde de Minas), Barro Preto (município de Santa Maria de Itabira) e Indaiá (município de Antônio Dias) já encaminharam ao Incra o pedido de regularização de suas terras. Segundo o órgão, a prioridade é da comunidade de Brejo dos Crioulos, a qual, da mesma forma que a dos Gurutubanos, fez ocupações em fazendas que estão sobrepostas a seus territórios tradicionais no intuito de pressionar o Incra para uma maior agilidade nos processos de titulação das terras e para poderem produzir e manter sua segurança alimentar.

A falta de fontes de geração de renda nas regiões Norte e Nordeste de Minas Gerais causa uma migração sazonal entre moradores quilombolas, que se deslocam para São Paulo e para o Paraná para trabalhar com a colheita de café e com o corte de cana. Os migrantes passam seis, sete e até oito meses nesses trabalhos, perdendo o laço com o local e a cultura quilombola.

Há ainda a especulação imobiliária, que atinge violentamente os quilombos existentes no perímetro urbano. A comunidade dos Luízes, em Belo Horizonte, perdeu grande parte de seu terreno para grandes imobiliárias que, depois de invadirem a área, construíram diversos prédios. A comunidade de Mangueiras, também em Belo Horizonte, está vivendo um problema sério, que é a ocupação desordenada no seu entorno, causando a poluição de suas nascentes por esgotos. Existem em Minas Gerais vários quilombos urbanos, além dos dois citados em Belo Horizonte. Há o quilombo do Baú, em Araçuaí, os Arturos, em Contagem, o Bairro Palmeiras, em Teófilo Otoni, o quilombo da Tabatinga, em Bom Despacho, entre outros.

A questão cultural das comunidades quilombolas também sofre um grande abalo com esta desestruturação social que a falta de terras e de geração de renda acarreta. Minas Gerais é um estado riquíssimo em diversidade cultural entre os quilombolas. A religiosidade, a música, as danças, o dialeto de matriz africana, o artesanato, o trabalho de mutirão, entre outras expressões são a base da existência desses grupos diferenciados etnicamente.

As igrejas neo-pentecostais também exercem grande influência na cultura quilombola, uma vez que impõem valores que não se encaixam com o viver dessas populações. Nas comunidades do Baú e do Ausente, no município de Serro, a igreja proibiu os adeptos de freqüentarem as festas de santo, de participarem da Guarda de Catopés e de conversarem em um dialeto de origem Bantu.

A questão da degradação ambiental influi bastante na vida de todas as pessoas, e dos quilombolas também. Práticas comuns como a pesca, a caça, a cata de raízes e frutos, entre outras atividades que transitam nas esferas da cultura, da subsistência e da sociedade, ficam comprometidas.

A inexistência de uma legislação estadual sobre as terras quilombolas ajuda na morosidade para resolver este problema. A problemática da terra origina-se na demanda pelos territórios quilombolas, seja por pressão imobiliária, por agricultores, por empresas, por barragens, como o caso da Usina de Irapé, que não (re)conhecem o valor étnico histórico das áreas dos quilombos e nem mesmo a cultura desses povos, que trazem consigo o som de tambores e a arte de danças tradicionais dos povos de origem Bantu, Nagô, entre outros originários do continente africano.

Conseqüentemente, as apropriações do espaço original mediante a inserção de atividades econômicas, gradativamente, tendem a ocasionar a redução das terras das comunidades quilombolas acarretando a ausência de auto-estima, a migração e a falta de espaço para produção.

Ainda assim, muitas comunidades estão se organizando, reconhecendo a sua diferença étnica e valorizando a sua cultura e idiossincrasias.

A Federação Quilombola de Minas Gerais

Mesmo após 117 anos de abolição da escravidão as comunidades negras ainda convivem com a exclusão social e política. A invisibilidade social do movimento quilombola, como ator social, foi agravada pela luta desarticulada em contextos locais.

No entanto, em 2005, Minas Gerais passou por um momento histórico protagonizado por representantes de diversas comunidades quilombolas. Em junho foi criada a Federação Quilombola de Minas Gerais, que tem como objetivo agregar e organizar as comunidades para o enfrentamento de seus problemas sociais, econômicos e culturais.

A organização para criar a Federação começou em 2003, com várias atividades que proporcionaram a discussão e mobilização dessas comunidades.

A partir dessa mobilização, acompanhada de uma discussão sobre a identidade quilombola e seus direitos, ocorreu, em novembro de 2004, o I Encontro de Comunidades Negras e Quilombolas de Minas Gerais, como territórios culturais, e o Seminário de Identificação e Diagnóstico para o Etnodesenvolvimento, em novembro de 2004, em Belo Horizonte. Esse evento, que reuniu representantes de 78 comunidades quilombolas do estado, visou proporcionar o encontro das lideranças das comunidades negras e remanescentes de quilombolas com autoridades governamentais da esfera federal (Fundação Cultural Palmares, Ministério do Desenvolvimento Social, Incra), estadual (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea/MG, Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais – Idene), municipal (Prefeitura Municipal de Belo Horizonte) e organizações não-governamentais (Cedefes, Instituto Fala Negra, Sindicatos de Trabalhadores Rurais).

Por meio das atividades durante o encontro, revelaram-se várias violações aos direitos básicos vividos por essas comunidades, sendo um dos grandes problemas apontados a disputa pela terra. Foram relatados pelas lideranças quilombolas presentes inúmeras questões que perpassaram desde a problemática da sobreposição de territórios com a criação de unidades de conservação em áreas de comunidades tradicionais, a invasão dos territórios tradicionais pelo avanço desenvolvimentista até a perda gradativa da identidade e a ausência de informações quanto aos seus direitos.

Como resultado, as 78 comunidades quilombolas presentes no I Encontro Estadual decidiram pela construção de uma organização que as represente e para isso foi constituída uma Comissão Quilombola Provisória com pessoas eleitas por região.

Com o apoio do Consea-MG, do Cedefes e de outras entidades, esse grupo realizou duas reuniões onde ficou definido que a organização a ser criada para representá-los deveria ser uma Federação de Comunidades Quilombolas e a criação desta se daria em uma Assembléia que possibilitasse a ampliação da participação de outros representantes. A Assembléia se deu nos dias 17, 18 e 19 de junho, na Escola Sindical 7 de Outubro, Belo Horizonte. Durante os três dias, a Comissão Provisória da Federação Quilombola reuniu representantes de 76 comunidades quilombolas do Estado de Minas Gerais, totalizando aproximadamente 170 participantes.

No dia 17 de junho, a Comissão Provisória abriu a Assembléia relatando a história da organização dos quilombolas em Federação. Diversos representantes de comunidades quilombolas expuseram a situação atual como vivem: A grilagem das terras, a parcimônia de políticas públicas, a falta de fontes de geração de renda nos locais, entre outros.

No último dia, os grupos expuseram os planejamentos de ações e houve a eleição por aclamação por haver uma chapa única. A Federação Quilombola será uma entidade civil que representará política e juridicamente as comunidades remanescentes de quilombos mineiras em prol do desenvolvimento sustentável e do fomento ao funcionamento das Associações Quilombolas locais. Além disso, a formação de uma rede de comunidades através da Federação fortalecerá a reconstrução da identidade deste movimento, dará visibilidade social à existência desse grupo étnico que possui características e contextos históricos particulares que devem ser considerados quanto à implementação de políticas públicas diferenciadas.

Nos últimos dois anos, as ações e mobilizações desenvolvidas confirmaram que Minas Gerais possui uma presença expressiva de comunidades remanescentes de Quilombos invisíveis à ação oficial. O contexto do ano de 2005 para as comunidades quilombolas de Minas Gerais foi positivo no sentido da articulação e organização dessas populações no intuito de reivindicar seus direitos. Mas, em termos de conquistas políticas e sociais, a realidade de pobreza, de abandono do poder público e do racismo que os quilombolas sofrem, não houve avanço nenhum. A morosidade do governo em regularizar e titular as terras ainda é o grande empecilho para o avanço e o reconhecimento dos direitos quilombolas.

O Projeto Quilombos Gerais

O Projeto Quilombos Gerais foi proposto pela equipe do Cedefes à entidade alemã Misereor, no início de 2002, tendo sido aprovado para um período de três anos.

Suas atividades tiveram início em meados de 2003 e hoje está sob a coordenação da sócia Maria Elisabete Gontijo dos Santos. As atividades técnicas são realizadas por Marielle Brasil Figueiredo Polliccione e Pablo Matos Camargo, contando ainda com a colaboração de estagiários, sócios e demais técnicos do Cedefes.

O projeto busca dar maior visibilidade às comunidades quilombolas de Minas, um dos segmentos sociais mais pobres e esquecidos da nossa sociedade, e colaborar para a sua organização política. Esperamos que com essas ações essas comunidades reconheçam os seus direitos constitucionais e legais, possam lutar por eles junto às instituições públicas estaduais e federais, tenham acesso aos programas oficiais e garantam a sustentabilidade e a permanência de suas culturas.

• identificação das comunidades negras rurais em Minas Gerais;

• documentação das comunidades identificadas e sobre a temática quilombola em geral, sobretudo em Minas Gerais. Esse trabalho é feito por meio de visitas locais realizadas pela equipe. Para cada comunidade visitada, prepara-se um relatório extensivo, com um grande número de informações referentes à localização, número de pessoas, atividades econômicas, situação ambiental do espaço que ocupam, histórico dessa ocupação, registros fotográficos, etc;

• divulgação sobre e para as comunidades negras rurais do estado. O Projeto elaborou a cartilha O Direito a Terra é um Direito Quilombola, que trata da regulamentação das terras quilombolas. Cerca de cinco mil exemplares foram impressos para distribuição nas comunidades quilombolas e em eventos de interesse da causa das comunidades negras rurais;

• articulação social entre as lideranças das comunidades e o mundo institucional, público e privado.

As atividades do projeto têm sido intensas e diversificadas nestes dois anos de trabalho, dentre elas destacamos o levantamento de um grande número de comunidades negras rurais, até então não consideradas pelos órgãos oficiais, e, no campo da articulação social, a direta participação no projeto da criação da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais NGolo. É importante observar que, antes da atuação do projeto, as entidades, públicas ou privadas, inclusive as relacionadas às questões da população negra do estado, tinham pouco conhecimento sobre a existência das comunidades quilombolas e que não havia nenhuma entidade que pudesse representar essas comunidades.

Além disso, nossos pesquisadores, durante as visitas locais, encontraram comunidades que não se reconheciam como remanescente de quilombo e que sequer tinham ouvido falar de seus direitos constitucionais, que tratam da titulação de suas terras e da preservação dos seus sítios históricos.

Foi com o trabalho de pesquisa, documentação e divulgação, realizado pelo projeto Quilombos Gerais, que foi possível a articulação de diversos atores locais, estaduais e federais, para a construção, em tão pouco tempo, de uma entidade do âmbito da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais.

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